"Não podemos ter raiva do lucro"
(João Otávio de Noronha, ministro do
STJ e corregedor nacional de Justiça)
Nas sociedades mercantis, diferentemente daquilo que muitos pensam, o Estado não é uma esfera soberana (e, muito menos, neutra!); trata-se, isto sim, da esfera de regulamentação e manutenção de um modo de ser social mercantil previamente estabelecido e do qual é cria dependente.
O poder Judiciário é parte indissociável do Estado e cumpre as funções para as quais o dito cujo existe, ou seja, visa preservar o estímulo ao desenvolvimento econômico, que nada mais é do que a obtenção do lucro, somente concretizada com a apropriação indébita do trabalho de quem produz valor (uma injustiça em si).
Não é uma esfera autônoma e soberana, mas o cutelo de uma ordem jurídico-institucional opressora. Lato sensu, o poder Judiciário, nas sociedades mercantis, é a força de execução de uma coerção sistêmica e, neste sentido, constitui-se em instrumento de realização da injustiça.
Toda a máquina administrativa do Estado é sustentada pelas atividades econômicas via impostos, razão pela qual tem como função precípua a manutenção e o estímulo ao desenvolvimento econômico. Assim, o Estado e suas instituições básicas (os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário) atuam em defesa da lógica mercantil, que é a que determina os seus comportamentos; a política, sendo um segmento de legitimação de acesso às instâncias do Executivo e Legislativo, é parte desse moinho satânico chamado relação social capitalista.
Ambas as esferas, Estado e política, são submissos à ordem econômica. O pensar político, aparentemente soberano, está adstrito à lógica mercantil que também o subvenciona; está, portanto, aprisionado pelos seus limites opressivos.
Ao poder Judiciário, enquanto instância estatal, cabe a aplicação das normas advindas da lógica mercantil, as quais, por sua vez, são legiferadas por outra instância estatal, o poder Legislativo. Assim, antes de obedecer à soberana busca da realização do ideal de justiça, prioriza a manutenção do status quo mercantil e jamais pode negar a função de tentar prover o cambaleante equilíbrio mercantil, que ora se vê ameaçado.
Por esta razão, o poder Judiciário, nas sociedades burguesas, mesmo quando quer dar um sentido humanista à aplicação da lei nos conflitos submetidos à sua apreciação jurisdicional, principalmente àqueles de alta indagação, se vê obrigado a atender ao imperioso ditame da lógica mercantil.
Nas questões de pequena monta, que envolvem litígios entre particulares ricos contra particulares pobres, o poder Judiciário está também adstrito aos rigores da lei burguesa, tal qual Pilatos no credo, uma vez que a lei mercantil protege a acumulação da riqueza abstrata sob a forma de propriedade, outorgando ao seu detentor, direitos que afrontam o mais elementar sentido de justiça.
Pior: é difícil para as camadas pobres da população o acesso competente à Justiça quando tentam defender seus míseros direitos, na maioria das vezes com tais postulações desembocando nas Defensorias Públicas, assoberbadas de processos. Se a lógica mercantil é intrinsecamente injusta, a lei, dela derivada, não pode ser justa, e a sua aplicação pelo judiciário obedece ao mesmo critério.
É evidente que, quando há corrupção no Judiciário (consubstanciada no tráfico de influência ou no suborno financeiro, subprodutos sistêmicos), o problema se agrava para o próprio sistema, que vê enfraquecidos os cânones jurídicos que lhe dão sustentação. O que o Poder Judiciário tem como função precípua é a preservação funcional da corrupção original sistêmica traduzida como apropriação indébita do valor produzido pelo trabalho abstrato e a cobrança de impostos, base de seu próprio financiamento (tudo isso admitido como justo e necessário...).
A superação da lógica mercantil, que num futuro breve impor-se-á, vai exigir cânones legais e processuais que sejam consentâneos com a realização do ideal de justiça.
A CORRUPÇÃO NO PODER JUDICIÁRIO
O quadro atual é semelhante ao do sistema feudal, Se então o direito legalizava a escravidão humana (seja a dos servos da Idade Média, seja a escravidão direta dos negros trazidos da África para as Américas), no sistema capitalista se processa a legalização e legitimação de um roubo executado de forma mais sofisticada: a extração da mais-valia do trabalhador, mediante a introdução generalizada do trabalho abstrato, produtor de mercadorias, tanto no sistema liberal burguês quanto no sistema marxista convencional.
Em nossos escritos sempre enfatizamos que todo o processo de reprodução do valor se dá a partir da apropriação indébita do tempo de trabalho abstrato. Assim, em tal sistema, todo o Direito, entendido como jus (norma legiferada), está assentado e dá sustentação a um critério de relação social no qual predomina a negação do Direito, se este for considerado como o fas, que é o ideal de realização da Justiça.
Ora, num sistema que se funda na apropriação indébita de trabalho abstrato como fonte indispensável da sua existência, e no qual a lei legitima a acumulação da riqueza abstrata obtida a partir deste critério injusto, a injustiça, nos seus amplos aspectos, é ratificada pela lei; e o poder Judiciário, como seu instrumento de execução, nada mais é do que a força coercitiva de tal sistema, por mais que se propale a necessidade de sua humanização.
Destarte, o sistema capitalista não precisa da corrupção econômica do Judiciário, porque é a própria lei quem legitima sua injustiça social, sendo a corrupção neste órgão institucional um subproduto que apenas decompõe a sua negativa essência ontológica, como dissemos.
Não é, portanto, do interesse do sistema que haja corrupção econômica no Judiciário (embora exista), tanto que se criou no Brasil o Conselho Nacional de Justiça, órgão com participação de entes de diversos segmentos da institucionalidade, que tem procurado combater a corrupção no Judiciário e na questionável ordem da legalidade capitalista.
Mas, a corrupção não se limita à obtenção indevida de vantagens pecuniárias (que existe) ou de vantagens corporativas (que também existe); ela se dá, igualmente, do ponto de vista ideológico, já que por trás de cada juiz existe um homem com suas convicções interpretativas da lei. Um determinado fato, como as mortes de 111 presos no Carandiru, amotinados mas desarmados, sem que tivesse morrido um único dos seus assassinos, pode ser considerado como legítima defesa, dependendo do ponto de vista faccioso de um julgador.
Por Dalton Rosado |
Não há ditadura pior do que aquela legitimada pela lei e corroborada pelo crivo jurisdicional de uma interpretação ideológica facciosa. Meritíssima é a sociedade, e não aqueles que se julgam acima dela.
A impunidade do massacre do Carandiru que o diga!
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