"Se o capitalismo é incapaz de satisfazer as reivindicações
que surgem infalivelmente dos males que ele mesmo
que surgem infalivelmente dos males que ele mesmo
engendrou, então que morra!" (Leon Trotsky)
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O conflito na concorrência de mercado, com os contendores tentando sobrepujar seus adversários e levá-los à falência, é o primeiro e grande conflito que demonstra o princípio de disputa autofágica que prepondera na lógica do capital. Trata-se de uma permanente fonte de desarmonia, ao invés da saudável depuração qualitativa que poderia existir em seu lugar.
O poder econômico, prevalecente nas sociedades mercantis sobre todos os demais poderes dele derivados, vive constantes e infindáveis conflitos no seu interior, uma vez que o capital, embora seja uma massa homogênea de valores acumulados do ponto de visto global, é dividido em quantitativos administrados por detentores vários, os quais se digladiam entre si na busca da sua acumulação personalizada e indispensável à sua própria existência.
É que o capital precisa manter uma velocidade cumulativa constante sob pena de colapso existencial, tal qual uma bicicleta precisa de velocidade constante para sua manutenção na posição vertical em movimento.
Assim, tal massa, homogênea do ponto de vista de sua soma global, é heterogênea em termos da propriedade detida por capitalistas particulares que brigam entre si na guerra da concorrência de mercado.
Não é por menos que o capitalismo se constitui no grande patrocinador dos maiores conflitos bélicos da história da humanidade; podemos mesmo dizer que o capital é filho da guerra e, ao mesmo tempo, seu patrocinador, num processo de retro-alimentação genocida.
A concorrência de mercado é o grande, inevitável e eterno conflito que travam entre si os obedientes servos da lógica do capital, na condição de transitórios detentores que buscam a sua infindável acumulação (por muitos equivocadamente considerada uma disputa benéfica, como se provocasse uma depuração de qualidade). Trata-se, isto sim, de um fenômeno negativo incensado sub-repticiamente como positivo.
Tal concorrência de mercado, entretanto, induz à redução de custos de produção das mercadorias somente possível com a eliminação dos postos de trabalho abstrato (sua seiva vital!), numa contradição que define a sua condição destrutiva e autodestrutiva da própria forma, explicitando a sua primeira grande contradição e negatividade: não concorre para a harmonia social, provocando, pelo contrário, uma competição autofágica cujo desfecho final é a barbárie que ora se avoluma em escala mundial.
Agora, quando a massa global de valor válido (aquele advindo da produção de mercadorias, única fonte sustentável de produção e manutenção da sua lógica abstrata) e a massa de extração de mais-valia estão decrescendo, ao invés de estarem crescendo como condição imperativa de sua existência, estabelece-se um conflito generalizado e fratricida por sua obtenção, como se uma multidão de sedentos disputassem insuficientes copos d’água. Uma guerra na qual todos os atores saem perdendo (ganhadores capitalistas e trabalhadores perdedores do jugo e do jogo do capital).
O escritor Anselm Jappe constata no seu livro As aventuras da mercadoria que a maioria dos empresários hoje tem um elevado nível de estresse, causado pelos esforços para viabilizar e manter seus negócios face à paralisia dos mercados decorrente da perda da capacidade de compra da população, aumentos de impostos e tributos, etc.
E, claro, mais ainda sofrem os trabalhadores, que se obrigam a vender por valor cada vez menor a sua mercadoria (a força de trabalho)..
OS CONFLITOS INSTITUCIONAIS
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O negativo embate na guerra da concorrência de mercado não é o único. Na esfera de sustentação do poder econômico estão os poderes políticos e institucionais do Estado, sem soberania de vontade, que sofrem também um processo de contradição funcional derivado da dependência econômica a que estão submetidos.
Isto se observa, p. ex., na Operação Lava-Jato, que explicita o embate entre o Judiciário (poder de coerção ao cumprimento das leis nascidas sob a égide do poder econômico) e os poderes Executivo e Legislativo, compostos por políticos profissionais, na sua grande maioria representante do empresariado, que necessitam de dinheiro para bancarem os vultosos gastos eleitorais.
Daí resulta um tipo especial de corrida concorrencial de poder econômico, que vicia e contamina a soberania de escolha popular: são a corrupção consentida e/ou a corrupção criminalizada que sustentam a concorrência no processo eleitoral, canal de legitimação do poder político para a investidura no poder institucional do Estado.
Como o processo eleitoral envolve uma corrida econômica, torna-se cada vez mais dispendioso; e como obtém mais votos quem gasta mais, resvala-se inevitavelmente para a deturpação da vontade popular (o povo acaba escolhendo dentre o que já foi escolhido) e para a prática de crimes financeiros, que se configuram como subproduto da dinâmica do capital.
Assim, estabelece-se uma contradição entre a lei que obsta a corrupção criminalizada por ser nociva à corrupção consentida do próprio capital (e que deve ser punida pelo Judiciário) e a indispensável corrupção da concorrência econômica no processo eleitoral.
O Judiciário tem a missão de punir o crime, mas, sendo parte do Estado (e por ele subvencionado), experimenta o constrangimento da pressão por uma capitis diminutio da sua soberania coercitiva sistêmica causada, advinda, inclusiva, dos outros poderes do mesmo Estado (o Executivo e o Legislativo).
A propalada independência e a harmonia entre os poderes é cada vez falaciosa, posto que são, cada vez mais, dependentes do poder econômico e desarmoniosos entre si (vide o bate-boca público entre o ministro Gilmar Mendes e o procurador geral Rodrigo Janot).
Entrementes, o conflito cada vez mais agudo entre os corruptos da política e o Poder Judiciário (com a Lava-Jato escancarando a amplitude da roubalheira e os valores biliardários que trocam de mãos em função da promiscuidade de tais políticos com o poder público), expõe a questão da capacidade coercitiva jurisdicional, ora colocada em xeque. O capital exala contradições por todos os poros.
Outro conflito que está na pauta do dia neste período de vacas magras do capital é o existente entre a administração pública sob o capital e o interesse do povo (vide reforma da Previdência Social).
Ao governante cabe compatibilizar o equilíbrio financeiro do Estado sob pena de completa falência do dito cujo e, consequentemente, do poder de regulamentação e coerção de tal organismo na sustentação do capitalismo;, mas também lhe compete o provimento das demandas populares de sua incumbência, prevista na legislação orçamentária e ordenamento constitucional.
Mas, enquanto o volume de valor válido decresce na arrecadação tributária ou previdenciária com o pífio crescimento do PIB, as demandas sociais aumentam em proporção inversa, criando dificuldades insolúveis dentro da lógica do capital; evidencia-se então que, na ordem das prioridades do Estado, não são as necessidades da população que prevalecem, muito pelo contrário. Sua verdadeira função é anti-povo.
Retirada a máscara estatal da neutralidade e isonomia, desacreditado o discurso demagógico de que o Estado está acima dos conflitos mercantis e corporativos, o que se vê é o Estado cada vez mais restrito à função de mero guardião dos interesses do capital que o formatou e cada vez menos provedor das demandas sociais básicas.
Uma vez entronizado no gerenciamento do Estado, que é subvencionado pelos impostos (leia-se valor) extraídos de um povo exaurido por sua condição de vítima de um modo de mediação social mercantil espoliativa, o governante passa a ser um obediente executor da lógica do capital, defendendo os interesses deste e agindo em detrimento do povo, sem alternativa.
Esta é a razão pela qual os revolucionários que combatem o capitalismo não se devem deixar iludir pelo canto de sereia do poder político estatal, na ingênua suposição de que se possa mudar a essência do Estado a partir do próprio exercício do poder estatal. A história tem, pelo contrário, nos ensinado que o Estado é uma máquina de decomposição moral e comportamental dos revolucionários.
O mais absurdo é que o povo, em seu desamparo, clame cada vez mais pela presença do Estado, sem perceber que ele, Estado, nada mais é do que uma força auxiliar mantenedora da opressão capitalista que o oprime.
Assim, age como um toxicômano que busca no consumo da droga a solução para os seus problemas de abstinência e insanidade causados pela própria droga. (por Dalton Rosado)
2 comentários:
Dalton,
Sua colaboração esmiuçando os males sociais, políticos e econômicos é precioso cabedal de conhecimento a ser guardado e estudado.
Seu, na minha opinião, certeiro diagnóstico da proximidade do fim do capitalismo é alento para os que resistem confiantes de que o bem vencerá.
Ouso, contudo, discordar quanto a necessidade da extinção do estado... senão, vejamos.
Duas irmãs brigam pela mesma (e única) fatia de bolo.
A mãe chega e diz a uma delas:
- Você vai cortar a fatia ao meio, mas a sua irmã irá escolher o pedaço que quiser comer.
E a fatia foi repartida exatamente na metade!
Nesse exemplo, o poder arbitral da mãe definiu regras justas para a eliminação do conflito, usando a sua inata autoridade.
E o "povo" (quem sabe o q é o povo?) pede, não mais o estado do tipo que temos, mas sim, este ente sábio, dotado de autoridade legítima e que arbitre um jogo honesto com regras claras e justas.
Existirá essa entidade?
Como fazer brigões egoístas e violentos dividir irmamente a fatia do bolo?
É axiomático que contendores serão justos e honestos, quando colocados em situações em que seja vantajoso a justeza e honestidade (valores!).
"Ama teu inimigo", dizia o jovem galileu.
Quem melhor que o seu concorrente para lhe obrigar a ser melhor, mais eficiente e mais honesto? A procurar bem fazer para não dar vantagem para o inimigo?
Quem dirá melhor o valor de alguma coisa? O quanto se paga num mercado aberto, ou o burocrata na sua mesa reguladora?
Já foi dito que, quando alguém se arvora a regular um mercado, o primeiro a ser comprado é o regulador.
Achar que o regulador (estado) corrompido que temos atualmente não será banido e substituido por um de caráter superior é desprezar milênios de evolução política e econômica.
As pessoas não querem mais esse "estado" (de coisas) e nem são viciadas.
Elas intuem que existe uma maneira honesta, sábia e justa de mediar e eliminar conflitos de interesse através de instituições que cultivem e pratiquem os valores da justiça e honestidade.
Imagino que é este o tipo de estado que o povo quer criar. E não extuinguí-lo.
E essa instituição virá a ser. Num parto difícil. Onde não estão descartados os espasmos de dor superlativa na sociedade que o está gestando.
A seu tempo, virá.
RESPOSTA ENVIADA PELO DALTON:
Caro SF,
a questão que você levanta sobre a necessidade do Estado como autoridade reguladora de conflitos e outras questões inerentes ao tratamento e disciplinamento das mazelas humanas merece uma reflexão que comporta um artigo inteiro.
Assim, aguarde uma abordagem completa sobre o tema, pois ele não pode ser tratado num resposta sucinta, sob pena de o esclarecimento dessa questão sob o meu ponto de vista ficar incompleto.
Os meus pensamentos, obviamente, podem ser falíveis e equivocados, e se assim for e eu me convencer dos meus erros, merecerão de minha parte mais uma autocrítica dentre as muitas que já fiz ao longo da vida. Faz parte do aprendizado, pois só não erra quem nunca pensa ou faz nada. Nunca quis e não quero me posicionar como o dono da verdade, mas me conduzo sempre dentro da mais absoluta convicção de princípios e conceitos lógicos, e com honestidades de propósitos.
O poder corrompe, e o exercício continuado do poder corrompe muito mais. É graças a isso que acredito que quanto mais horizontalidade e pulverizado o controle de mando melhor. Mas isso já é o cerne do problema a ser tratado oportunamente no artigo anunciado. Aguarde.
Desde já agradeço a sua contribuição de pauta, pois ela nos dá uma referência do que está na cabeça dos leitores mais interessados em compreender os rumos possíveis no tratamento de questões complexas que parecem imutáveis, eternas, ontológicas, e não histórica sobre o comportamento político-econômico-social.
Um grande abraço,
Dalton Rosado
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