quinta-feira, 4 de novembro de 2010

PRAZER EM TE REENCONTRAR, COMPANHEIRA VANDA!

Sem falsa modéstia, acertei em praticamente tudo que escrevi sobre a campanha e o resultado do 2º turno da eleição presidencial.

Leitores contrariados com a derrota demotucana, entretanto, correram a me rotular de "petista", forma bem brasileira de desqualificar argumentações irrespondíveis.

No terreno minado em que se transformou o debate político na internet, não há mais espaço para nuances e sutilezas.

Caímos no maniqueísmo total: reduz-se tudo a uma disputa entre o Bem e o Mal, só diferindo o entendimento sobre quem seja o  mocinho  e quem seja o bandido.

Para veteranos de outros carnavais, entretanto, há uma infinidade de tons entre o branco e o negro. Foi assim que aprendemos a pensar a realidade e a direcionar nossas ações.

Não mudarei para satisfazer o primarismo de ninguém. Pois, mais do que êxitos, ganhos e prestígio, o que me importa é a coerência. Sou capaz de suportar a reprovação generalizada, quando intimamente sei que estou certo.

Nem imagino o que aconteceria se me sentisse um  safado -- como muitos que abriram mão dos seus ideais devem, lá no fundo, estar cientes de que são, embora finjam acreditar que  evoluíram.

Então, não me incomodei nem um pouco quando alguns me acusaram de ajudar  a direita, ao defender a posição de que cidadãos com convicções revolucionárias deveriam, no 1º turno, votar num dos quatro candidatos assumidamente anticapitalistas, e não na candidatura reformista com chance de liquidar logo a fatura.

E, como tudo confluía para (se houvesse) um 2º turno entre Dilma Rousseff e José Serra, também antecipei que, nesta hipótese, o certo seria apoiarmos a candidatura reformista contra a que, além de ser de centro-direita, englobava suspeitíssimos bolsões neofascistas.

REFORMA OU REVOLUÇÃO

Que eu me lembre, foi no final de 1968, ao redigir meu primeiro documento político mais ou menos autoral, que respondi à celebre questão colocada por Rosa Luxemburgo (reforma ou revolução) alinhando-me com os defensores da segunda, contra os esquerdistas que se conformavam com a primeira.

Para mim, não foi só uma besteirinha alinhavada para um congresso secundarista. Foi uma diretriz para a vida inteira.

Mais tarde, vim também a perceber quão insensata era a postura dos companheiros que faziam oposição meramente destrutiva às por eles chamadas  políticas econômicas burguesas, arriscando-se a atirar o Brasil numa depressão.

Ou seja, num momento de grande fragilidade econômica, sustentavam que seria bom se o caldo entornasse de vez, para as massas aprenderem na carne quão perverso é o capitalismo.

Contra esses eu argumentava que, nas crises econômicas (que eu havia estudado em profundidade para produzir uma série jornalística), a primeira coisa que acontece é o arrefecimento da combatividade dos trabalhadores.

Temerosos de perder o emprego numa época de vacas magras, eles, em sua maioria, abdicam de reivindicações, desertam dos sindicatos e enfiam a cabeça na areia.

Então, eu concluía, seria suicídio contribuírmos para o agravamento de qualquer recessão, além de uma desumanidade em relação aos humildes, que são sempre os que mais sofrem.

Dessa polêmica me veio a certeza de que o "quanto pior, melhor" não deve ter lugar nas lutas políticas e sociais.

Lembrei-me de haver lido, em Isaac Deutscher, que a democracia alemã fora detonada pelo ataque conjunto da direita e da esquerda: os comunistas, qualificando os socialistas de "sociais-fascistas", ajudaram Hitler a varrê-los do poder.

Acreditavam que, alijados os  intermediários, no confronto aberto com o  verdadeiro inimigo  levariam a melhor.

Mas, perderam. E, com sua aposta insensata, pavimentaram o terreno para os horrores da 2ª Guerra Mundial.

Lera sem muita atenção este relato. Mas, minhas próprias opções me levaram a perceber, posteriormente, sua enorme importância. Trata-se de um erro que jamais deveremos repetir.

Assim, no 2º turno, coloquei-me vigorosamente contra o retrocesso, enfatizando os riscos que a democracia brasileira correria na eventualidade de um governo com forte presença do DEM (herdeiro dos  arenosos  apoiadores da ditadura), um vice ultradireitista como o ìndio da Costa e uma relação pouco clara com as correntes virtuais neofascistas.

Isto incomodou aquelas tendências de esquerda que colocam o lulismo praticamente no mesmo plano dos inimigos capitalistas.

Fazer o quê?! Toquei minha caravana adiante. 

CIVILIZAÇÃO x BARBÁRIE

Na antevéspera da votação, com a certeza da eleição de Dilma, antecipei a postura a ser adotada no day after:
"[Dilma} já conseguiu evitar o retrocesso, parabéns!

"Torçamos para que ela seja igualmente bem sucedida em deslanchar o avanço, com determinação e ousadia".
Tornei mais clara ainda esta idéia no domingo da vitória:

"Torço para que a Dilma saiba aproveitar seu grande momento, não sendo apenas uma estátua de Davi, mas sim a aguerrida companheira que:
  • como Chaplin, queria chutar o traseiro dos ociosos;
  • como Cristo, trouxe uma espada para combater a injustiça; e
  • como Marx, pretendia proporcionar a cada trabalhador o necessário para a realização plena como ser humano".
Trocando em miúdos, com seus oito anos de políticas cautelosas, Lula melhorou a vida dos humildes e fez jus à sua gratidão.

Agora, com nossa economia deslanchando como não se via desde os melhores anos do  milagre brasileiro, Dilma pode desarquivar algumas propostas originais do PT que ficaram para trás, à espera de melhor oportunidade.
Tal oportunidade chegou e, se ela a aproveitar, desempenhará um papel de primeira grandeza na História escrita pelos explorados e oprimidos, que é bem diferente da História oficial.

Em sua primeira coletiva à imprensa, houve um momento mágico em que Dilma recolocou os valores humanitários no centro das decisões políticas, descartando o pragmatismo amoral:
"Mesmo considerando usos e costumes de outros países, continua sendo bárbaro o apedrejamento da Sakineh".
Sim, chega dessa relativização obscena que o Itamaraty vinha adotando em questões, estas sim, sem meio termo possível: ou se está ao lado dos homens, ou ao lado das bestas-feras!

A esquerda tem de voltar a alinhar-se, decidida e incondicionalmente, à civilização, contra a barbárie. Só assim tocará de novo os corações e mentes, atraindo para seu campo os melhores seres humanos -- aqueles que são movidos pela esperança num mundo melhor e disposição de contribuir para seu advento.

À Dilma que proferiu tal frase eu dou um voto de confiança: fez-me lembrar a vibrante companheira que conheci nos idos outubro de 1969, durante o Congresso de Teresópolis da VAR-Palmares.

Posso ser um incorrigível sonhador, mas espero sempre o melhor das pessoas.

Então, até prova em contrário, prefiro acreditar que, lá no fundo, sem  dar bandeira  porque isso em nada facilitaria sua jornada, Dilma ainda é Vanda -- e não um ex-Gabeira qualquer.

E mais Vanda será se a ajudarmos a ser Vanda.

6 comentários:

Anônimo disse...

Por que Vanda?

Não entendi. O nome não é Dilma VANA Rousseff?

celsolungaretti disse...

Vanda foi um dos codinomes que ela usou nas organizações armadas.

Sinceramente, não me lembro se era este o que ela estava adotando no Congresso de Teresópolis.

Mas, até onde consegui apurar, pertence à mesma época. Há boa chance de ser assim que a conheci.

IV Avatar disse...

Acusado de torturar Dilma sofre ação do MPF

Por: João Peres, Rede Brasil Atual

Publicado em 04/11/2010, 12:20

Última atualização às 15:45

São Paulo – Quatro militares acusados de envolvimento em desaparecimentos e torturas sofrem, a partir desta quinta-feira (4), ação que pede a responsabilização pelos atos. O Ministério Público Federal em São Paulo quer a declaração de responsabilidade civil dos ex-integrantes da Operação Bandeirante (Oban), órgão de repressão da ditadura militar (1964-85).

Como, por enquanto, não há possibilidade de implicação penal, a ideia é que os possíveis réus sejam condenados a pagar indenização à sociedade, percam as aposentadorias e ajudem a União a cobrir os gastos de indenizações a vítimas.

Os procuradores apontam o envolvimento dos militares reformados das Forças Armadas
Homero Cesar Machado, Innocencio Fabricio de Mattos Beltrão e Maurício
Lopes Lima e do capitão reformado da Polícia Militar de São Paulo, João Thomaz, em 15 casos.

Informações mantidas em arquivos públicos e depoimentos de militares levaram a concluir a participação de Lima na tortura da presidente eleita do Brasil, Dilma Rousseff, detida no Presídio Tiradentes, em São Paulo. Além disso, o grupo atuou no sequestro de Virgílio Gomes da Silva, o comandante Jonas, que liderou em 1968 o sequestro do embaixador dos Estados Unidos, Charles Elbrick.

Os procuradores lembram na ação que os militares participaram da tortura da família de Jonas, detida no dia seguinte à morte do integrante da Aliança Libertadora Nacional (ALN). Como relataram os familiares em entrevistas dadas neste ano à Rede Brasil Atual, os filhos de Jonas eram levados de casa em casa na busca de uma família que os quisesse adotar. Ilda Gomes da Silva, esposa do militante, ficou detida durante meses e incomunicável com os filhos, inclusive com a bebê de quatro meses. De acordo com a ação do MPF, até mesmo a menina Isabel foi torturada com aplicação de choques elétricos na presença de Ilda.
Supremo

Este ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que a Lei de Anistia vale também para torturadores, o que exclui a possibilidade de condenação penal. Na leitura da maioria dos ministros do STF, o texto aprovado em 1979 foi fruto de um amplo acordo da sociedade.

Há, no entanto, uma possibilidade de invalidar a decisão. A Corte Interamericana de Direitos Humanos deve se pronunciar até o fim deste ano a respeito de ação movida por organizações da sociedade civil. Tendo em vista a definição da Corte em casos anteriores, imagina-se que será determinado ao Brasil o cumprimento de acordos internacionais que visa à reparação dos danos provocados pelo Estado.
A Rede Brasil Atual apresentou este ano uma série de reportagens sobre a tentativa de identificação de restos mortais de desaparecidos da ditadura militar.

Leia também:
» Ditadura: familiares esperam resgate de ossos em Vila Formosa
» “Não tem por que tocar neste assunto”, diz ex-chefe do Serviço Funerário
» 'Enterro sem corpo' de vítima da ditadura é símbolo da necessidade de buscas por corpos
» Corpo de comandante de sequestro de embaixador dos EUA está em Vila Formosa

http://www.redebrasilatual.com.br/temas/cidadania/acusado-de-torturar-dilma-sofre-acao-do-mpf

Tania Gomes disse...

Olha, é muito lindo o título do seu texto e olha que nasci uma semana depois do golpe. Então imagino a emoção de centenas de vocês que viveram esse momento tenebroso da nossa história tão recente e foram covardemente perseguidos, torturados e humilhados; nossos verdadeiros heróis. Estamos vivendo um momento histórico, me atrevo a dizer que talvez mais importante que a eleição de Lula, ou tanto quanto, e concordo plenamente com o pensamento (posicionamento). O nosso medo era somente levar a eleição para o segundo turno e por causa do jogo baixo e desigual, acabar perdendo para a farsa travestida de candidato!

Abraços!

Anônimo disse...

Obrigada, Celso!

Ela usava o codinome Estela também, não?

celsolungaretti disse...

Os nomes-de-guerra citados por aí são Vanda, Luísa e Estela. Daí minha dificuldade em estabelecer qual era o que ela estava usando em outubro/1969.

Lembrar seria mais difícil ainda. Aquele congresso teve uns 35 participantes. Tanto tempo depois, só me recordo do que foi mais marcante.

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