terça-feira, 9 de junho de 2015

A NOIVA (uma crônica emocionada e emocionante de Apóllo Natali)

A menininha
Chegue bem perto do berçário desta maternidade. Estique a vista. É menina!  A pele toda cor de rosa, quase vermelhinha. Lembra uma pitanga. 

Chamou-se Aline e agora ela já é noiva. Aluguei traje a rigor para ir ao seu casamento. Foi numa capela bem no alto da Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro. A uma capela se chega por uma vereda encantada e assim cheguei lá. 

Todos conhecem e amam o padre Navarro, da Capela Santo Cristo dos Milagres.  Ele dá um banho de amor nos noivos, nos pais, nos padrinhos, nos fiéis, até chegar ao sim, aceito

Foge de aplausos, parabéns, elogios. No fim da cerimônia escapa pelos fundos. Não dá tempo de agarrá-lo para um abraço, um agradecimento. Todo mundo quer casar em sua igrejinha. Há listas de espera dos noivos e demora anos para chegar a vez.

Não encontrei um título perfeito para os apontamentos vários que enfeixam esta historinha de amor, feita de momentos que não posso deixar de lembrar. Para quem quer um título, ele poderia ser A Noiva

Na montagem do tempo que passou, tenho comigo todos os momentos de Aline. A primeira choradeirinha. Os primeiros passos. A menininha. A mocinha. A mulher. Os olhares apaixonados trocados com o noivo que veio arrancá-la de nós. Bom menino, o Gabriel. 

A vida sequestra nossos filhos. Leva embora. A gente pisca e eles já estão adultos. No caso, a gente que pisca é o dr.Gustavo, psicanalista, pai de Gabriel, sua esposa, com um belo nome de ópera, Marta, e os pais de Aline, Elizabeth nome de rainha e Moacir. Há tempos mostrei ao Dr. Gustavo como fazer vinho caseiro, tinto, rosado, branco.

No convite está escrito: ao padrinho. Que sou eu! Batizei Aline na igreja São José do Maranhão, no Tatuapé, em São Paulo. O padre falou então sobre o mais antigo dos noivos, Adão e Eva. 
A menininha e o tio coruja

Para buscar o traje para o casamento na loja SóàRigor, caminhei seis quilômetros, três de ida, três de volta na Avenida Rebouças, trânsito parado dos dois lados. Ida e volta de São Paulo ao Rio, total de doze horas de viagem em ônibus à temperatura de 17 graus do ar condicionado. Neste nosso país tropical, 30 graus lá fora, precisei viajar com gorro de lã. Bendita viagem, bendita caminhada na Rebouças, aos 77 anos de idade. Nunca soube me vestir bem, mas agora eu vou é arrumadinho ao casamento da minha menininha pitanga. 

Em meio à manada louca de veículos, me ponho a rabiscar algumas lembranças de quando ela começou a engatinhar. Quero pegá-la no colo e ela foge ligeirinha, se arrasta aflitinha, de pijaminho, com gritinhos, para dentro dos móveis. Olha aquela carinha, ainda um pouco cor de rosa, no meu coração para sempre. Quando mamava, passava por cima da mãe para o lado direito, o esquerdo, para lá, para cá, o seio sempre esticado, preso à sua boquinha.

Desfilam rumo ao altar os pais, os padrinhos, puxa a procissão a linda menininha moreninha Karen, com as alianças.  Do quarteto de músicos do mezanino, ao fundo da capela, ressoam músicas medievais. Depois, a arrepiante ária da quarta corda, de Bach. E a imponente Marcha Nupcial, e lá vem ela, a Aline, entrando na igrejinha de 10 bancos de cada lado. 

Como uma aparição, a flutuar entre os bancos sagrados, também desfila a Aline menininha dos meus tempos, a minha Aline, meu Deus, a me sufocar de saudade naquele Alto da Boa Vista, com as lembranças das quedas no skate, na bicicleta, as idas à escolinha, a volta a pé de todo o quarteirão do Parque do Piqueri com ela no cangote. 

Ela no cangote na fila do cinema para assistir He Man.  Quero te levar de cavalinho para o altar, brinquei. Ela falou que se eu aguentasse, pode ser. Sou velho, não sou o He Man, mas sou forte. Aguento.

Não aguento, choro um choro quase soluços. E daí? Sou tio-avô da Aline. Obrigada que o tio veio ao casamento. Aline querida, não perderia essa por nada neste mundo. Se o tio não viesse, o tio não ia respirar mais.
"Me esperavam, Aline e o irmãozinho Yuri"

No cangote levei Aline passear no clube dos médicos, na Serra da Mantiqueira, em São Paulo. Como um anjinho, toda de branco, passa por debaixo dos enormes cavalos, que a olham enternecidamente de um lado para outro. No cangote levei Aline para ver jogo no Maracanã, assim a levava à pré-escola no Tatuapé, e para tomar injeção às vezes. 

Uma ocasião levei para sua casa balões coloridos de festa de aniversário. A gargalhadinha de felicidade, no meu colo, daquela bebezinha de menos de um ano de idade, da então bem pequenininha Aline, deu uma esmagadinha no meu coração, apertou.   

Até ela se mudar para Vitória e de lá para o Rio, aos 8 anos, eu passava pela casa dela todos os dias, a manhã inteira,  rumo ao trabalho. Me esperavam, Aline e o irmãozinho Yuri. Cada dia, me recebiam como em uma festa. Levaram um pedaço de mim que nunca mais tive de volta. O perfume da dama da noite do jardim me estufa o peito a vida inteira.

Aline está entrando na capela, dia 11 de setembro de 2013. Não entendo de vestido de noiva. O dela gostei porque não tem estofamentos nem cauda exagerados. Caminha de braço com o pai, o  Moacir. Entro em pânico. Falei meu Deus, me ajuda. Conversa com Deus que Ele ajuda, dizia minha mãe. O meu berreiro pertinho do altar tomara que não tenha saído nas fotos... 

Aline é uma noiva deslumbrante. O irmão dela, o Yuri, é aquele padrinho ao lado do altar com o rosto encharcado de lágrimas e também o menininho da foto no meio destas minhas anotações. 

Meu pensamento sai da capela e dispara para São Paulo. Aline e Yuri estão a passeio na minha Belina. Cruzamos a ponte sobre o rio Tietê, os dois gritando em tom de brincadeira tio-sai- do-riotio-sai- do-riotio-sai- do-rio
"Uma capela bem no alto da floresta da Tijuca"

Saio do rio e já estou de volta à capela. Com o padre Navarro não tem ritual. Quer,  persiste, insiste, em falar para a alma dos noivos, para o coração de todos, sobre a importância do amor em nossas vidas. Segura as mãos de Aline e Gabriel, abração neles, perguntas e mais perguntas a garimpar preciosidades de sinceridade e de amor que trazem de suas vidas para aquela grandiosa união. 

Grande padre Navarro! Se ele unisse em sua capela todos os casais da Terra, o mundo seria melhor. Divertido, um pouco irônico e parece até que meio desconfiado, se dirige aos pais e pergunta se cuidaram mesmo dos filhos noivos, se não os abandonaram alguma vez. Percebem como ele torna emocionante um casamento?

E o teu casamento, minha Aline, que lindo! A decoradora da Lumier Eventos, Arminda Antunes, e a cerimonialista Tamis Thierry, parece que adivinham o que  queremos para a tua festa. As meninas e os meninos que atendem e servem, umas jóias de simpatia e sorrisos. São como parentes dos noivos e convidados! Bravo!

Ouçam esta: no fim da cerimônia, procurei a noiva, porque quis procurar a noiva, porque eu quero abraçar a noiva, porque eu vou abraçar essa noiva agora! Eu estava nos primeiros bancos da capela e precisei esperar a lenta saída de todos. Afundei no salão de festas, nada de noiva. Você é o tio Apóllo? Estão te chamando para tirar fotos

No espaço gramado, luzes de máquinas e filmadoras iluminam Aline e Gabriel. Parti para cima. Não pode, disse-me uma menina, acho que a gentil e prestativa cerimonialista Tamis Therry.  Posso, sim, como não, disse eu, decidido. Riram. Abracei a Aline, entrei em transe de choro, consegui dizer Jesus te abençoe hoje e sempre. 

Fixei os olhos e o coração naquele rostinho amado que povoa meus dias na Terra. Sou um violino e a voz dela vai dedilhando as cordas do meu ser, executando melodias. Foi ela mesma, a noiva, a minha sobrinha-neta Aline, naquele momento para mim divino, que me ofertou o grande presente da minha vida. Cochichou-me ao ouvido: meu paizão. Quem aguenta? Dá-lhe choro.
"E o teu casamento, minha Aline, que lindo!"

São médicos os pais de Aline, a Dra. Elizabeth e o Dr. Moacir. Sempre enfiados em hospitais, médicos têm pouco tempo para os filhos. Paizão, eu? 

Lembranças me fazem ver desfilar no chão vermelho berrante da capela um publicitário que, com sua propaganda do Gelol, fez mais em favor da paternidade responsável neste mundo do que todas as Bíblias juntas, todos os profetas, todos os psicólogos, todas as varas da família, todos os tribunais, todas as palestras, todos os sermões. Pais deste planeta Terra, guardem essa mágica propaganda eternamente em seus corações: Não basta ser pai, é preciso participar. (Bravo!). Nada como um paizão. Com a presença e o afeto de um paizão temos munição para vencer o mundo.

Nunca tinha visto uma noiva nos brindar com tão alegre espetáculo numa festa de casamento. Como os noivos também são médicos, portanto foi uma drª Aline que dançou rock pesado com um dr. Gabriel! 

O DJ Gabriel, xará do noivo, tocou a música que fala ela não anda, ela desfila, e não é que ela desfilou mesmo? Delicadamente feminina, como uma competente modelo. Os volteios do vestido de noiva desenham figuras nunca vistas! Gabriel, o noivo, que já tinha tomado algumas, se desvencilha dos convidados, vem me abraçar, beija minha mão, fala eu sei que você é o segundo pai da Aline, eu sei.

Meu pensamento é uma peteca, para lá, para cá, veloz. Numa espalmada forte para São Paulo revi a cena dos pais dela, Elizabeth e Moacir, quando foram buscar o CRM. Aline tinha 7 meses. O leite materno vazava. Peguei a bebezinha no colo e saí da sala. Funcionárias fizeram uma roda. Aline se solta dos meus braços e sai correndo. Nossa, ela anda! – gritaram. Anda não, corre! Ela corre! Deu uma guinada no fim do corredor e desapareceu fazendo a curva saltitando só com o pezinho direito. A avó da Aline, a Ziza, andou com 6 meses. 

Meu pensamento de peteca está de volta para a Aline, ainda com 7 meses, vestidinho branco desarranjado pelo vento, cabelinhos loirinhos esvoaçantes, correndo entre as flores do jardim da Igreja São José do Maranhão. Que pintura de cena! Teve até público. As moças paravam para ver e rir.
"O amor jamais acaba"

Querem ver como o padre Navarro é só amor? Conclama aos casais e famílias a se amarem verdadeiramente. E se valeu das palavras do Apóstolo Paulo, o fim da picada para se saber o que é o amor verdadeiro, o amor em todas as suas manifestações, e exortou a todos a beijar cada dia de nossas vidas essa parte da Bíblia, I Corinthios, capítulo 13, versículos de 1 a 13, pelo menos na minha Bíblia traduzida pelo padre João Ferreira de Almeida. Portanto, o casamento da minha Aline com Gabriel foi abençoado com as eternas palavras de amor do Apóstolo Paulo, recitadas religiosamente pelo padre Navarro. Prestem atenção:
"E eu passo a mostrar-vos ainda um caminho sobremodo excelente: Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa, ou como o címbalo que retine. Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios e toda a ciência; ainda que eu tenha tamanha fé ao ponto de transportar montes, se não tiver amor, nada serei. E ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres, e ainda que entregue o meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me aproveitará.
O amor é paciente, é benigno, o amor não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece. Não se conduz inconvenientemente, não procura os seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal, não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais acaba".
Aline me pergunta: o tio vai gostar da minha filhinha como gosta de mim? Aline querida, Deus vai me dar 100 anos de vida para eu poder escrever a historinha do noivado e casamento da tua filhinha. 

O velho Anísio, avô do teu pai, era negro. Por causa dessa história de DNA, tua filhinha pode nascer escurinha. (Aline está cansada de ouvir de mim que a mulher da minha vida era escurinha. O padre Navarro nunca poderia nos casar, porque não deu noiva, ela não me quis). 

Aline, vou começar a escrever assim a história da tua filhinha: chegue bem perto do berçário dessa maternidade. Estique a vista. É menina! Toda escurinha, lembra um chocolatinho. Chamou-se Isabela. Agora ela é noiva. Vai casar na capela do Padre Navarro. A capela do Santo Cristo dos Milagres está lá , toda colorida, esperando por ela.  Toda vez que eu olhar para a tua filhinha, escurinha ou não, vou chorar de tanto que a amo, como sempre chorei e ainda choro quando olho para você, de tanto que este teu tio Apóllo te ama, Aline. A mesma coisa se for menino, chocolatinho ou não.

5 comentários:

Anônimo disse...

Rapaz, como não se emocionar lendo uma coisa destas ?
A vida vale a pena...vale muito a pena

Amigo, apesar de não aparecer por aqui nos comentários, sempre leio seus textos. São absolutamente necessários para oxigenar nossas ideias em meio a tanta poluição emitida por outros meios.

Um grande abraço do amigo Marcelo Roque

celsolungaretti disse...

Meu caro Marcelo, nunca esquecerei a força que me deste em 2012.

Aliás, sempre evitei estender-me sobre o que foi aquilo tudo. Tinha muito a dizer, mas achei melhor calar, pois não valia a pena criticar um ruim se os outros eram piores ainda.

Mas, no meio de um bate-papo, falei algumas coisas que talvez te interessem. Quem participou tanto quanto você tem o direito de saber. Veja nos comentários deste post: http://naufrago-da-utopia.blogspot.com.br/2015/06/que-moral-o-psol-segue-nossa-ou-deles.html

Um forte abraço e tudo de bom para ti!

Anônimo disse...

Celso, já tinha lido aquele seu post, mas não os comentários(pelo menos a maioria). Meu amigo, infelizmente, as eleições dentro deste sistema capitalista, sempre irão privilegiar os candidatos que tiverem maior capacidade de colocar grana em suas campanhas. E sob este contexto, não há possibilidade de representatividade popular. Os caras lá do Congresso estão trabalhando muito pra dar todas as garantias pra esta coisa não mudar. Inclusive rechaçaram a ideia de apenas financiamento público e de pessoas físicas, pois sabem muito bem que os partidos de esquerda seriam os grandes beneficiários, já que seus simpatizantes são muito mais atuantes.
Dentro desta imundice, fizemos uma campanha limpa, honesta, guiada por nossos ideais. Tenho orgulho de ter participado desta empreitada. O PSOL pisou sim na bola com vc. Deu garantias e depois voltou atrás. Erraram feio, com vc e outros que tb embarcaram nesta.
Mas, a luta sempre continua, e eu tb acho que só as ruas podem mudar este cenário. O problema é que a esquerda perdeu totalmente a capacidade de mobilizar forças, quando muito, uns gatos pingados aqui e outros ali. E pior, a esquerda perdeu o rumo e acaba dando de bandeja pra direita os trunfos que ela tanto precisa.

Amigo, receba um forte abraço, e saiba que sempre pode contar comigo.

Marcelo Roque

celsolungaretti disse...

Meu caro Marcelo,

você e a Sônia Amorim foram meus "cabos eleitorais" mais fiéis, fiquei comovido com a dedicação de ambos.

Também fiz a minha parte: quando percebi que não tinha a menor chance de ser eleito, continuei indo aos lugares, falando às pessoas e distribuindo meu material de campanha. Achei que, tendo entrado nessa roubada e recebido o apoio de boas pessoas, deveria jogar o jogo até o fim.

Sempre acreditei que, vencendo ou perdendo, o importante é nos mantermos fiéis a nossos valores e jamais desistirmos de luta nenhuma.

Se fiz o melhor que podia e, mesmo assim, não venci, durmo tranquilo. Não tenho compromisso com a vitória.

Mas, detestaria perder alguma parada por erro de cálculo, negligência ou preguiça. Aí, sim, eu me sentiria culpado.

Um forte abraço, companheiro!

Anônimo disse...

A vitória esta na escolha da luta não no triunfo da batalha.
Entramos do mesmo jeito que saímos, íntegros.

Um grande abraço, camarada, e até sempre !

Marcelo Roque

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