segunda-feira, 18 de abril de 2011

VALE A PENA LER DE NOVO: "A FRASE DE FIDEL E O BESTEIROL DO PIG"

Que moral os defensores do capitalismo
têm para tripudiarem sobre Cuba?
A grande imprensa brasileira saudou efusivamente a afirmação de Fidel Castro, de que o modelo econômico cubano não funcionaria (mais tarde relativizada por ele, sob a alegação de não era exatamente isto que queria dizer).

troféu PIG  coube a Suely Caldas que, em O Estado de S. Paulo, deitou falação sobre o que está muito além dos seus conhecimentos:
"A esperança de um mundo igual e justo, lançada por Karl Marx e Friedrich Engels no século 19, não logrou sucesso em nenhuma das experiências socialistas vividas ao longo do século 20. Entre outras razões de ordem econômica, também porque nunca conseguiram se sustentar sem a imposição de uma ditadura a subjugar uma população que ansiava por liberdade".
Para Marx, a construção do socialismo
começaria pelos países desenvolvidos
Até quando será invocado o santo nome de Marx em vão?

Ele jamais pregou a construção do socialismo em países isolados e atrasados.

Acreditava que, como consequência de suas próprias contradições (principalmente a apropriação individual do produto do trabalho coletivo), o capitalismo passaria a frear o desenvolvimento das forças produtivas, ao invés de o alavancar.

Então, em sua marcha para o progresso, a humanidade seria obrigada a evoluir para uma forma de organização econômica, política e social que libertasse as forças produtivas do jugo do lucro.

Ou seja, em termos simplificados, o contínuo crescimento da produção era limitado pelo fato de que os produtores, ao serem espoliados de uma parcela do resultado do seu labor, não tinham meios para adquirir tantos produtos quanto geravam.

Então, essa produção que excedia o poder aquisitivo dos consumidores era destruída (queimas de café para evitar a queda do preço no mercado, p. ex.) ou, por mecanismos indiretos,  remanejada: a economia se voltava para atividades parasitárias ou para a indústria de guerra.

Maneira capitalista de criar um "mercado" para os
produtos que os consumidores não conseguem adquirir
Ou seja, o peso descomunal que o setor financeiro adquiriu no capitalismo do século 20 foi uma forma de manter pessoas trabalhando para nada produzirem de útil, necessário ou válido. É a condenação mais gritante de um sistema putrefato, que mantém os homens a labutarem em vão, quando poderiam estar trabalhando muito menos e vivendo muito melhor, livres do tacão da necessidade e do estresse da competição encarniçada.

As duas guerras mundiais e os muitos conflitos localizados, idem. Em vez de se direcionar o esforço dos seres humanos para melhorar a existência dos seres humanos, passou-se a empregá-lo no seu extermínio.

Como alternativa, as grandes recessões periódicas que assolam o capitalismo até hoje.

1929: a pior crise cíclica do capitalismo
Antes, a superprodução desembocava automaticamente na crise.

Depois, para permitir que os consumidores adquirissem aquilo que não podiam pagar, criaram-se mecanismos de crédito que resolvem o problema imediato, mas, como bola de neve, acabam gerando dívidas impagáveis à frente.

Até que essa economia artificial, fictícia, estoura como bolha de sabão.

Exatamente como Marx dizia, a contradição insolúvel do capitalismo engendrará crises cíclicas até que ele seja superado pela racionalidade econômica.

Elas podem não ocorrer mais a cada dez anos, mas continuam tão inevitáveis quanto antes.

Face a tal mostrengo, como ousa e jornalista empertigada criticar o socialismo real? Quem tem algo a dizer sobre ele somos nós, não ela.

REVOLUÇÃO MUNDIAL x SOCIALISMO NUM SÓ PAÍS

No princípio, os  profetas  apregoavam uma maré revolucionária que uniria e imantaria os proletários de todos os países, varrendo o planeta. É o que lemos no mais inspirado panfleto político que a humanidade já produziu, o Manifesto do Partido Comunista de 1848.

Levando em conta não só que os trabalhadores do mundo inteiro estavam irmanados pela sina de terem uma substancial parcela da riqueza que geravam (a mais-valia) expropriada pelo patronato, como também que a exploração capitalista havia subjugado países e culturas, submetendo proletários de todos os quadrantes a uma mesma lógica de dominação, os papas do marxismo profetizaram que o socialismo seria igualmente implantado em escala global, começando pelas nações de economias mais avançadas e se estendendo a todas as outras.

A Comuna de Paris, esmagada pelos reacionários
franceses e invasores estrangeiros
O movimento revolucionário foi, pouco a pouco, conquistado pela premissa teórica do internacionalismo, ainda mais depois que a heróica Comuna de Paris foi esmagada em 1871 pela ação conjunta de tropas reacionárias francesas com o invasor alemão.

Se as nações capitalistas conjugariam suas forças para sufocar qualquer governo operário que fosse instalado, então os movimentos revolucionários precisariam também transpor fronteiras, para terem alguma chance de êxito – foi a conclusão que se impôs.

Outra, de consequências trágicas: a tese de que, como era desigual o ritmo com que as nações amadureciam para a experiência socialista, poderia se recorrer a uma ditadura momentânea do proletariado (já que a Comuna de Paris parecera ter sido derrotada por excesso de brandura) naquelas que se libertassem primeiramente, para resistirem ao capitalismo agonizante até que a revolução vencesse no mundo inteiro.

1917: o poder estava à mão, mas caberia uma 
revolução marxista em país tão atrasado?
No entanto, a ditadura do proletariado deveria se tornar cada vez menos ditadura, tendo a função de preparar as condições para seu desaparecimento, por obsolescência.

Em 1917, surgiu a primeira oportunidade de tomada de poder pelos revolucionários desde a Comuna de Paris. E os bolcheviques discutiram apaixonadamente se seria válida uma revolução em país tão atrasado como a Rússia – uma verdadeira heresia à luz dos ensinamentos marxistas.

Para Marx, o socialismo viria distribuir de forma equânime as riquezas geradas sob o capitalismo, de forma que beneficiassem o conjunto da população e não apenas uma minoria privilegiada. Então, ele sempre augurara que a revolução mundial começaria nos países capitalistas mais avançados, como a Inglaterra, a França e a Alemanha.

A "grande fome" de 1932/33, na Ucrania: o
stalinismo surgiu em circunstâncias dramáticas
Um governo revolucionário na Rússia seria obrigado a cumprir tarefas características da fase da acumulação primitiva do capital, como a criação de infra-estrutura básica e a industrialização do país. O justificado temor de alguns dirigentes bolcheviques era de que, assumindo tais encargos, a revolução acabasse se desvirtuando irremediavelmente.

Prevaleceu, entretanto, a posição de que a revolução russa seria o estopim da revolução mundial, começando pela tomada de poder na Alemanha. Então, alavancada e apoiada pelos países socialistas mais prósperos, a construção do socialismo na Rússia se tornaria viável.

Os bolcheviques venceram, mas seus congêneres alemães foram derrotados em 1918. A maré revolucionária acabou sendo contida e, como se previa, várias nações capitalistas se coligaram para combater pelas armas o nascente governo revolucionário. Mesmo assim, o gênio militar de Trotsky acabou garantindo, apesar da enorme disparidade de forças, a sobrevivência da URSS.

O gênio militar de Trotsky e a falta de
coordenação dos reacionários salvou a URSS
Quando ficou evidente que a revolução mundial não ocorreria tão cedo, a União Soviética tratou de sair sozinha da armadilha em que se colocara. Devastada e isolada, precisou criar uma economia moderna a partir do nada.

Nenhum ardor revolucionário seria capaz de levar as massas a empreenderem esforços titânicos e a suportarem privações dia após dia, indefinidamente. Só mesmo a força bruta garantiria essa mobilização permanente, sobre-humana, de energias para o desenvolvimento econômico. A tirania stalinista cumpriu esse papel.

A revolução nunca mais voltou aos trilhos marxistas. Como único país dito socialista, a URSS passou a projetar mundialmente seu modelo despótico, que encontrou viva rejeição nas nações avançadas. Nestas, as únicas adesões não se deveram à atuação política dos trabalhadores, mas sim às baionetas do Exército Vermelho, quando da vitória sobre o nazismo.

Tomada autêntica de poder houve em outros países pobres e atrasados, como a China, Cuba, Vietnã e Camboja. E todos repetiram a trajetória para o modelo autoritário do socialismo num só país stalinista.

AVANÇO TECNOLÓGICO x LETARGIA ECONÔMICA

Um divisor de águas: a queda do muro de Berlim. O
capitalismo vitorioso logo exibiria sua face odiosa.
Mas, a arregimentação autoritária da mão-de-obra só funcionou a contento na etapa da industrialização pesada.

Na segunda metade do século 20, a economia capitalista avançou noutra direção, a da sofisticação tecnológica, da miniaturização, da gestação sôfrega de novas manias consumistas. Informática, biotecnologia, novos materiais, novos processos.

O avanço movido a ganância, com base no talento individual, na pesquisa e na tecnologia, derrotou a economia letárgica da URSS, tornada jurássica da noite para o dia, e sua  nomenklatura  arrogante que se reservava todos os privilégios.

Comprovava-se a máxima marxista segundo a qual são os países com forças produtivas mais desenvolvidas que determinam os rumos da humanidade.

O bloco soviético desabou como uma fruta apodrecida. Seus países voltaram ao capitalismo e à democracia burguesa.

A China conseguiu manter o sistema político autoritário, à custa de mesclar a economia estatizada com a iniciativa privada. Criou o pior dos mundos possíveis: algo assim como o milagre brasileiro, com a falta de liberdade sendo aceita em função das melhoras materiais proporcionadas pelo regime (e do espírito tradicionalmente submisso dos asiáticos).

Sobrou para os idealistas do século 21 a missão de recolocar a revolução nos trilhos, para que ainda seja cumprindo o sonho original de Marx: não apenas regimes híbridos em países isolados, mas sim o planeta inteiro transformado no “reino da liberdade, para além da necessidade”, em que:
  • cada cidadão contribua no limite de suas possibilidades para que todos os cidadãos tenham o suficiente para suprirem as suas necessidades e desenvolverem plenamente as suas potencialidades; e
  • o estado desapareça, com os cidadãos assumindo a administração das coisas como parte de sua rotina e a ninguém ocorra administrar os homens, já que eles serão, para sempre, sujeitos da sua própria História.
Engendrarmos uma onda revolucionária capaz de varrer o planeta é tarefa gigantesca? É.

Mas, em relação ao século 19, há uma mudança importante: ela se tornou muito mais necessária, como alternativa à regressão -- talvez, até, à própria aniquilação -- da humanidade.

Pois, salta aos olhos que, mantida a prioridade dos interesses individuais sobre os coletivos, a exaustão de recursos naturais e as catástrofes ecológicas reduzirão drasticamente os contingentes humanos, ou os exterminarão de vez.

A opção a fazermos, como disse Norman O. Brown, agora é entre a vida numa sociedade solidária e harmoniosa, ou a morte sob o capitalismo excludente e predatório.

Mas, para que a última palavra seja otimista, prefiro os sonhos dos artistas, antenas da raça.

Assim, encerrarei com  a bela antevisão do Geraldo Vandré, de um futuro que podemos, sim, construir:, apesar de todos os percalços:  "Quem sabe o canto da gente, seguindo na frente, prepare o dia da alegria".

2 comentários:

Carlos Eduardo da Maia disse...

Numa boa, até porque eu já tive essa fé. Isso é pura religião. Acreditar que um cara no século XIX -- que foi sim um grande crítico das nuances do capitalismo daquela época -- tenha a visão quase que divina de acertar todos os prognósticos. Até quando vocês vão acreditar que a dinastia Castro, que varreu do pais milhões de cubanos, é do bem?

Fer disse...

Concordo Carlos, que alguns marxistas tornam-se quase religiosos e acabam realizando concebendo uma realidade fechada em suas análises. Mas é inevitável que Marx acertou em suas análises, exceto, talvez, no prognóstico, pois as sociedades são por demais complexas para se prever com exatidão algo. Mas as contradições estão aí, ainda não se resolveram.
E esse seu argumento de que Marx é um mero autor do século XIX, e por isso sua teoria só cabe àquela época, é um argumento inválido, uma vez que Marx é um filósofo, e como tal, chegou ao princípio do problema do capital, através da construção de uma ontologia do trabalho, e isso não é pouca coisa, por mais que o capitalismo não seja estático, seu princípio estrutural é sempre o mesmo, mercantilização de relações, pessoas e coisas, essa é sua essência, e essa é sua contradição fundamental, e é por isso que vai cair, mas não sem muita miséria, sem muita fome, sem muita luta e sem muito sangue.

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