sexta-feira, 2 de setembro de 2016

JOHN LENNON, CAYMMI, DUNGA, HITLER E O DESPOTISMO DO PODER

"Pobre de quem acredita na glória 
e no dinheiro para ser feliz" 
(Saudade da Bahia, Dorival Caymmi)
A história está cheia de registros biográficos de pessoas que destruíram muitas outras e foram destruídas pelo poder, seja ele sob a forma de comando político ou econômico. O poder é destrutivo e autodestrutivo (Hitler se constitui num exemplo clássico). 

Podemos incluir nesse rol o perigo representado pela vaidade que pode ser gerada pelo aplauso, porque ele é fruto do julgamento circunstancial numa determinada situação, significando que poderá se converter em vaia caso se inverta o senso de julgamento do fato ou da circunstância geradora daquele aplauso anterior; ou, o que é ainda pior, se converter-se em completo desprezo. 

A vaidade sedimentada pelo aplauso pode causar dor pela lâmina afiada da repulsa ou do ostracismo que corta a carne daqueles que têm os egos inflados. A afirmação amarga do poeta paraibano Augusto dos Anjos, “a mão que afaga é a mesma que apedreja”, infelizmente, procede.

Começo este artigo de forma um tanto down para combater o poder (principalmente) e a vaidade por ele causada, ao mesmo tempo que exalto as virtudes do anonimato característico do homem comum, que deve ser artífice do êxito coletivo (ainda que se lhe empreste reconhecimento por mérito) em contraposição ao caráter despótico e sórdido de todo poder e da vaidade de quem o exerce. O bom jornalista literário americano Gay Talese encontra mais significado nos atos e ações dos anônimos do que no artificialismo dos poderosos e famosos.

A simbologia metafórica da frase de John Lennon, “um rei sempre acaba morto por seus súditos”, foi verdadeira para ele mesmo, e o é também como constatação do caráter controverso do poder. Lennon andou bem ao devolver com muita convicção e como fruto do seu amadurecimento pessoal a medalha que lhe fora outorgada pela MBE (Most Excellent Order of the British Empire), pois esta coisa de membro de império não caía muito bem para o autor de Imagine, cuja antológica letra pode ser apreciada, com tradução impecável, no vídeo abaixo:
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Tudo que foge da normalidade pode causar admiração ou repulsas exageradas, sendo o poder a maior fonte de tais distorções. 

E até o genial John Lennon tinha lá os seus equívocos quanto a esta questão. A sua bela e bem intencionada música panfletária Power to the people, que exorta o povo a assumir o poder, tem um pecado fundamental: institucionaliza o poder. 

Mas inexiste poder horizontalizado, posto que a ideia de poder, em si, já é vertical, pois implica um comando que separa quem manda de quem obedece. Impõe-se, portanto, a conclusão de que a intenção de outorgar poder ao povo é ingênua e perigosamente equivocada, pela deficiência contida no seu pressuposto original. 
Não se deve confundir a delegação de funções sociais dentro de qualquer estrutura funcional, na qual as peças têm funções diversas, com uma estrutura de poder político, que é algo absolutamente nocivo à vida social, terminando sempre por ser causa das grandes tragédias humanas, qualquer que seja a intenção original do mandatário.

Um técnico de futebol, p. ex., tem a função de verificar quem melhor contribui para otimizar o desempenho de sua equipe, devendo, dentro de sua competência funcional específica, efetuar substituições cujo objetivo comum é a obtenção da vitória, a qual não deve ser confundida com o conceito poder, lato sensu, até porque, se ele for um Dunga da vida e substituir mal, acabará perdendo o emprego e alguém mais competente, como o Tite, vai assumir a mesma função, naturalmente e sem provocar comoção. A descentralização do mando significa que os prejuízos eventualmente advindos da má administração não têm o condão de causar efeitos catastróficos e estruturais.

Quando se substitui a ideia de poder por funções de competência dentro de uma engrenagem horizontal cujo objeto é virtuoso, não se está falando de poder. Uma sociedade sem privilégios sociais de castas ou classes deverá delegar funções específicas para cada atividade dentro do desiderato comum de se prover da melhor forma possível o sustento justo e a felicidade dos indivíduos sociais, com as necessárias e cotidianas substituições que melhor se ajustem ao desiderato comum, e sempre de modo coletivo e consensual.  

Para que se distribuam competências funcionais numa engrenagem social funcional na qual sintamos o exercício e a busca permanente da justiça, há que se ter um pressuposto básico: uma sociedade sem explorados e exploradores, na qual as disparidades de privilégios materiais e morais sejam eliminadas pelo próprio modus faciendi social, a partir da adoção de práticas tais que qualquer ato de injustiça passe a nos cause indignação ativa, corroborada por uma legislação na qual o direito se aproxime da realização do ideal de justiça.

Infelizmente, nas sociedades do poder, tudo conspira contra essa última forma social de vida.

Para terminar, nada melhor do que outra pérola musical de John Lennon, cujo refrão, "tudo que dizemos é/ dê uma chance à paz", serve também como nossa mensagem final. (por Dalton Rosado)

3 comentários:

Emilio Antunes disse...

Muitas frases edificantes foram citadas no artigo. No entanto, ninguém foi mais profético do que Barão de Itararé, jornalista Aparício Torelly, que disse no passado: "Se queres conhecer o Inácio coloca-o num palácio".

Devido a um Inácio instalado no palácio, que ficou deslumbrado pelos aplausos e desejoso de voltar ao poder indicou, batalhou, não deu ouvido ás advertências, e colocou uma pessoa despreparada, sem carisma,sem expressividade, sem traquejo político e ainda arrogante para sucedê-lo e dirigir a nação. Não queria um sucessor [a] que lhe ofuscasse o brilho.

E estamos nessa com um bando de corruptos no governo federal por culpa exclusiva do Inácio e da sua medíocre sucessora

As vaias dos mesmos que o aplaudiram não demorarão para o Inácio.

celsolungaretti disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
celsolungaretti disse...

O DALTON ROSADO ACABA DE ENVIAR POR E-MAIL ESTA RESPOSTA, EM SUBSTITUIÇÃO À QUE HAVIA ENVIADO ANTERIORMENTE E ESTAVA ACIMA PUBLICADA:

Caro Emílio Antunes,

O Brasil é mesmo o país do tropicalismo tragicômico. Aqui de tudo acontece de ruim (mais) e de bom (menos) em meio a uma esfuziante alegria carnavalesca:

* um movimento golpista militar em 1930 empossa o candidato derrotado nas urnas, Getúlio Vargas, para 24 anos depois ser levado ao suicídio pelos próprios militares;

* o presidente do partido da ditadura militar, o PDS, José Sarney, de uma hora para outra se torna presidente do País após a queda da própria ditadura, e pelo partido adversário (PMDB);

* durante 30 anos (1935 a 1965) um político egresso do partido comunista, e com nome em homenagem a Karl Max (Carlos) e Friedrich Engels (Frederico) se torna um anticomunista ferrenho (Carlos Lacerda) e conspirador nato em favor do capitalismo internacional como forma de chegar ao poder e é abandonado por seus aliados militares anticomunistas após o golpe;

* um baluarte da campanha das diretas-já, o amortecedor de crises Tancredo Neves, conspira nos bastidores para derrotar a emenda Dante de Oliveira que visava restaurar as eleições diretas para ser eleito no colégio eleitoral;

* o Partido dos Trabalhadores, com bandeira vermelha, estrela do socialismo e tudo, ao chegar à Presidência da República, nomeia o executivo-mor dos banqueiros Rockfellers, Henrique Meireles, para cuidar do dinheiro, no Banco Central;

* um “socialista” é considerado como sendo “o cara” por um Presidente americano;

* quando tudo leva a crer que no futebol tínhamos atingido o fundo poço no futebol, eis que ganhamos a primeira medalha de ouro olímpica nesse esporte e agora se diz que já temos uma seleção capaz de ganhar a Copa do Mundo de 2018 na Rússia;

* e por ai vai...

O grande jornalista Aparício Torelly intitulou-se Barão de Itararé, numa sátira à tragédia anunciada do confronto na revolução de 30 em Itararé (divisa do Paraná com São Paulo), entre o movimento tenentista de Getúlio Vargas contra as forças da república velha, de Washington Luiz, que terminou em pizza, num acordo por cima, que atendeu aos interesses de todos.

Disse ele: “Fizeram acordos. O Bergamini pulou em cima da prefeitura do Rio, outro companheiro que nem revolucionário era ficou com os Correios e Telégrafos, outros patriotas menores foram exercer o seu patriotismo a tantos por mês em cargos de mando e desmando… e eu fiquei chupando o dedo. Foi então que resolvi conceder a mim mesmo uma carta de nobreza. Se eu fosse esperar que alguém me reconhecesse o mérito, não arranjava nada. Então passei a Barão de Itararé, em homenagem à batalha que não houve”.

Nada melhor do que a sátira humorística para desconstruir a sisudez da empáfia autoritária com a qual se tenta dar ares de seriedade e boas intenções à tragédia brasileira.

Um abraço, Dalton Rosado.

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