segunda-feira, 20 de junho de 2011

MAS COM GENTE É DIFERENTE!

"Porque gado a gente marca,
tange, ferra, engorda e mata,
mas com gente é diferente!"
(Geraldo Vandré, Disparada)

Na grande imprensa, há editorias  estritamente vigiadas, como as de Política, Internacional e Economia, nas quais as críticas, questionamentos ou denúncias de práticas caracteristicamente capitalistas são avaliadas com extremo cuidado antes de disponibilizadas para o distinto público -- ou descartadas, como é bem mais frequente.

Já nas de Geral e Variedades os critérios são mais flexíveis, pois elas geralmente não conseguem afetar os interesses dos realmente poderosos. Daí servirem às vezes como respiradouros, uma lufada de ar fresco a contrastar com o fedor de imundície que as páginas subservientes ao poder exalam.

Então, aos repórteres ainda restam algumas brechas para fazerem verdadeiro jornalismo, como é o caso de Giba Bergamin Jr. e sua notícia Sentar rende multa a "meninos-placa", publicada nesta 2ª feira na Folha de S. Paulo.

Relata os rigores a que o capitalismo submete adolescentes na principal cidade do Brasil.

Nada comparável às descrições candentes de Marx sobre o trabalho de crianças nas minas de carvão inglesas, claro. Mas, chocante para os padrões atuais.

Como a capital paulista coíbe a poluição visual, adolescentes são recrutados para exibirem setas nas vias públicas, indicando o caminho para determinados negócios -- principalmente imobiliários.

São obrigados a permanecer seis horas seguidas em pé. Se o fiscal da empresa recrutadora os flagra sentados, desconta R$ 5 ou R$ 10 dos R$ 60 de remuneração pelo  bico  de fim de semana.

Se comparecem no sábado e faltam no domingo, ou vice-versa, nada recebem pelo dia trabalhado.

As placas que são obrigados a manter bem visíveis, leves no início, com o passar das horas vão causando sensação cada vez maior de peso.

Não lhes fornecem vales-refeição.

A repórter aparentemente não encontrou, já que deixou de citar, o capítulo da legislação infringido. É o artigo 67, inciso II, do Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art. 67. Ao adolescente empregado, aprendiz, em regime familiar de trabalho, aluno de escola técnica, assistido em entidade governamental ou não-governamental, é vedado trabalho:

II - perigoso, insalubre ou penoso.
Além, é claro, dos dispositivos que regem o trabalho temporário.

Pode ser até que, nos próximos dias, sejam aplicadas algumas multas, como álibi a ser ostentado caso a notícia impressa vire pauta para as emissoras de rádio e TV.

Depois se voltará à rotina.

E seres humanos continuarão sendo aviltados por um sistema que lhes rouba a dignidade no trabalho e na vida.

P.S.: previsivelmente, no dia seguinte o Ministério Público do Trabalho em SP informou que abrirá inquérito civil para apurar a imposição de trabalho penoso a adolescentes. Vamos torcer para que, contrariando minha 2ª previsão, a fiscalização se mantenha mesmo depois que o assunto sair do foco da imprensa (atualização em 21/06).

Um comentário:

Laércio Raphael disse...

Moro no Brooklin,SP, que atualmente sofre com um boom imobiliário, decorrente do esgarçamento das Z1 na chamada operação 'Água Espraiada'. Há dezenas de adolescentes nestas condições. Ontem, domingo 19/06, puxando papo com uma delas, a menina acabou pedindo se podia usar o banheiro. Só aí me dei conta do grau de injustiça para com a meninada. Além de ter de ficar o dia todo em pé, nem ir ao banheiro podem, pois ali quase não há sanitários comerciais! E ai de quem for pego urinando na rua - atentado violento ao pudor. De quem, cara pálida?

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