"Quanto maior o caos, mais se aproxima a solução."
(Mao Tsé-Tung, comandante da revolução chinesa de 1949)
O capitalismo necessita crescer ad infinitum, mas, para seu infortúnio, a capacidade de consumo tem limites; é em tal momento, agora atingido, que se explicita o aspecto mais determinante de suas muitas contradições.
Uma delas é a de que, na contramão de sua necessidade de expansão crescente, ele elimina postos de trabalho visando à redução dos custos de produção (troca do trabalho morto, das máquinas, por trabalho vivo, assalariado); assim, reduz ainda mais a capacidade de consumo global, pois isso leva ao aumento do desemprego estrutural.
O capitalismo não é somente segregacionista e ecologicamente predatório, mas também paradoxal, conforme hoje se observa na China.
Se houver uma vida extracorpórea, Marx deve estar regozijando-se ao constatar o acerto de suas previsões, feitas há 158 anos. Mas, talvez ele não possa ter tal prazer materializado, segundo seus próprios convencimentos.
Quem diria que, 67 anos após a tomada do poder pelos comunistas liderados por Mao Tsé-Tung – tornando-se não só o país comunista mais populoso do mundo, como também uma pretensa antítese do modelo capitalista –, a China se metamorfosearia no maior exportador de mercadorias e uma das mais poderosas economias capitalistas do planeta?! E que, no século XXI, estaria solapando o capitalismo, ao invés de derrubá-lo pela via armada (por meio da qual o próprio Mao conquistou o poder)?
O modelo marxista-leninista chinês se transformou no seu aparente oposto comunista, ou seja, num país capitalista que faz estragos no capitalismo ao adotar a lógica capitalista mais exacerbada, com mão-de-obra de baixa remuneração e uso de alta tecnologia. A China, assim como os outros países que fizeram a revolução comunista e implantaram o modelo estatizante de propriedade dos meios de produção, não abandou a primeira condição capitalista (que é a produção de mercadorias) e, como consequência, as demais categorias do universo da forma-valor; todos tiveram de, posteriormente, franquear a sua economia à produção privada.
Costuma-se acreditar que mercadoria seja sinônimo de objeto; então, um objeto qualquer, capaz de satisfazer necessidades humanas (uma roupa, um alimento, uma casa, etc.), é considerado, natural mas equivocadamente, uma mercadoria.
Um objeto qualquer, com capacidade de uso, é apenas um objeto. Mas, quando esse mesmo objeto é passível de uma mensuração numérica na troca por outro objeto, em moeda ou no simples escambo, aí ao valor de uso vem acrescentar-se um valor de troca, quantificação puramente abstrata. Passa, então, a ser uma mercadoria, tornando-se uma riqueza abstrata.
A exemplo dos demais países ditos comunistas, a China optou por preservar, como relação social fundamental, a produção de mercadorias, na qual se explora a mais-valia do trabalhador (que pode se operar pelo estado ou pelo empresário privado), única fonte de existência e reprodução possível do valor.
Passou inicialmente a ser apenas um modelo capitalista politicamente fechado em suas fronteiras ante o comércio internacional, como forma de proteção contra a concorrência de países industrialmente desenvolvidos. Mudou-se a forma política de administração estatal do capital, mas o capitalismo em si continuou existindo.
A China comunista marxista-leninista era capitalista na essência e, ao abrir-se para o mercado internacional quando atingiu níveis de competitividade mercadológica, tornou-se um híbrido de economia liberal de mercado e modelo político fechado, regido por um partido comunista de cúpula. Nesse sentido a China sempre foi capitalista.
Será que o camarada Mao sabia disto?
Alguns países do 3º mundo estão passando por um período de relativa expansão econômica, com a China e Índia à frente. Ambos concentram quase 40% da população mundial, pois totalizam cerca de 2,5 bilhões de habitantes. Têm renda per capita baixa e oferecem mão-de-obra barata, adicionada à alta tecnologia que lhes é introduzida pelos produtores de mercadorias privados e estatais que se instalam no seu interior, favorecidos com subsídios fiscais.
Na economia globalizada, convém aos grandes produtores industriais abandonarem seus países de origem para produzir no 3º mundo. Esta é uma consequência lógica e inevitável da concorrência de mercado, pois o baixo valor do trabalho abstrato, aliado ao sofisticado uso da tecnologia, é fator decisivo na luta para superar os competidores.
Entretanto, o crescimento do PIB chinês de 6,9% no ano de 2015, em contraposição ao PIB global em patamares bem menores, antes de significar uma expansão capitalista, é justamente o seu contrário, pois provoca decréscimo da massa global de produção de valor e da massa global de extração de mais-valia, causando um terremoto nas finanças mundiais.
Daí os políticos neoconservadores como Donald Trump, já estarem defendendo abertamente a adoção de barreiras alfandegárias como forma de manutenção do nível de emprego e produção de valor nos EUA, na contramão da globalização capitalista; esta é a prova de que o neoliberalismo é tão keynesiano quanto os esquerdistas que se instalam no poder quando ocorre o agravamento da crise capitalista. O Estado é sempre o mecanismo capitalista de controle da economia, dependendo, para sua sustentação, dos impostos pagos pela maioria substancial do povo.
As mercadorias chinesas invadem o mundo com seus preços baixos, provocando uma fissura de morte em todo o sistema de irrigação monetária mundial, pois daí advêm:
- desemprego estrutural;
- progressiva falência dos setores industrial, financeiro, agrícola e de serviços;
- e, por fim, falência do próprio Estado, que se endivida e se obriga à emissão inflacionária de moeda sem lastro para financiamento desse processo falimentar.
O mundo capitalista entra em rota de colisão com o limite interno destrutivo e autodestrutivo da forma-valor e a China, com seu corredor de exportação de mão única, acumula reservas cambiais sem lastro e cresce como um rabo de cavalo, para baixo! (por Dalton Rosado)
5 comentários:
Qual foi a principal premissa de Karl Marx para a implantação efetiva do socialismo? Em nenhuma das vitoriosos revoluções "comunistas" ela esteve presente. A China de hoje e a União Soviética da década de 1950 chegaram ao estágio mais próximo.
A realidade histórica contradiz o teu artigo. Pouco após o fim da guerra civil, praticamente ao mesmo tempo do nascimento oficial da URSS, o próprio Lenin criou a Nova Política Econômica, o nome que então deu ao gato de Deng.
O capitalismo da ditadura civil-militar chinesa foi o que transformou o país na primeira potência econômica e industrial do planeta (esqueças o câmbio, vamos considerar a paridade de poder de compra). A sua crise, tão propalada, nada mais é que a realidade. Ao crescer 12% em um ano, sobre uma base PPC de US$ 8 trilhões, temos cerca de US$ 1 trilhão. Quando a base chega aos US$ 19 trilhões, 6% de crescimento significam quase US$ 1,2 trilhão. É matemática, nada mais do que ela. Mais um exemplo de como jornalista é ruim com números. Após o final do segundo grau fogem deles? Nem mesmo os "especialistas" em economia, nas redações, possuem o menor conhecimento de grandezas.
O endividamento chinês é muito diferente do ocidental periférico e até mesmo dos países centrais. Pelo seu poderio militar ninguém irá cobrar à sua porta, no caso dos credores externos. A grande maioria dos poupadores internos o fazem para garantir a velhice, uma substituição ao sistema previdenciário. Nada como retomar os programas de Bismarck, que visavam enfraquecer os sociais-democratas da época: previdência social pública e universal. O estoque da dívida deixa de possuir liquidez imediata e será pago ao longo de décadas, muitos receberão a primeira parcela de devolução ao chegarem aos 65 ou 70 anos.Com algum descontentamento, mas não ira causar um caos irremediável. A alegria dos filhos ao terem retirados dos seus ombros o sustento dos pais na velhice...
Quanto aos "conjuntos habitacionais" desocupados? Todos eles foram financiados por bancos do Estado... os mesmos que farão os pagamentos dessa futura previdência... a margem de manobra de uma ditadura que controla o sistema financeiro é muito superior a dos demais países. Os números apenas mudam de colunas. Não penses na dívida interna chinesa com a mesma perspectiva para as dos governos controlados pela banca. É total e absolutamente diferente. Se quiserem fazer são mudanças que impactarão positivamente, de imediato, cerca de 30% da população e indiferente para quase a metade. O quinto restante é manejável após o impacto inicial. Não esquecendo que o tremor interno transfere-se para o resto do mundo, que possui menos instrumentos para enfrentá-lo. Para os credores externos, pendurados na brocha, podem ser despejados os bytes sem lastro da Federal Reserve, com a turma precisando fazer caixa será uma corrida ao guichê... e uma consequente elevação da prime rate numa economia patinando (o crescimento apresentado pelos EUA é basicamente a reativação das bolhas).
Retornando ao velho barbudo, a implantação do socialismo só pode ocorrer com sucesso nas sociedades capitalistas avançadas. Coisa que não existia em 1917, 1948, 1949, 1950 e 1959. Não importa a cor do gato, desde que cace os ratos... sempre imaginei um gato com aparência de mestra shaolin, cantarolando Avante, avante, avante... miamos em direção ao sol, sobre nossa grande pátria mãe... Tudo bem que os incentivadores do musical original não eram amigos do Xiaoping, mas... no fim eles que ficaram de quatro.
P.S. Dalton, tem uma turma no Brasil, aquela que faz o milagre da transubstanciação da própria saliva em sêmen de marine, que diz: Menos Marx e mais Mises (Não que eu goste de Marx, porém detesto ainda mais o Ludwig pagando bem que mal tem Mises). Para o Rosado periodista eu digo: menos mídia corporativa e mais analistas internacionais independentes...
RESPOSTA ENVIADA POR E-MAIL PELO DALTON ROSADO:
Caro Jorge Nogueira Rebolla,
primeiramente quero enfatizar que não defendo nenhuma posição corporativista, e nem sou dono da verdade, razão pela qual tento sempre pinçar argumentos corretos que possam contraditar o que penso de modo a rever os meus próprios conceitos. Afinal, não há verdade absoluta. Não defendo posições por vaidade intelectual, mas pela busca de soluções para uma população mundial milenarmente escravizada, e se elas estão fora do meu pensar, eu estarei pronto para aceitá-las com a maior felicidade e facilidade.
Analisando os seus argumentos detidamente verifico que você parte de algumas premissas corretas (e outras incorretas) para conclusões erradas, se não, vejamos:
1. É evidente que em maiores grandezas as percentagens sobre elas incidentes (ainda que menores) resultam em números absolutos maiores. Assim, os 6,9% de PIB chinês em 2016 (números relativos) podem ser iguais ou até maiores em números absolutos do que 11,7% (números relativos) em 2007. Mas, essa queda percentual observada apenas indica que a expansão do capital tem limites ditados pela capacidade de consumo (uma obviedade) apontando para um momento futuro em que tal percentagem tende a zero, e aí é o momento em que o crescimento do capital fica estagnado e conspira contra ele próprio e morre (o capital, tal como a velocidade de uma bicicleta que a mantêm de pé, precisa da impossível velocidade constante e regular de aumento).
Esse conceito elaborado pela crítica marxiana do valor está evidenciado nos números da economia mundial e chinesa, que estão agora conectados pela globalização. Assim, antes de admitirmos que a realidade histórica, contradiz os meus artigos embasados na crítica marxiana da economia política, ela está a confirmar os meus argumentos.
2. A China, sem o querer, está realmente solapando o capitalismo, na medida em que toma grandes fatias de mercado com suas mercadorias de baixo valor reduzindo a massa global de valor e mais valia mundial, sem a qual não pode ocorrer a irrigação da economia mundial. Essa é a gênese mor do estrago causado pela China mundo afora. No Brasil muitos produtos importados provocam o fechamento de fábricas brasileiras que produzem valor, e estimula o comércio (que apenas transfere valor já existente), mas tal fenômeno, depressivo economicamente, é muito maior nas economias desenvolvidas.
3. Mas como tudo em economia, o fenômeno capitalista chinês tem lá seus calcanhares de Aquiles, e não são poucos. O primeiro deles é que as suas reservas cambiais em dólares americanos (moeda internacional) resultante do corredor de exportação de mão única, deverá ir para o espaço assim que se evidenciar a inconsistência da moeda americana sem lastro, e provocará a maior hecatombe financeira da história do capitalismo. É por isso que os chineses já querem discutir a questão da moeda internacional. Mas, paradoxalmente, se os Estados Unidos deixarem de comprar os produtos chineses com seus dólares poderes (seu maior comprador) a indústria chinesa cai em queda livre. O capitalismo é mesmo a contradição em processo, como afirma Marx.
4. A desaceleração do crescimento industrial chinês já está causando problemas para uma população outrora rural que foi impelida compulsoriamente para uma vida urbana e que agora já enfrenta o fantasma do desemprego. É graças a isso que cidades como Huaming, estão se transformando em guetos de desempregados sem perspectivas, causa de taxas crescentes de suicídios (pessoas que pulam das sacadas de suas casas; tomam pesticidas; deitam em trilhos de trens, etc.).
================= continua =================
================= continuação da resposta do Dalton ao Rebolla=================
5. A inadimplência da dívida chinesa, diferentemente do que você afirma, não é coisa de pouca monta. O capital fictício (Marx) quando emprestado pelo estado ou por particulares precisa voltar acrescido, sob pena de deixar de existir e se evaporar como fumaça. Ora, sem capital o capitalismo não funciona. Não é questão de qual o credor que vai cobrá-lo, nem de como, mas de sua própria disfunção causada pela inadimplência.
6. Lenin e Mao fecharam as suas fronteiras contra a concorrência internacional dos países desenvolvidos de modo a que pudessem tirar os seus países do atraso milenar das monarquias feudais dos czares e mandarins. Ao invés de uma revolução comunista, fizeram uma revolução capitalista estatizante. Nesse sentido obtiveram sucessos iniciais, pois o capitalismo é capaz de promover um crescimento civilizacional, ainda que predatório (tal como a guerra, sua filha predileta, que promove avanços tecnológicos a custa do genocídio), e isso ocorreu na Rússia e na China. Mas atingido determinado estágio de crescimento, esses países esbarraram numa mesma e velha questão do limite de expansão e tiveram que abrir as suas portas para o mercado internacional. A queda do muro de Berlim, antes de significar a vitória do capitalismo, significou a queda da última barreira expansionista, prenunciando a sua inviabilidade completa como modo de mediação social. É o oposto do que pareceu ser.
A China, a Índia e a Indonésia (vizinhos), que juntos correspondem a quase metade da população mundial têm sido fator de explicitação das contradições do capitalismo e do agravamento do seu caminhar rumo ao crash internacional.
Esses são alguns pontos que servem de contra-argumentos aos questionamentos que você levantou.
Agradeço muito a oportunidade que você provoca no debate com suas observações, pois somente com o confronto da teoria com a empiria da vida social é que podemos chegar a conclusões que nos livrem do caos instalado mundialmente pelo capitalismo e que se prenuncia como tenebroso em termos de futuro caso não seja superado conscientemente.
Dalton Rosado
Obs.: no item 3 da resposta do Dalton Rosado ao Jorge Rebolla, penúltima linha, onde está "dólares poderes" leia-se "dólares podres".
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