OS EFEITOS DELETÉRIOS DO PODER ECONÔMICO NA DECOMPOSIÇÃO INSTITUCIONAL
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"A norma está inscrita entre as artes de julgar; ela é um
princípio de comparação. Sabemos que tem relação
com o poder, mas sua relação não se dá pelo uso
da força, e sim por meio de uma espécie de
lógica que se poderia quase dizer que é
invisível, insidiosa" (Michel Foucault)
Afirma-se, no noticiário e pela boca das chamadas autoridades, que o País vive a normalidade do funcionamento das instituições, ou seja, o Legislativo legisla, o Executivo administra e o Judiciário julga.
Mas, será que isto é mesmo tão legítimo e saudável assim?
Assistimos, agora, à explicitação às escâncaras daquilo que todos nós sabíamos há muito tempo: grassa a corrupção com o dinheiro público em tenebrosas transações com a participação de (quase?) todos os políticos e em todos os níveis. Não é questão de milhões, mas de bilhões de dólares.
Há certa hipocrisia na rejeição ao financiamento eleitoral de campanhas. Todos nós sabemos que as campanhas eleitorais e os candidatos são, desde sempre, financiados pelo grande capital, deste recebendo, quando eleitos, benesses estatais de todo tipo; como contrapartida, o poder econômico espera que os seus (e não do povo) representantes políticos cumpram a função primordial de dar sustentação ao sistema que tanto lhes favorece.
Recebem mais dinheiro os candidatos e partidos com melhores chances de vitória; já os menos cotados recebem quantias inferiores, mas recebem (isto para o caso de haver uma repentina reviravolta no processo eleitoral, nunca se sabe).
Podemos portanto, concluir que a normalidade institucional se dá dentro de critérios absolutamente anormais e ilegítimos, seja do ponto de vista da lei ou da honestidade de propósitos e comportamentos.
O processo eleitoral é proibitivamente caro e, por isto, corrupto. Os gastos com mídia de comunicação (panfletos, camisetas, pichação de muros, elaboração de requintados programas de rádio e TV para o horário eleitoral, publicações em jornais e revistas, contratação de marqueteiros, etc., etc., etc., são cada vez mais exorbitantes.
Os dispêndios com jatinhos e helicópteros cruzando os céus, serviços de som em carros alugados, gasolina, recrutamento daqueles cabos eleitorais que hasteiam bandeiras nos sinais de trânsito, e tantas coisas mais, como a manutenção dos chamados currais eleitorais no interior, são cobertos de que forma?
Não há outra resposta senão com a corrupção, seja sob a forma de tráfico de influência, seja na maneira mais direta da apropriação do dinheiro público advindo da escorchante cobrança de impostos a uma população já segregada socialmente.
Assim, o Poder Judiciário está a enxugar gelo quando tenta coibir a corrupção por meio de punições aos políticos (todos ou quase todos) que praticam jogo sujo, ainda que tal tentativa seja meritória e deva ser por todos apoiada.
A lei diz uma coisa, a realidade diz outra. Isto ocorre porque estamos submetidos a um sistema que é corrupto na sua origem, pois ele somente sobrevive graças à extração de mais-valia, corrupção original e única forma de acumulação do capital, fonte da segregação social.
Assim, o funcionamento normal das instituições, nas sociedades mercantis capitalistas, ocorre sob uma base corrupta e corruptiva. Evidentemente, a resultante disto não poderia ser outra senão uma decomposição econômica e moral generalizada, ao mesmo tempo em que se observa uma insuportável concentração de riqueza nas mãos de uns poucos, em detrimento da imensa maioria.
Por que, então, o aparente espanto diante do já cansativo noticiário da grande mídia que faz da explicitação das mazelas funcionais do sistema uma forma de vender notícia?
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O JUDICIÁRIO E AS LEIS DA VIDA MERCANTIL
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Nas sociedades mercantis, diferentemente daquilo que muitos pensam o Estado não é uma esfera soberana, e muito menos neutra. É a esfera de regulamentação e manutenção de um modo de ser social mercantil previamente estabelecido e do qual é dependente. Sob o capital não há soberania política.
Toda a máquina administrativa do Estado é sustentada pelas atividades econômicas por meio dos impostos, razão pela qual tem como função precípua a manutenção e o estímulo ao desenvolvimento econômico.
Os humores da lógica mercantil são o que determina o comportamento do Estado e da política, sendo esta última o segmento de legitimação de acesso às instâncias do poder. Ambas as esferas, Estado e política, são, portanto, submissas à ordem econômica.
O pensar político, aparentemente soberano, está adstrito à lógica mercantil que também o subvenciona, estando, assim, aprisionado pelos seus limites opressivos.
O Poder Judiciário, instância estatal, por aplicar as normas advindas dessa lógica mercantil (as quais, por sua vez, são legiferadas por outra instância estatal, o Poder Legislativo), antes de obedecer à soberana busca da realização do ideal de justiça, busca a manutenção do status quo mercantil e jamais pode negar a função de prover o seu equilíbrio, principalmente quando este último se vê ameaçado.
Por esta razão, o Poder Judiciário, mesmo quando quer dar um sentido humanista à aplicação da lei nos conflitos submetidos sua à apreciação jurisdicional (principalmente nos casos que indignam a opinião pública), se vê obrigado a atender ao imperioso ditame da lógica mercantil.
Mas, como Pilatos no credo, age da mesma maneira nas questões de pequena monta, uma vez que a lei mercantil protege a acumulação da riqueza abstrata sob a forma de propriedade, outorgando ao seu detentor direitos que afrontam o mais elementar sentido de justiça.
É evidente que quando há o tráfico de influência e suborno, subprodutos sistêmicos, que tem aumentado, o problema se agrava.
Como a lógica mercantil é intrinsecamente injusta, a lei, dela derivada, não poderia ser justa; e a sua aplicação obedece ao mesmo critério. A camisa de força a que tal lógica submete o Judiciário se torna mais apertada ainda nos momentos de crise sistêmica como o atual.
Com a superação do capitalismo e sua lógica, que em breve impor-se-á, os cânones legais e processuais hão de ser mudados, para se tornarem consentâneos com a realização do ideal de justiça..
(por Dalton Rosado)
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