quinta-feira, 8 de agosto de 2013

OS 5 ANOS DE UM BLOGUE DE RESISTÊNCIA

O blogue Náufrago da Utopia completa cinco anos de existência nesta 5ª feira, 8.

No post inaugural (vide aqui), com a sinceridade habitual, eu admiti que nunca almejara ser blogueiro, mas foi a opção que me restou quando minhas maiores metas não deslancharam:
"Em novembro/2005, ao lançar meu livro de estréia, 'Náufrago da Utopia', acreditava ter desimpedido os caminhos para meu projeto maior: propor um novo ideário para a esquerda, retomando, num contexto mais propício, as propostas neo-anarquistas da geração 68. 
Mas, passados dois anos e meio, nada marchou como eu esperava. 
O 'Náufrago' não concretizou seu potencial, mantendo-se apenas como um cult para algumas dezenas de pessoas e uma referência para alunos e professores de História.
Não encontrei espaço para meu  great come back  à grande imprensa, sonho que jamais abandonei. Só que, como nunca, as tribunas estão hermeticamente fechadas para os articulistas de esquerda, salvo os que construíram sua reputação num passado distante e continuarão sendo suportados enquanto durarem, mas não substituídos.
Vai daí que a nova utopia singra os mares meio sem rumo, incapaz de encontrar seu porto seguro".
Na minha visão daquele momento, um blogue de verdade serviria para ir acumulando forças, à espera de dias melhores. O que eu tinha, O Rebate, era apenas um depósito dos textos que eu redigia semanalmente para o site coletivo homônimo. Decidi fazer as coisas direito, produzindo textos diários, para conquistar um público mais amplo e mantê-lo interessado.

O projeto acabou me encantando, pois veio ao encontro de outra antiga paixão: os circuitos marginais. Quantos esforços desenvolvemos, na década de 1970, para difundir nossas obras diretamente às pessoas, escapando do controle da indústria cultural! 

As precárias coletâneas que editávamos com tiragem de mil exemplares continuam pegando pó na minha estante, como marcos de uma fase talvez ingênua, mas muito gratificante. O que encarávamos como resistência cultural era, também, uma forma de travarmos o bom combate. Se não produziu resultados mais expressivos, ao menos ajudou-nos a manter a sanidade, durante as terríveis trevas ditatoriais.

Então, aos poucos, o blogue foi tomando forma.

De um lado, cumprindo meu dever de sobrevivente de uma guerra trágica, defendi a memória da resistência à ditadura militar e prestei tributo aos companheiros que nela lutaram, aproveitando todas as oportunidades para lembrar seus nomes e seus feitos, honrando seu sacrifício. 

Muitas informações sequer registradas em livros estão presentes no blogue, pois, mais que o antigo Repórter Esso, posso me considerar uma  testemunha ocular da História: estava no palco dos acontecimentos e os observei com os olhos do jornalista que viria a me tornar, tanto quanto com o olhar do militante em ação (para ser absolutamente sincero, eles ficaram impressos na minha memória, mas os desafios imediatos exigiam tanto de mim que só os pude digerir, interpretar e aprofundar depois, no recesso compulsório, qual sejam as intermináveis horas que tinha para preencher nos cárceres militares, passada a fase dramática das torturas).

Também resgatei e trouxe para o blogue o melhor da minha experiência  jornalística, chegando a digitar e atualizar longos textos que escrevera profissionalmente, como o dedicado à época de ouro da MPB, tão extenso que fui obrigado a dividi-lo em cinco posts.

E, se nunca se criaram as condições para lançar meu sonhado livro teórico com mínima possibilidade de atingir um público mais amplo do que as poucas centenas de leitores que habitualmente consomem tais obras (veneno  para as livrarias) no Brasil, fui colocando no blogue, pouco a pouco, tudo que eu tinha para dizer. Talvez sejam irrelevâncias, talvez ainda venham servir para apontar caminhos às novas gerações de revolucionários. Quem sabe?

Mas, ao alertar para as terríveis ameaças que o capitalismo nos inflige, ao sobreviver muito além de sua  vida útil, tornando-se cada vez mais parasitário e nefasto, creio ter, pelo menos, cumprido o papel de estimular discussões extremamente necessárias.

Poucos se dão conta de quão grande é o risco da espécie humana não subsistir por mais um século, nem da premência com que precisamos agir, para salvarmos a humanidade da extinção. O meu papel eu tenho cumprido.

Finalmente, o Náufrago serviu como tribuna para as muitas lutas que tenho travado, algumas vitoriosas, outras não. Esta é a sua faceta mais conhecida, daí eu considerar dispensável estender-me no assunto. 

Basta mencionar que, além dos aproximadamente 250 diferentes textos redigidos ao longo da cruzada pela liberdade de Cesare Battisti, o blogue defendeu o ex-etarra Joseba Gotzon, vítima menor do mesmo espírito revanchista da direita européia; Julian Assange, Bradley Manning e Edward Snowden, que escancararam para o mundo a nudez do rei; a iraniana Sakineh Ashtiani, quase-vítima da intolerância medieval; o cineasta Roman Polanski, quase-vítima do moralismo mais rançoso; o movimento estudantil em geral e os universitários da USP em particular (pois submetidos a controle policial como nos piores tempos da ditadura militar); e outros humilhados e ofendidos no dia a dia brasileiro.   

Acredito que o balanço seja positivo. E peço encarecidamente aos companheiros e amigos que ajudem a difundir o acervo nele armazenado, pois não basta plantarmos as sementes, elas precisam ser irrigadas. E a colheita almejada está muito além do alcance dos meus esforços pessoais. 

6 comentários:

Unknown disse...

Interessante o seu blog. Não considerastes a hipótese da configuração por janelinhas?!... todos os seus textos estariam expostos...abraços!

Avelino disse...

Caro Celso
Parabéns pelo blog e adorei a sua "briguinha" com o Olavo de Carvalho.
Saudações

Anônimo disse...

beleza..agora; se vc chama seu blog de Naufrago da Utopia (naufrágio e utopia sendo dose dupla de conceitos de fracasso, desilusão e impossibilidades)..se vc mesmo não acredita no que prega..não vai mesmo fazer muitos seguidores.é ou não é???

celsolungaretti disse...

Utopia é uma civilização ideal que (ainda) não existe em lugar nenhum, mas serve como inspiração para os esforços dos melhores seres humanos. É por sonharmos com a perfeição e a erigirmos em meta que, pouco a pouco, vamos nos aperfeiçoando. Sem utopias só há estagnação.

A utopia que a minha geração buscou era generosa e justa, mas não sobreviveu à enorme inferioridade de forças que caracterizou aquele confronto. Os vencedores tinham muito mais recursos e nenhum escrúpulo. A Santa Inquisição também prevaleceu durante certo tempo, mas, no longo prazo, foram os "hereges" que reconfiguraram o mundo.

Os náufragos, quando sobrevivem, podem fazer outras coisas. E, se o naufrágio se deu no curso de uma luta, podem lutar de novo.

É este o sentido do título de meu livro, que "batizou" o blogue: sou um náufrago dos embates da geração 68, sobrevivi e continuo até hoje tentando construir uma sociedade que concretize os mais nobres ideais da humanidade através dos tempos: a justiça social e a liberdade.

celsolungaretti disse...

Jussara,

agradeço a sugestão, que talvez até "funcionasse" melhor.

Mas, sou um velho redator: por sensibilidade e até por sentimentalismo, prefiro valorizar o texto, apresentando-o por inteiro.

abs.

Celso

celsolungaretti disse...

Avelino,

naquele momento em que a direita parecia dominante na web, era importante mostrar que um dos seus maiores ícones não passava de um tigre de papel.

Foi o que me motivou a dar o melhor de mim.

Assim como lutei com o Casoy, mesmo em condições (financeiras) precárias, porque o precedente em questão teria sido muito ruim para todos os blogueiros. Teria sido fácil aceitar retratar-me, evitando dores de cabeça e riscos. Mas, há momentos em que temos de dar exemplo.

Abs.

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