segunda-feira, 3 de março de 2014

TUDO QUE VOCÊ QUERIA QUE ALGUÉM DISSESSE SOBRE O OSCAR

O Oscar que faltou para Cidadão Kane...
O Oscar é a festa da grana no cinema.

Coloca implicitamente a indústria cinematográfica estadunidense como a mais importante do mundo, pois é a ela que se outorgam os prêmios badalados. [Para o restante do planeta, sobra o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, que pouquíssimo interesse desperta.]

Ela merece tal distinção? Do ponto de vista da grana, sim. Do ponto de vista do marketing, sim. Do ponto de vista artístico, jamais! Os filmes dos EUA, em temos qualitativos, são apenas medianos. Ficam anos-luz atrás dos europeus, principalmente.

Como se trata de uma festa da grana, evitou-se constituir um júri capaz de aferir qualidade. Para elaborar a lista de concorrentes em cada categoria, técnicos indicam técnicos, roteiristas indicam roteiristas, diretores indicam diretores e assim por diante. Numa segunda etapa, os quase 6 mil membros da Academia de Artes e Ciências (?!) Cinematográficas votam indistintamente em todas as categorias.

Conheci bem a fauna cinematográfica. A rigor, apenas diretores e roteiristas têm uma visão suficientemente ampla para opinarem com discernimento sobre o que realmente importa: filme, direção, roteiro, atores. 

Melhor seria se, nas modalidades técnicas, votassem os técnicos; nas artísticas, apenas os diretores, roteiristas e críticos de cinema. Aí sim teríamos uma possibilidade de ver premiados os melhores trabalhos, não os campeões de bilheteria, como quase sempre acontece. 

Mas, claro, é a grana que comanda o espetáculo. O show suntuoso faz a maioria passar batida pelos erros clamorosos.

O júri "simpático, mas incompetente" (remember Caetano Veloso) incorreu nestes ridículos estratosféricos:
...foi depois desperdiçado com Rocky, um lutador.
  • aquele que é amplamente reconhecido como o melhor filme de todos os tempos, Cidadão Kane, recebeu em 1942, tão somente, o Oscar de roteiro original, cabendo o principal prêmio ao convencional Como era verde o meu vale (inferior também a Relíquia Macabra, o ápice do cinema noir);
  • Matar ou morrer, clássico indiscutível e um dos filmes mais corajosos da história do cinema (por haver confrontado o macartismo em seu auge), ocupava um patamar inalcançável para o rotineiro O maior espetáculo da terra, a piada de mau gosto do Oscar de 1953;
  • em 1977, o vencedor (Rocky, um lutador) simplesmente apanhava de goleada dos quatro concorrentes (Todos os homens do presidente, Taxi driver, Rede de Intrigas e Esta terra é minha);
  • o verdadeiro monumento cinematográfico que é Apocalypse Now ficou sem a estatueta em 1980, pois a Academia preferiu, metaforicamente, jogá-la no lixo (de que outra forma qualificarmos a premiação do cricri Kramer vs Kramer?);
  • o melhor filme da década passada, Sobre meninos e lobos, não perde para a continuação de O senhor dos anéis nem em votação de hospício (a Academia, em 2004, conseguiu mostrar-se mais pinel ainda...);
  • dos 10 maiores colecionadores de Oscar em todos os tempos, só dois podem ser considerados obras primas da sétima arte (A um passo da eternidade, o 8º da lista; e Sindicato de Ladrões, o 9º), ficando o primeiro lugar com a baboseira inicial da série O senhor dos anéis e o segundo com o piegas Titanic (*).
George C. Scott nem sequer foi buscar seu Oscar por Patton
Para tais absurdos concorreram também os "fatores extracampo", como se diz no futebol. 

Cidadão Kane decerto obteria um mínimo reconhecimento de sua magnitude, não fosse a pressão do magnata do jornalismo William Randolph Hearst, que percebeu -e detestou- ter sido ele o modelo no qual Orson Welles se inspirou para compor o personagem principal. Hearst também pressionou os cinemas a não exibirem o filme.

Matar ou morrer era um tapa na cara de todos os civilizados pusilâmines que se omitiram diante da horda de bárbaros encabeçada por McCarthy e Nixon. Boa parte desses pusilâmines integrava a Academia...

E os reaças fizeram lobby nos bastidores contra Apocalypse Now, pois não lhes agradava a visão (avassaladora) que o filme passava da Guerra do Vietnã.

É FÁCIL SER CONTRA O RACISMO 
A ESCRAVIDÃO NA ERA OBAMA

Finalmente, na fraquíssima seleção de 2014, 12 anos de escravidão deve ter prevalecido apenas por ser o menos pior. 

Marlon Brando mandou carta de recusa
Seria um filme pertinente quando existia a dita cuja. Fustigá-la hoje em dia é uma forma de ostentar bom-mocismo sem correr risco nenhum. 

E o fato de o presidente dos EUA ser um negro tem algo a ver com a realização de projetos como este e como Django livre. Os cineastas que eu prezo são aqueles que enfrentaram o racismo quando este ainda tinha garras, como James Clavell, John Frankenheimer, Martin Ritt, Norman Jewison, Robert Mulligan, Stanley Kramer e William Wyler. 

Atualmente, a escravidão a ser combatida é aquela que nos atinge a todos,  escravos do capital que somos. Mas, não se trata de um tema do agrado de Hollywood...

Faz-me lembrar uma frase marcante do sarcástico Made in USA, de Godard: "quando falo de um homem, é porque ele já morreu".

Também se aplica a Hollywood o desabafo célebre do Caetano Veloso em 1968 (lembrado, aliás, num trecho acima): "Vocês vão sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem".

* pra não dizer que não falei das flores, algumas escolhas de melhores filmes foram, ao menos, aceitáveis: os já citados A um passo da eternidade (1954) e Sindicato dos ladrões (1955), mais A ponte do rio Kwai (1958), Lawrence da Arábia (1963), O homem que não vendeu sua alma (1967), Carruagens de fogo (1982), Gandhi (1983) e Os imperdoáveis (1993). 

Um comentário:

Anônimo disse...

Falando em Robert Mulligan. Quando li o Sol é para todos, com certeza antes de 1980, entrando na adolescência, jamais o esqueci. Não apenas pelo racismo, por motivos étnicos, mas também pela discriminação contra todos os diferentes. Os personagens Tom e Bô (Boo), um branco (ao extremo, quase um fantasma) e o outro negro, são em medidas diferentes vítimas do mesmo tipo de preconceito contra os que não se enquadram nos padrões ditos normais.
Felizmente Gregory Peck ganhou o oscar de melhor ator, como Atticus Finch. Um dos três prêmios do filme em 1962 ou 63.

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