sábado, 21 de maio de 2016

UMA CONVERSA IMAGINÁRIA DE HENRIQUE MEIRELLES...

...COM SEU AMIGO CONFIÁVEL E CRÍTICO
 TOLERANTE, JACINTO BOTELHO PINTO.
Num dia de domingo, em sua casa, após um almoço familiar, entre um cafezinho e outro, ocorreu um diálogo franco de Henrique Meirelles com um velho amigo. 

Como nele tivesse total confiança, Meirelles permitiu-lhe formular algumas perguntas que, numa entrevista destinada ao público em geral, jamais poderiam ter sido feitas, e muito menos respondidas. 

Seu amigo perguntou-lhe se ele acreditava mesmo que o capitalismo podia trazer felicidade às pessoas. Como capitalista convicto que é, e confiando na intimidade do lar que lhe conferia o direito de dizer coisas que o mais recôndito e sincero espaço de sua consciência permite, ele respondeu que o capitalismo ainda era a melhor forma de controle daquilo que considerava a essência ainda selvagem da natureza humana. Uma espécie de mal necessário. A partir daí o diálogo se desenvolveu. 

Disse ele ao amigo: o capitalismo cria critérios impessoais de distribuição da riqueza, pois se baseia no mérito das pessoas em produzir, ao mesmo tempo em que estimula a vontade de obtenção de bens materiais representados pela riqueza abstrata (dinheiro e mercadorias), e isso alavancou e alavanca o processo civilizatório. Por que você acha que nos últimos cinco séculos nós saímos de uma produção agrária rudimentar para a engenharia genética, a robotização, a cibernética, a comunicação visual instantânea via satélite, a conquista do espaço sideral, etc., etc., etc.? 

Diante dessas considerações o amigo redarguiu: mas será que todos esses avanços inegáveis representam de fato um desenvolvimento civilizatório? Não seria uma forma de aprisionar o indivíduo social num espetáculo no qual ele é mero espectador passivo, sem ter acesso pleno aos avanços civilizatórios? 

Não será o avanço tecnológico da produção justamente aquilo que está a inviabilizar uma forma de produção baseada no caráter autotélico e sem sentido de se ganhar dinheiro para ganhar mais dinheiro ilimitadamente, e demonstrar a sua irracionalidade? Ou isso tem um ponto limite? 

Ou, mais diretamente, você acha mesmo que o capitalismo pode se expandir eternamente, sem destruir a si próprio e à humanidade? E o que dizer do retrocesso civilizatório representado por uma concepção de luta fundamentalista como a do Estado Islâmico, do Boko Haram, da Al Qaeda? O que dizer do crescimento do crime organizado, principalmente das máfias dos cartéis de drogas, e do aumento da violência urbana, das quais os que podem se protegem atrás de cercas, muros altos, aparelhos de filmagens, guarda particular armada, tornando a todos nós prisioneiros assustados? Qual o significado social daquela cerca elétrica que você mandou instalar em cima do muro? Que dizer do aumento da fome do mundo denunciado pela sua insuspeita ONU através de seu organismo multilateral FAO (Food and Agriculture Organization)?

Meirelles interrompeu dizendo: espera aí. Essas mazelas não são causadas pelo capitalismo, mas por uma ação incompetente e corrupta de governos e pessoas que querem tirar vantagens por baixo da mesa, ou seja, conspirar contra a legalizada e próspera produção de riqueza abstrata capitalista que ocorre por cima da mesa.

Essa gente distorce as regras isonômicas do capitalismo nas quais qualquer um pode ficar rico desde que trabalhe e aceite as regras do jogo, sem discriminação racial ou social. Você não acha que, sob o capitalismo, o sol nasce para todos? Que quem tem mais capacidade e trabalha colhe os frutos do seu esforço, legitimamente? Que o capitalismo é a sociedade da meritocracia, na qual se premia a quem contribui proporcionalmente?

Disse Jacinto: mas, meu querido, Meirelles, o que é que você diz aos milhares de homens e mulheres aptos ao trabalho e que hoje padecem nas enormes filas das agências de desemprego, ou nos anúncios de concursos públicos, desejosos de obterem o trabalho que o capitalismo lhes nega? Será que para esses, os avanços tecnológicos do capitalismo, como você denomina, são acessíveis? Como fica a família desses indivíduos sociais que estão à espera de um trabalho que possa resultar num salário capaz de prover o sustento familiar? Será que todos esses podem ficar ricos, ou, pelo menos, viver dignamente?

Mas Jacinto, nós estamos trabalhando justamente para eliminar esse déficit de empregos que não fomos nós que criamos, e queremos fazer isso através da retomada do crescimento, ainda que os remédios sejam amargos, ou você não acredita que isso seja possível?

Quer saber Meirelles, o desemprego é um problema estrutural, e não é culpa de ninguém pessoalmente, mas da lógica de um sistema de produção de mercadorias que você acredita ser a única forma de relação social possível. Acho mesmo que vocês não vão resolver o problema, pois dele vocês são parte. 

Vocês acreditam que a produção de mercadorias é única forma de vida possível, mas estão enganados. Você acha, por exemplo, que as belas índias que assistiram perplexas à chegada de Pedro Álvares Cabral e sua frota de navios no litoral da Bahia, há somente 516 anos, e descritas por Pero Vaz de Caminha, como figuras esbeltas e com suas vergonhas de fora, produziam mercadorias e sabiam o que era dinheiro (e, por isso, mesmo trocavam espelho por ouro)? 

Calcula-se que no território brasileiro vivam cerca de 5 milhões de pessoas e nenhuma delas produzia mercadorias, e elas sequer conheciam os apetrechos da civilização e detinham o domínio do saber que em muito lhes facilitaria a vida. Caramuru que o diga. 

Nesse momento, e vendo que a discussão estava tomando um rumo acalorado e desfavorável aos seus argumentos, Meirelles, propôs que eles fossem fazer a sesta do almoço. A empregada que a tudo assistia sem compreender muito, mas gostando da contestação à empáfia de Meirelles por parte de Jacinto, aproximou-se e preguntou se não queriam um novo cafezinho, desejosa de que a discussão continuasse. 

Mas eles pararam por ali, pois, afinal, jamais se convenceriam mutuamente, pois não se convence a quem não quer ser convencido. Os amigos foram dormir nas redes postas na varanda e cada um sonhou com as suas próprias quimeras.

Enquanto isso entra cada vez mais em ebulição a fervura das contradições sociais que devem provocar graves desfechos sociais na conjuntura mundial nos dias que virão. (por Dalton Rosado)

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