Nunca prestei maior atenção ao que escreve o senador paranaense Roberto Requião (PMDB), pois dois momentos de sua carreira política o haviam tornado muito antipático para mim: uma fraude eleitoral impune e uma batalha jurídica para receber pensão de marajá. Abordei ambos os assuntos neste artigo.
Mas, não conheço um personagem sequer da política oficial brasileira cuja conduta tenha sido sempre irrepreensível. Então, ultimamente venho acolhendo neste blogue alguns textos alheios que, a meu ver, tenham pegado no breu, independentemente de seus autores não serem cidadãos acima de qualquer suspeita.
É o caso do último artigo de Requião, A autofagia da esquerda e o ajuste fiscal (que reproduzo abaixo, excluindo alguns trechos desnecessários), uma das melhores análises até agora escritas sobre a opção neoliberal de Dilma.2.
Merece ser amplamente conhecido e discutido, neste momento crucial para muitos dos que se autoproclamam progressistas no Brasil: eles estão sendo obrigados a mostrar o que realmente são, se reais defensores dos ideais de esquerda ou meros governistas que dizem amém a qualquer aberração proveniente do Palácio do Planalto, ainda que seja a capitulação incondicional ao programa econômico da direita.
Torço para que o desabafo inspirado de Requião ajude a convencê-los de que estão entrando no caminho sem volta do abandono dos explorados e da cumplicidade com as injustiças sociais.
Nas últimas semanas, conversei diariamente, e por mais de uma vez ao dia, com economistas brasileiros. E deles, indistintamente, colhi previsões funestas, caso o ajuste-Levy seja aprovado também pelo Senado. O ajuste, por ser intrinsecamente recessivo, vai agravar ainda mais uma economia já estagnada.
Os economistas estimam que o ajuste-Levy vai nos empurrar para uma contração de, no mínimo, 2%, em função dos cortes nos gastos públicos e no crédito ao setor privado, sem que se mencionem os aumentos de impostos sobre a produção.
Somadas a isso, teremos as consequências danosas da Operação Lava Jato, que devem provocar uma contração adicional de 3%, já que a economia do petróleo representa de 13% a 17% do PIB brasileiro. Assim, estamos sob o risco de uma contração de 5%, um índice sem precedentes em nossa história. O governo e o congresso estão mesmo dispostos e preparados para aceitar essa responsabilidade? A responsabilidade por um crescimento negativo de 5%? Pela elevação do desemprego a taxas de 15%?
Pelos cortes em saúde e educação que vão diminuir a qualidade desses serviços já sofríveis? Pelo cancelamento de direitos trabalhistas conquistados a duras e ferrenhas lutas?
Ninguém discorda que já estamos mergulhados na crise, em recessão. Esse último Dia das Mães, p. ex., foi o pior Dia das Mães desde 2003. Pois bem, em uma situação econômica de tal gravidade, o único ponto de equilíbrio que nos oferecem é o da contração da produção e do emprego. O ponto de equilíbrio da depressão.
O que nós precisamos é de um Programa de Crescimento, de um Projeto de Brasil Nação, e não de um programa da estabilização da crise. E por que essa obsessão com o tal ajuste? Para, supostamente, impedir que as agências de risco desclassifiquem o Brasil. Precisamos dessa classificação?
Um pequeno arranjo com a China, muito inferior ao que poderia ter sido se fôssemos mais sábios, garantiu-nos US$ 53 bilhões de crédito só numa tacada. Sem pedir licença a agência de risco alguma.
Podemos certamente aceitar a necessidade, como toda economia tem em todos os tempos, de aumentar temporariamente a dívida pública, para depois diminuí-la, quando a economia se recuperar. Aumentar a dívida pública?
Os monetaristas, os discípulos de Friedman, os neoliberais como Joaquim Levy fogem dessa variável como o diabo da cruz. Mesmo que países como os Estados Unidos usem e até abusem do expediente. Melhorar marginalmente um indicador contábil de endividamento, que já é bom, vale o sofrimento de milhões de famílias?
Pior: a recessão e o aumento de juros não vão melhorar esse indicador. A experiência histórica de países como a Grécia, e a mera lógica, nos mostra que recessão e aumento de juros não melhoram a relação dívida sobre PIB.
Agora, se o objetivo desse plano for o de desmoralizar a esquerda, para que nunca mais volte a governar este país, o Plano Levy faz sentido.
Nesses dias, o país debate intensamente a precarização do trabalho, com a aprovação na Câmara do projeto de terceirização. No entanto, está em curso uma precarização muito mais perigosa, letal: a precarização da democracia.
Aprovando este ajuste, tanto o Legislativo quanto o Executivo renunciam sua prerrogativas, transferem ao mercado as suas funções e realizam o ideal neoliberal do Estado mínimo. Transferimos ao mercado a gestão da economia, dos gastos públicos, das relações políticas e econômicas internacionais, da política de infraestrutura, do planejamento. Sobrará a tarefa da segurança pública. E olhe lá.... A nossa já precária democracia tornar-se-á mais débil, vacilante e errática do que é hoje.
Mirem na Europa. Vejam o que o mercado fez com as democracias, não apenas de Portugal, Espanha, Itália e Grécia, mas sim também as da França, Alemanha e Inglaterra. A precarização da democracia, provocada pela supremacia do mercado levará a civilização a sua maior crise de toda a história.
O povo brasileiro e o Congresso devem dizer não ao ajuste-Levy, não à recessão e ao desemprego, não prevalência dos interesses do mercado sobre a ventura de vida dos brasileiros, não à precarização do trabalho, não à precarização da democracia.
...De minha parte, reafirmo a absoluta incredulidade nos tais ajustes "levianos". Aposto que vai dar errado e não temo (...) ver a minha língua queimada. Eu não entendo. Não me é compreensível que esses ajustes, preparados com ingredientes altamente tóxicos, só porque patrocinados por um governo hipoteticamente de esquerda, possam perder o potencial maligno, peçonhento, destruidor.
Quando, em que circunstâncias, cortes em saúde e educação, arrocho salarial, alta de juros, desemprego, corte de crédito, aumento de impostos, agiotagem, cancelamento de direitos trabalhistas, quando essa fieira de insanidades produziu efeitos positivos para o país e para o seu povo?
Estarreço-me ver companheiros de uma vida toda de militância antiliberal exporem-se na defesa de tudo aquilo que abominamos e combatemos. De outra banda, em um jogo de sinais trocados, de simulação e mascaramento temos a oposição a agitar a bandeira da defesa dos trabalhadores.
Pobres trabalhadores, duplamente desamparados, duplamente abandonados. (Roberto Requião)
2 comentários:
Sim, pobres trabalhadores enganados por todos, desde que nasce.
Confiou no PT que lhe deu migalhas enquanto tratava com filés os gatos gordos do capitalismo nacional. Pior ainda, corrompeu as organizações mais combativas dos trabalhadores por meio de sinecuras na máquina governamental e outros favores.
A infecção do partido se alastra até para os municípios onde o PT conseguiu eleger prefeitos.
Comenta-se agora [se não já concretizado] que Luiz Antonio Medeiros, fundador da Farsa Sindical, será o secretário das subprefeituras na capital paulista.
Esse ex-sindicalista, Medeiros, esteve asilado em Moscou na ditadura [escolheu bem o país para futuro marketing pessoal, porque de comunista nunca teve nada].
Na política por, uns anos, enganou os metalúrgicos paulistas. Hoje não consegue eleger-se nem para vereador.
Foi resgatado pelo PT para vergonha de seus eleitores.
Qual a estratégia política do partido para isto? Somente os ÇÁBIOS da cúpula sabem.
O PT é um partido desacreditado pelos trabalhadores mais esclarecidos.
Nessa política de acomodação política o PT, na distribuição de cargos, está acontecendo o que meu pai dizia na propriedade rural onde subsistia e criou os filhos:
"A melhor espiga é sempre para o pior porco"
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