quinta-feira, 10 de junho de 2010

2010: RITO DE PASSAGEM OU MAIS DO MESMO?

Expectativa frustrada: o mundo não verá um confronto destes artistas da bola.
A Copa do Mundo da África do Sul será a 19ª em 80 anos de disputas pela primazia do futebol mundial. Ficaram faltando as de 1942 e 1946, canceladas por causa da II Grande Guerra.

O esporte mais popular do planeta é também um dos mais seletivos: apenas sete países conquistaram o título até agora, dos 76 que alguma vez superaram a barreira das eliminatórias.

E mesmo os integrantes dessa elite são desiguais.

Forças permanentes do futebol mundial têm sido o Brasil (campeão de 1958, 1962, 1970, 1994 e 2002); a Itália (1934, 1938, 1982 e 2006) e a Alemanha (1954, 1974 e 1990). Estes começam cada competição com ares de favoritos.

A Argentina ganhou uma em casa (1978) e outra fora (1986). Geralmente não apresenta um desempenho à altura dos craques que tem, mas é sempre uma incógnita; nunca se sabe quando repetirá os lampejos maravilhosos da Copa do México, quando Maradona fez o mais belo gol de todos os Mundiais (o segundo contra a Inglaterra, quando avançou com a bola desde o seu campo até a área inimiga).

A França (1998) segue os passos da Argentina. Pode depender de gol irregular para chegar ao Mundial (como ocorreu desta vez); deixar escapar entre os dedos, por ingenuidade, Copas que deveria ganhar (como a de 1982, quando foi flagrantemente garfada na semifinal contra a Alemanha, e a de 2006, na qual foi bem
menos pior do que a Itália); e, quem sabe, algum dia encontrar o equilíbrio entre seu futebol vistoso e a força interior que um vencedor precisa ter.

A Inglaterra (1966) ganhou mal e porcamente em casa, sendo a Seleção mais beneficiada por um erro de arbitragem em todas as finais até hoje disputadas: seu gol decisivo, na prorrogação contra a Alemanha, simplesmente não aconteceu (a bola, após se chocar com o travessão, quicou visivelmente fora do gol). De resto, só um quarto lugar em 1990 e o mérito de ter endurecido três vezes as partidas contra o campeão Brasil (em 1958, 1970 e 2002).

Finalmente, o Uruguai (1930 e 1950) venceu a primeira em casa, numa época em que a duração da viagem marítima afugentava os europeus, os quais mandaram só quatro Seleções para competir com as nove das Américas); e a segunda na raça, tendo como únicos destaques um capitão lendário (Obdulio Varela) e um ponta hábil (Gighia). Já foi campeão mas, ultimamente, entra sempre como azarão, o que se repete na África do Sul, após ter ido buscar a vaga na bacia das almas (repescagem).

Qual poderá ser o oitavo país a conquistar um Mundial?

Alguma nação africana, cumprindo a profecia que quase todos comentaristas esportivos fazem desde 1990 (quando Camarões fez bela campanha até as quartas de final), mas nunca se concretiza?

A Espanha, na qual muitos apostam, confiantes de que desta vez mudará a escrita de que sua seleções não repetem a excelência de seus times? Craques estrangeiros como Puskas, Di Stefano, Romário, Ronaldinho Gaúcho e Messi têm garantido a grandeza do Real Madrid e do Barcelona, ao mesmo tempo que embotam a afirmação dos talentos nativos. Então, os dois grandes espanhóis conquistaram 12 vezes a Copa dos Campeões da Europa, à frente dos clubes da Itália (11), Alemanha (6) e Inglaterra (11), mas tais nações já ganharam oito Mundiais da Fifa e a pátria de Cervantes, nenhum.

A Holanda, que ensaia repetir a
laranja mecânica com que deslumbrou o mundo em 1974, revolucionando as armações táticas do futebol?

Sem me arvorar num Nostradamus ludopédico, os meus favoritos são os usuais: Alemanha, Argentina, Brasil e Itália. Com a
patriamada provavelmente (certamente?) contando com a vantagem de ter a seu lado a apaixonada torcida africana. Quem se lembra da luta entre Muhammad Ali e George Foreman no Zaire, sabe do que estou falando.

O Brasil levará a responsabilidade de desfazer a má imagem de 2006, quando, após transpor facilmente as eliminatórias, venceu como quis os
galinhas mortas (Japão, por 4x1; e Gana, 3x0) e encontrou dificuldades excessivas contra Croácia (1x0) e Austrália (2x0), para desabar nas quartas-de-final.

Dessa vez, não teve sequer a desculpa de haver enfrentado uma grande Seleção francesa, como as regidas por Platini em 1986 e Zidane em 1998.

E o que mais chocou os brasileiros foi a apatia demonstrada pela Seleção de Carlos Alberto Parreira durante o jogo todo. Mais: a resignação com que os brasileiros aceitaram a derrota, após sofrerem o único gol aos 12 minutos do 2º tempo. [Que diferença do esquadrão de 1982, que lutou até o fim e quase empatou num dos últimos lances, quando Dino Zoft fez defesa dificílima em cabeçada de Oscar!]

Antes e depois do tento de Henry, foram os franceses que criaram as melhores oportunidades. Então, é pouco relevante a polêmica sobre quem o deveria estar marcando: se Roberto Carlos (acusado por Galvão Bueno de arrumar a meia no momento fatal) ou outro (conforme alega o acusado, sem dar nome ao boi). Só pobres de espírito recorrem a bodes expiatórios para justificar derrotas merecidas.

Tudo leva a crer que não ocorrerá novo ataque de pasmaceira em 2010; sob o comando marcial de Dunga, o Brasil venderá caro a derrota, se ela vier.


Em contrapartida, quem se inclina por trombadores como Júlio Baptista, desprezando o talento fulgurante de um Ronaldinho Gaúcho, flerta com a derrota.

Principalmente se cruzar com a Argentina... e se o talento fulgurante de Messi fizer a diferença na Copa, como faz no Barcelona.
P.S. 1 - Na traumática derrota de 1950, os dois gols uruguaios nasceram de cruzamentos de Gighia.

E, no
day after, a grande discussão era se o truculento lateral Bigode lhe dera tanta liberdade porque os cartolas haviam recomendado que pegasse leve ("o mundo inteiro estará acompanhando") ou por ter recebido um tapa na cara do capitão adversário Obdulio Varela, na primeira falta dura que cometeu sobre Gighia.

O certo é que Obdulio foi fundamental para extrair até a última gota de suor dos uruguaios, berrando com eles e mostrando-lhes a camisa. O Brasil criava lances agudos em sucessão impressionante, mas, graças à sorte e à superação, os extenuados defensores foram evitando o gol de empate.

Obdulio era um grande homem. Não só passou o resto da vida negando ter dado o tapa que o Maracanã inteiro viu, como teve uma reação extremamente digna num episódio posterior. Os futebolistas uruguaios entraram em greve e pediram o apoio do seu lendário capitão, que disse não estar interessado.

Mas, o principal cartola do país deitou falação à imprensa, de que a greve era tão equivocada que até Obdulio se recusara a participar. Irritadíssimo por terem invocado seu nome em vão, ele foi até uma reunião dos jogadores, assumiu o comando da greve e a levou à vitória.

P.S. 2 - Na Copa de 1954, a Hungria mostrava, de longe, o melhor futebol. Aí, numa partida em que ambas já entraram em campo classificadas para a fase seguinte, a Alemanha escalou seus reservas para serem triturados pelos húngaros: 8x3. Coincidência ou não, o craque Puskas se contundiu e suas más condições físicas facilitariam depois a vitória alemã na final contra a Hungria. Se foi intencional, constituiu-se no maior exemplo de falta de esportividade em 18 Mundiais, perdendo até para o massacre que Pelé sofreu (e o árbitro consentiu) no Brasil x Portugal de 1966.

P.S. 3 - E, por falar em falta de esportividade, é simplesmente intragável ouvir Galvão Bueno torcendo no ar para que os adversários seguintes do Brasil sofram desfalques (contusões e cartões) na partida da véspera. O espírito de vencer a qualquer custo e de qualquer jeito, infelizmente, é também dos torcedores brasileiros, como constatei em 1974, no dia posterior ao baile que levamos da Holanda de Cruyff. Estava na Praça da Sé, centro de São Paulo, quando espalhou-se o boato de que os holandeses seriam desclassificados por doping. Todos os transeuntes queriam acreditar, houve júbilo, abraços trocados entre estranhos, só faltou soltarem fogos...

P.S. 4 - Ainda em 1974, houve um dos episódios mais anedóticos entre jogadores brasileiros. Disputando o 3º lugar contra a Polônia, o Brasil começou a sofrer contra-ataques agudos pela lateral esquerda. Marinho Bruxa, que deveria marcar o perigosíssimo Lato, estava sempre subindo para o ataque e deixando uma avenida às suas costas. O goleiro Leão duas vezes lhe pediu que guardasse a posição, recebendo palavrões como resposta. Na terceira avisou: "se sair gol, vou te pegar de pau". Dito e feito: o desmarcado Lato assinalou o único tento da partida. Jogo terminado, Marinho saiu correndo para o vestiário e se trancou no banheiro. Para sorte dele, o furibundo Leão não conseguiu arrombar a porta...

P.S. 5 - O monopólio da Globo na transmissão de competições esportivas. chegou ao auge em 1982, quando as concorrentes foram impedidas de transmitir até o Mundial. Depois de vãs tentativas de furar o bloqueio, a Rede Record deu uma resposta inteligente: como seu locutor Sílvio Luiz estava na crista da onda, ela fez campanha para que os torcedores tirassem o som da TV e ligassem o rádio, para escutarem a transmissão de SL em estilo televisivo. Funcionou, foi enorme o contingente dos que assim procederam. De quebra, o canal monopolista ficou com fama de pé frio, pois ficara com a exclusividade das imagens... da derrota.

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