sábado, 5 de fevereiro de 2011

VALE A PENA LER DE NOVO: "A ÉTICA É A ESTÉTICA DO FUTURO"


Quem colocou esta frase em circulação, atribuindo-a a Lênin, foi o genial cineasta Jean-Luc Godard, na década de 1960. Dado aos chistes e ao non sense, Godard pode ter sido ele próprio o autor. Pouco importa. O fato é que sintetiza bem a visão de mundo da juventude mais idealista do século passado.

Em 1968 e nos anos seguintes, tivemos as primaveras de Paris e de Praga, o repúdio universal à intervenção dos EUA no Vietnã, a resistência às ditaduras em todos os quadrantes, movimentos os mais diversos em defesa da justiça social e dos direitos das minorias, bem como a revolução de costumes conhecida como contracultura. Ventos de mudança varreram o planeta. Foi um impulso generoso, solidário, irmanando os melhores seres humanos na busca de um futuro digno para a humanidade.

Houve, portanto, um tempo em que muitos acreditaram piamente na iminência de uma sociedade na qual os relacionamentos entre os seres humanos, de tão éticos e gratificantes, iriam se tornar a realização da estética no cotidiano. Não precisaríamos mais da arte para sonhar acordados com uma beleza inexistente na vida real. O paraíso seria agora.

Depois, claro, veio a reação. E as flores foram sendo, uma a uma, arrancadas.

O capitalismo triunfante moldou o planeta à sua imagem e semelhança: competitividade, ganância, desigualdade, parasitismo, guerras inúteis, agressões insensatas ao meio ambiente, consumismo exacerbado, condenação de vastos contingentes humanos ao desemprego crônico e à miséria aviltante, degradação do pensamento, da arte e dos padrões morais.

Carlos Heitor Cony, que busca afoitamente outros privilégios mas foi privilegiado com dotes de grande escritor, escreveu em 1974 um romance profético, Pilatos. Mostra como seria um mundo em que os homens não tivessem nenhuma motivação idealista, sentimento nobre ou limites morais. Todas as suas ações visariam apenas à satisfação de apetites e de necessidades primárias.

Era um inferno mais assustador que o descrito nas religiões. E tinha tudo a ver com aquele Brasil dos yuppies enriquecidos pelo milagre econômico e das massas anestesiadas pelo tricampeonato de futebol.

Os personagens desumanizados de Pilatos lembram – até demais! – os arautos da extrema-direita remanescente da ditadura militar e os novos discípulos que formou. Infestam a internet, descaracterizaram o Orkut, tornam cada discussão política desgastante e estressante, fazendo do rancor e do retrocesso sua bandeira. O que parecia exagero literário virou triste realidade.

Há indivíduos que conspiram dia e noite para arrastar o Brasil a uma nova ditadura.

Há indivíduos capazes de escrever entusiasticamente em defesa de filmes que fazem apologia da truculência e da tortura.

Há indivíduos que se regozijam quando cidadãos exemplares são flagrados em situações equívocas, como se a grandeza do rabino Henry Sobel pudesse ser empanada pela cleptomania e a do padre Júlio Lancelotti, por ter cedido a uma chantagem sórdida.

Demonstram ódio homicida pelos rivais ideológicos, a ponto de se aproveitarem de suas debilidades humanas – quem não as tem? – para instigarem seu linchamento moral. Como Átila e Gengis Khan, só vêem os inimigos como obstáculos a serem suprimidos.

Seus textos são um deserto de ideais. Não contêm nenhum sonho, nenhuma esperança, nada que sinalize um mundo melhor. Apenas a defesa encarniçada do status quo capitalista e o combate encarniçado aos que, bem ou mal, propõem alternativas.


São contra governos, partidos e pessoas. Abominam a Declaração Universal dos Direitos Humanos. E não têm, sequer, a honestidade de seus congêneres da Espanha, adeptos de Franco, que assumiam abertamente os valores obscurantistas que professavam, ao urrarem “abaixo a inteligência, viva a morte!”.

Este artigo foi escrito há quase dois anos mas, infelizmente, permanece atual. Resolvi republicá-lo por dois motivos: 1) como uma  homenagem  aos linchadores de Cesare Battisti, cuja pequenez, desonestidade e sordidez me viram o estômago; e 2) porque me caiu a ficha de que a distopia do Cony que citei, "Pilatos", encontrou sua mais perfeita expressão televisiva... no Big Brother Brasil.

4 comentários:

joao de miranda m. disse...

Belíssimo texto, sem dúvida. Obrigado.

Júlio disse...

Pois é Celso. Os textos dos direitistas são um "deserto de idéias", e isso é bem compreensível, já que eles lutam pela manutenção da exploração. Mas é significativo o fato deles só tergiversarem e não poderem assumir abertamente suas idéias reacionárias. A batalha da legitimidade eles perderam há tempos.

Felipe disse...

Pronto, O Globo contratou Yoani para fazer um artigo mensal para falar sobre a "realidade cubana". Veremos uma falsa jornalista fazendo falso jornalismo para um falso jornal. O pior de tudo, o povo lerá e acreditará em todas as babaquices que aquela mulher disser. Essa mídia golpista não perde oportunidade!!!

Paulo disse...

"O Poeta Como Uma Voz do Seu Tempo"

Saudações,

escrevi esse poema movido pelos últimos acontecimentos no Egito. Quero compartilhar com vocês. Desculpem a pretensão do título :D


Espero por ti
noite lúcida

sei que a liberdade que trouxeres
não marcará o fim do trabalho

será mais que a lua dos amantes
e mesmo daquela vez que dançamos
encantados sob as estrelas

os olhos vão se descobrir em outros olhos

assim como eu descobri nos teus olhos
as noites do deserto.



Paulo Celso P. A. Almada

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