Graças ao acompanhamento atento da política brasileira por mais de quatro décadas, além do interesse que sempre tive em conhecer o que aconteceu tanto em passado próximo quanto no distante, dificilmente sou surpreendido pelo que pipoca no noticiário. Quase sempre, vem ao encontro do que eu previa ou considerava possível.
Neste domingo (07/08), contudo, li estarrecido na coluna do Elio Gaspari que o Brasil está equiparando os milhares de assassinatos cometidos pelo ensandecido ditador sírio Bashar al-Assad à dezena de óbitos de agentes policiais atribuída aos opositores do regime.
Esta sempre foi a retórica da extrema-direita brasileira: utilizar as mortes ocorridas em ações armadas dos que confrontavam o arbítrio como atenuante para a carnificina perpetrada pela repressão oficial e oficiosa da ditadura militar, como se uns não fossem usurpadores do poder recorrendo ao terrorismo de estado para nele se manter e os outros, cidadãos que, em condição de extrema inferioridade de forças, exerciam seu direito de resistência à tirania.
Foi com muita tristeza e vergonha que soube estar nosso país, sob a presidência de uma antiga companheira de militância na VAR-Palmares, alinhando-se com a posição do Ternuma.
E não se trata de descuído. É ato pensado. Há algumas semanas, o vice-ministro sírio Fayssal Mikdad esteve aqui, encontrou-se com o chanceler Antonio Patriota e dele ouviu -- pasmem! -- elogios às reformas políticas do carniceiro Assad. Que, àquela altura, já havia dizimado 1.500.
Lembrem-se: a promiscuidade com ditadores teria sido o motivo da saída de Celso Amorim do Itamaraty. Os áulicos trombetearam que o Governo Dilma colocaria o respeito aos Direitos Humanos acima de quaisquer outras considerações.
A primavera durou pouco. O realismo político voltou pela porta dos fundos e o País novamente diferencia os bons ditadores dos maus ditadores. Tudo como dantes no quartel de Abrantes.
Só me resta publicar o desabafo do Gaspari, do qual algumas vezes discordo, mas que, neste caso, disse tudo que precisava ser dito:
A DIPLOMACIA DE DILMA TERIA FRITADO "WANDA"
Em março de 1970, Dilma Rousseff estava presa em São Paulo. A "Wanda" da VAR-Palmares fora capturada em janeiro, e ainda vivia no DOI-Codi. Conforme ela mesma narrou, "a pior coisa que tem na tortura é esperar, esperar para apanhar".
O jornal "Washington Post" publicou um editorial condenando as violências do governo brasileiro, e o embaixador americano foi chamado ao Itamaraty.
Ouviu uma queixa e a ameaça de que gestos desse tipo comprometiam as boas relações entre os dois países. Estava implícita a sugestão de que o Departamento de Estado fizesse uma gestão no jornal.
O embaixador (Charles Elbrick, que havia sido sequestrado meses antes) narrou ao Departamento de Estado um dos argumentos que ouviu: "Os terroristas recorrem a violência, sequestros e ataques a pessoas e instituições, coisa que o governo não pode tolerar".
Passaram-se 41 anos, Dilma está na Presidência da República, e o Itamaraty é acusado pelo Human Rights Watch de exigir uma condenação de "todas" as formas de violência que vêm sendo praticadas na Síria. Lá, a ditadura de Bashar Assad já matou cerca de 2.000 pessoas e ocorreram assassinatos de algo como uma dezena de agentes do governo.
Nem Madame Sosostris, uma grande vidente, teria sido capaz de prever que, um dia, a diplomacia de Dilma exigiria que a denúncia das torturas que "Wanda" sofria, ou o assassinato de seus companheiros, fossem equiparados aos atentados que a VAR-Palmares cometia.
4 comentários:
Será que o poder "enDireita" os "canhotos"? Será que a esquerda só pode ser genuinamente esquerda estando na oposição,fora do poder?
Dima "WANDA" Roussef, estás a engabeirar?
Cadê a ONU, antiga Liga das Nações? A mesma inutilidade de antes, apenas mudou de nome, mas continua a servir aos mesmos interesses. Unidos em servir aos interesses das grandes corporações, dos apadrinhados, dos comparsas... Um títere usado pra referendar a política externa norte-americana.
Celso, aquele ex-árbitro de futebol(já falecido) foi mesmo torturador do DOI-Codi?
O Dulcídio Wanderley Boschilia era policial militar. Dizia ter cumprido função burocrática no DOI-Codi. Quem sabe?
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