domingo, 29 de maio de 2011

O FUTEBOL-ARTE VIVE

Foi de lavar a alma a confirmação do Barcelona como o melhor time da Europa  en 2011 e, implicitamente, como o grande esquadrão do futebol mundial neste início do século 21.

Por um regulamento insólito, o Barça teve de decidir a Copa dos Campeões em território inimigo: o estádio da Finalíssima é antecipadamente definido, pouco importando quem dela venha a participar.

Mas, foi como se jogasse no Camp Neu: comandou a partida, teve mais posse de bola, o quadrúplo de arremates a gol, foi sempre o time mais perigoso, pintou e bordou.

Os 1x3 saíram baratos para o Manchester United -- cujo gol, aliás, foi antecedido por um impedimento ignorado pela arbitragem.

Já não há dúvida nenhuma de que o Barça é o melhor time do futebol mundial desde o Santos da  era Pelé.

Com a diferença de que, naquele tempo, a maioria jogava futebol-arte. Tanto que acontecia de o Santos enfiar 7x3 no Palmeiras no 1º turno do Campeonato Paulista (de 1959) e receber um 1x5 de troco no returno.

Ou, numa tarde de 1964, o Corinthians, na preliminar, conquistar o campeonato de aspirantes arrasando o Santos por 6x3 (na última partida de Rivelino antes de ascender ao time principal); e, no jogo de fundo, sofrer um 4x7 que deu o título ao Santos com uma rodada de antecedência. 

Vinte tentos em duas partidas decisivas! Inimaginável nos dias de hoje...  

Agora a tônica é dada pelos esquemas covardes do futebol-força, com a prioridade de evitar gols sempre prevalecendo sobre a de marcar gols.

O Barça está sendo o único a procurar a vitória o tempo todo, contra todos os adversários. Representa a  antítese da feiúra e calculismo, justificados como  competitividade. Prova que se pode dar espetáculo sem prejudicar as chances de vitória, muito pelo contrário.

Desenvolveu uma filosofia de jogo baseada: 
  •  numa defesa flutuante, que não se fixa toda lá atrás e tenta sempre roubar a bola dos adversários para iniciar um contra-ataque fulminante;
  • numa valorização extrema da posse de bola, por meio de uma habilidade igualmente extrema de trocar passes curtos sem ser desarmado, até que surge uma oportunidade de lançamento certeiro para colocar o atacante na cara do gol; e
  • das jogadas desconcertantes de Messi, capaz de demolir qualquer esquema defensivo com sua genialidade, como fez na primeira semifinal contra o Real Madrid (o jogo terminava, os jogadores do Barça iam administrando a vitória por 1x0, então o craque não tinha ninguém para ajudar quando recebeu a bola no ataque, mas enfiou-se pelo meio de cinco adversários e marcou um golaço, deixando estupefatos os merengues).
A única restrição que se pode fazer à equipe catalã é a de haver tornado o futebol previsível demais; foi o que um jornalista espanhol escreveu. A vitória virou regra e as derrotas, cada vez mais raras exceções (uma com a força máxima e outra poupando titulares, nos 38 jogos do último Campeonato Espanhol, conquistado pelo Barça com um aproveitamento de 84% dos pontos disputados).

Isto também faz lembrar o grande Santos de meio século atrás. Já não assistíamos às partidas para saber quem iria ganhar, mas sim para nos deliciarmos com o show de Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe.

Assim como neste sábado a superioridade do Barça foi tão grande que nunca pareceu haver a mínima chance de vitória do Manchester United. O atrativo real eram as jogadas magníficas  dos virtuoses da bola, que não decepcionaram os fãs: seus três gols foram belíssimos, assim como alguns perdidos também o seriam.

O futebol-arte vive. Infelizmente, só do outro lado do oceano.

Enquanto isto, temos por aqui técnicos como Muricy Ramalho, que transformam times goleadores em equipes com excelência defensiva e ataques esparsos, para os quais 1x0 é lucro.

5 comentários:

Roberto SP disse...

Não tem nada a ver com futebol, mas é incrível um jornalista com um texto como o seu não estar trabalhando em algum grande órgão de comunicação da imprensa diária.

Motivação ideológica e a imensa falta que um jornal de esquerda sério e decente fazem nesse país.

celsolungaretti disse...

Roberto,

parece que o meu tipo de texto não interessa mais à grande imprensa.

No passado ela ainda dava espaço para um ou dois estranhos no ninho. Agora, a blindagem é total.

Se aparecesse uma boa oportunidade para voltar à ativa, eu aceitaria correndo. Até financeiramente seria uma mão na roda.

Mas, a hipótese me parece cada vez mais remota.

McCarthy explica...

Laércio Raphael disse...

Mas será possível que não haja espaço? Temos de criá-lo. Eu leio a Caros Amigos e a Fórum, acho a Carta Capital aborrecida como veículo de informações. Mas não é possível que, num mercado como o da Internet, não existam leitores dispostos se unir para pagar por jornalistas independentes e honestos. Aí é que a porca torce o rabo. É necessário um empreendedor para levar isso adiante, e esses rapidamente se corrompem..

celsolungaretti disse...

Laércio,

a vida é complicada.

Meu pai entrou aos 11 anos numa fiação, deu duro, estudou à noite e, com muito esforço, tornou-se contra-mestre.

Só que, nesse meio tempo, a profissão decaíra. O ramo de tecelagem, quando ele chegou no auge (mestre) nem de longe era aquele de quando começou.

Parece brincadeira, mas minha trajetória atribulada também atrapalhou a afirmação profissional quando ainda havia mercado para jornalistas com posições independentes.

Levei algum tempo para chegar ao meu melhor. E, quando cheguei, a grande imprensa já não aceitava profissionais com o meu perfil.

Mas, não desisto tão facilmente. Mantenho esta trincheira na internet, pretendo lançar um novo livro ainda em 2011 e até já recebi um convite para ingressar na política (que ainda estou avaliando).

Parafraseando o Jards Macalé, enquanto tiver pique, vou continuar desafinando o coro dos contentes.

Um abração!

Laércio Raphael disse...

Valeu Celso. Pelo menos alguns leitores fiéis como eu vc sempre terá. Não vamos concordar em tudo, mas eu amo o método dialétco. Ninguém tem a verdade, mas ter um compromisso com o que achamos correto nos aproxima dela!
Grande Abraço, vc é uma pessoa muito digna!

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