Quando eu aludo à distância estratosférica que separa os revolucionários marxistas ou anarquistas dos caudilhos de origem militar, muitos jovens não entendem. Faltam-lhes a vivência e a familiaridade com os nossos clássicos.
A tradição da esquerda que remonta a Marx ou Proudhon é considerarmos os explorados como o sujeito da revolução; e o partido, no máximo como a vanguarda dos explorados.
A doença mortal da esquerda no século passado foi o substituísmo, assim descrito por Trotsky: primeiramente, o partido substitui o proletariado; depois, o comitê central substitui o partido; finalmente, um tirano substitui o comitê central.
Caudilhos saídos da caserna, como Gaddafi, encurtam tal trajetória. Na sua visão o povo é, desde a etapa conspiratória, tão somente objeto, nunca sujeito. E partido só existe um, o do "sim, senhor!". Quem realmente detém o poder é o déspota, secundado pelos membros do seu clã.
Outra diferença gritante é quanto à identificação com o povo sofrido. Marxistas e anarquistas a temos. É o ponto de partida da nossa trajetória.
Caudilhos, não. Verdadeiramente, nenhuma! Para eles, os humilhados e ofendidos não contam. São descartáveis.
É o que se constata nesta frase de Gaddafi, que foi derrubado, está vencido mas insiste em atrair a desgraça para sua gente. Entrincheirou-se na cidade natal, o que só fará com que ela seja destruída e um sem-número de coitadezas pegue as sobras.
Declaração gravada de Gaddafi: "Se a Líbia for tomada pelas chamas, quem será capaz de governar? Deixem queimar!" (*).
Revolucionários lutamos de peito aberto, como combatentes, preferindo o sacrifício final a sermos responsáveis por massacres de civis.
Caudilhos se ocultam onde existem mulheres, velhos e crianças, na esperança de que o inimigo tenha a clemência neles próprios inexistente.
Frase tão repulsiva jamais sairia da boca de um Guevara, Lamarca ou Marighella.
Dita por Gaddafi, não causa surpresa nem espanto.
* "Que haja uma longa luta. Vamos lutar de cidade em cidade, montanha em montanha. Se a Líbia for tomada pelas chamas, quem será capaz de governar? Deixem queimar! Os inimigos não querem controlar a Líbia. Não podem governar enquanto estivermos armados. E ainda estamos armados. Não vamos desistir. Não somos mulheres nos rendendo a nossos maridos. Vamos continuar a lutar".
2 comentários:
Companheiro,
Desta vez eu acho qu entendi errado; será que ele se referia mesmo ao fato de não se importar se a cidade arder em chamas? eu acho que ele se referia as forças oposicionistas que possivelmente vão invadir a cidade.
abs.
Ismar,
a fala do Gaddafi foi mesmo na linha de QUE EU VENÇA OU MORRAMOS TODOS:
"Que haja uma longa luta. Vamos lutar de cidade em cidade, montanha em montanha. Se a Líbia for tomada pelas chamas, quem será capaz de governar? Deixem queimar. Os inimigos não querem controlar a Líbia. Não podem governar enquanto estivermos armados. E ainda estamos armados".
Em selvas ainda dá para combatentes determinados confrontarem inimigos que têm grande superioridade de forças. Nos países árabes, não. Então, o que Gaddafi está fazendo tem como único resultado concreto o prolongamento de uma matança inútil.
Mas, seria ingenuidade exigir grandeza histórica de um personagem desses.
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