sexta-feira, 25 de novembro de 2011

"A ROTA TEM SIDO SINÔNIMO DE TRUCULÊNCIA POLICIAL DESDE MALUF"

Os leigos têm uma visão pouco acurada da grande imprensa. Veem-na sob o exclusivo aspecto de expressão do poder econômico e, portanto, conservadora e reacionária.

Ignoram, entretanto, as célebres contradições que tanto Karl Marx nos aconselhava a levarmos em consideração, explorando-as quando possível.

Assim, na defesa de seus interesses imediatos, os veículos eventualmente assumem posições paradoxais, como a Rede Record quando foi buscar nas críticas da esquerda à Folha de S. Paulo (episódio  ditabranda) munição para reagir às acusações do jornal contra a Igreja Universal do Reino de Deus.

E a própria Folha tem posição algo simpática à causa dos países oprimidos por Israel e, na cobertura local, às vezes, ataca os espantalhos identificados como tais por parte dos seus leitores, provavelmente para fazer média com eles.

Embora seus motivos difiram dos nossos, não há por que torcermos o nariz a um ou outro texto aproveitável de jornalões e revistonas. Enquanto não tivermos poder de fogo remotamente equiparável em termos de comunicação, nenhuma munição deles advinda deve ser desprezada.

Caso do editorial desta 6ª feira sobre a aberrante nomeação, para comandar a Rota, de um oficial sob suspeita de haver participado do  massacre do Carandiru  ou de nada ter feito para impedir que seus comandados exterminassem dezenas de detentos rendidos.

Quando a Polícia Militar, com a grotesca cumplicidade da mídia, repete as práticas da ditadura militar em relação ao movimento estudantil, é extremamente positivo que a Folha tenha, com uma notícia, colocado em xeque a designação do tal Madia; e, com um editorial, a esteja agora impugnando.

Desta vez colocou o dedo bem na ferida: a tradição de truculência da Rota e da PM, que é, gritantemente, o motivo da sua incompatibilidade com a missão de policiar a USP. Universidades requerem policiais civilizados, devidamente treinados para não as convulsionarem por qualquer ninharia.

O editorial Tiro no pé é irrepreensível e poderia ser assinado por qualquer um de nós. Então, eu o reproduzo na íntegra, pois é importante que seja conhecido pelo máximo de pessoas:
"Não há impedimento, do ponto de vista legal, para que o tenente-coronel Salvador Modesto Madia seja nomeado comandante da Rota pelo governador Geraldo Alckmin.
Do ponto de vista político, todavia, a decisão é preocupante e lamentável. O tenente-coronel está entre os réus de um processo que se arrasta, escandalosamente, há quase 20 anos.
 Não se trata de um processo qualquer. Refere-se a uma operação policial que resultou num total de 111 mortes, passando à história do Brasil com o nome de  massacre do Carandiru.
No dia 2 de outubro de 1992, o grupo de policiais a que pertencia o novo chefe da Rota entrou no segundo andar do presídio rebelado. No térreo, os detentos tinham deposto suas armas, sinalizando que não iriam resistir. Foram fuzilados mesmo assim.
A PM subiu ao segundo andar; 73 presos foram mortos. Saíram vivos aqueles que se protegeram debaixo dos cadáveres das vítimas. O sangue foi limpado a rodo do piso daquele estabelecimento correcional.
A responsabilidade concreta de Madia nesse episódio -assim como a dos demais policiais envolvidos- ainda está por ser apurada.

A nomeação indica, entretanto, a continuidade de uma orientação política equivocada e demagógica por parte do governo estadual. A Rota tem sido sinônimo de truculência policial desde os tempos do governo Paulo Maluf, em pleno regime militar.

Na época, como agora, a ideia de que 'bandido bom é bandido morto' prevalece na instituição -e obtém, inegavelmente, apoio em largas parcelas da população.

Remonta à Alemanha nazista a prática de invocar o 'confronto e resistência à prisão' como pretexto para a eliminação sumária de quem quer que seja. Na gestão do antecessor de Madia, coronel Paulo Telhada, aumentaram em 63% os episódios de 'resistência seguida de morte'.

O governador Alckmin, que contabiliza entre seus trunfos políticos a implosão do Carandiru e o decréscimo das taxas de homicídio no Estado, comete um equívoco com essa nomeação.

Ou, se quisermos incorrer em frase de humor duvidoso, corre o risco de estar dando um  tiro no pé. O número de assassinatos em São Paulo poderia diminuir ainda mais, sem dúvida, se a PM contribuísse com sua parte. A saber, matando menos".

2 comentários:

carlos lungarzo disse...

Esta série de textos que se relacionam com brutalidade policial, tanto no contexto do ataque á USP, como em geral, têm grande continuidade e precisão, e acredito que estão sendo úteis e orientando muita gente. Parabéns, Celso. Carlos

celsolungaretti disse...

O Carlos é um grande amigo que conheci na luta em favor do Cesare.

Além do passado comum de luta contra ditaduras, matemos até hoje a postura de repudiar e lutar com todas as forças contra o autoritarismo.

A fascistização da sociedade é o ideal negativo que o capitalismo tem hoje a oferecer, já que não lhe restam propostas positivas. Une as pessoas a partir do que elas têm de pior: o egoísmo, a ganância, a inveja e o rancor.

Valeu a pena ter percorrido o caminho tortuoso que eu percorri, para poder estar cumprindo este papel hoje, ao lado de companheiros valorosos e estimados como o Carlos.

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