Aos 12 anos, na 2ª série ginasial, eu tinha tanta facilidade em solucionar questões matemáticas quanto dificuldade em lidar com a estranha lógica da química e da música.
Então, como uma alfinetada à professora de Canto, copiei certa vez na contracapa do caderno de música o prefácio de O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde - cujo significado, aliás, eu estava longe de entender.
Queria apenas que ela lesse a última frase, "toda arte é completamente inútil", pois eu considerava suas aulas uma completa inutilidade.
Quanto ao livro em si, o que me fascinava mesmo era o tema do pacto com o demônio. Eu tinha fascínio pelo fantástico e o sobrenatural. Nem remotamente imaginava a que Wilde estava querendo aludir com aquela história bizarra.
E, na minha ignorância juvenil, escapava-me também o significado de dois versos que, entretanto, me chamaram a atenção:
De certa forma, eu mesmo agia como Calibã, ao considerar inútil o aprendizado musical apenas porque não conseguia diferenciar um dó de um fá. Quebrava o espelho como reação às minhas limitações.
Foi o que me veio à mente, ao ler que o presidente venezuelano Hugo Chávez considerou "lixo puro" o relatório divulgado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, cujo relator foi Paulo Sérgio Pinheiro.
Por que? Porque nele se constata que não existe equilíbrio de poderes na Venezuela, mas sim a ascendência do Executivo sobre o Legislativo e o Judiciário; e que veículos da imprensa sofrem perseguições.
Ora, isto é tão óbvio quanto a feiúra de Calibã. Quebrar espelhos só coloca em maior evidência esses fatos.
E o cientista político Paulo Sérgio Pinheiro, recentemente eleito pela Comissão de Mortos e Desaparecidos do Ministério da Justiça como representante da sociedade civil no grupo de trabalho encarregado de preparar o anteprojeto de lei da Comissão Nacional da Verdade, é um exemplo inatacável de dignidade e idealismo, sempre colocando seu brilho intelectual a serviço das causas justas. Uma unanimidade.
Então, não posso calar quando Chávez trata de maneira tão insultuosa seu relatório e qualifica de "máfia" a Comissão à qual pertence.
Paulo Sérgio Pinheiro fez por merecer o respeito dos melhores brasileiros e deve ser por eles desagravado neste episódio, independentemente de quaisquer outras considerações.
Não vivemos mais nos sinistros tempos da guerra fria, quando tantos calavam a voz de suas consciências por temerem ajudar indiretamente o inimigo.
Rosa Luxemburgo é quem estava certa: "a verdade é revolucionária". Sempre.
Por último: deixo igualmente registrado meu inconformismo com o tratamento desumano que os presos políticos recebem em Cuba, causa última da morte de Orlando Zapata, e com a frase extremamente infeliz de Marco Aurélio Garcia, ao relativizar o ocorrido alegando que "há problemas de direitos humanos no mundo inteiro".
Então, como uma alfinetada à professora de Canto, copiei certa vez na contracapa do caderno de música o prefácio de O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde - cujo significado, aliás, eu estava longe de entender.
Queria apenas que ela lesse a última frase, "toda arte é completamente inútil", pois eu considerava suas aulas uma completa inutilidade.
Quanto ao livro em si, o que me fascinava mesmo era o tema do pacto com o demônio. Eu tinha fascínio pelo fantástico e o sobrenatural. Nem remotamente imaginava a que Wilde estava querendo aludir com aquela história bizarra.
E, na minha ignorância juvenil, escapava-me também o significado de dois versos que, entretanto, me chamaram a atenção:
"A aversão do século XIX pelo realismo é a raiva de Calibã ao ver seu rosto no espelho."Pouco me interessara por Shakespeare e nada sabia de sua Tempestade, na qual aparece o personagem do monstro disforme, filho da bruxa Sicora, que se horroriza ao ver a própria face no espelho.
"A aversão do século XIX ao romantismo é a raiva de Calibã por não ver seu rosto no espelho."
De certa forma, eu mesmo agia como Calibã, ao considerar inútil o aprendizado musical apenas porque não conseguia diferenciar um dó de um fá. Quebrava o espelho como reação às minhas limitações.
Foi o que me veio à mente, ao ler que o presidente venezuelano Hugo Chávez considerou "lixo puro" o relatório divulgado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, cujo relator foi Paulo Sérgio Pinheiro.
Por que? Porque nele se constata que não existe equilíbrio de poderes na Venezuela, mas sim a ascendência do Executivo sobre o Legislativo e o Judiciário; e que veículos da imprensa sofrem perseguições.
Ora, isto é tão óbvio quanto a feiúra de Calibã. Quebrar espelhos só coloca em maior evidência esses fatos.
E o cientista político Paulo Sérgio Pinheiro, recentemente eleito pela Comissão de Mortos e Desaparecidos do Ministério da Justiça como representante da sociedade civil no grupo de trabalho encarregado de preparar o anteprojeto de lei da Comissão Nacional da Verdade, é um exemplo inatacável de dignidade e idealismo, sempre colocando seu brilho intelectual a serviço das causas justas. Uma unanimidade.
Então, não posso calar quando Chávez trata de maneira tão insultuosa seu relatório e qualifica de "máfia" a Comissão à qual pertence.
Paulo Sérgio Pinheiro fez por merecer o respeito dos melhores brasileiros e deve ser por eles desagravado neste episódio, independentemente de quaisquer outras considerações.
Não vivemos mais nos sinistros tempos da guerra fria, quando tantos calavam a voz de suas consciências por temerem ajudar indiretamente o inimigo.
Rosa Luxemburgo é quem estava certa: "a verdade é revolucionária". Sempre.
Por último: deixo igualmente registrado meu inconformismo com o tratamento desumano que os presos políticos recebem em Cuba, causa última da morte de Orlando Zapata, e com a frase extremamente infeliz de Marco Aurélio Garcia, ao relativizar o ocorrido alegando que "há problemas de direitos humanos no mundo inteiro".
7 comentários:
A mídia corporativa é a maior arma do capitalismo. Toda ação de qualquer organismo institucional leva em conta primeiramente os interesses do capital. Li e vi vários livros e filmes sobre a tal Venezuela chavista.
Gostar ou não do Chávez é da consciência de cada um. Mas essa verdade revolucionária indica também que os meios(privados) de comunicação da Venezuela estão entre os mais livres do planeta. A ponto de planejar e orquestrar golpes contra um governo que, seja bom ou ruim, foi escolhido pelo povo.
E por que não reclamar os direitos humanos dos cidadãos venezuelanos que foram abatidos por franco-atiradores em 2002?
Cadê o histerismo da mídia corporativa em relação aos cinco cubanos presos(incomunicáveis) nos EUA só porque são suspeitos de espionagem? São menos humanos só porque defendem o regime do seu país?
A hipocrisia só é maior do que o cinismo.
Desculpe-me, mas a Venezuela tem, isto sim, uma das imprensas mais pressionadas do planeta.
Eu sempre digo: revolucionário assume o que faz e só faz o que está disposto a assumir.
Se o Chávez reconhecesse que não há absolutamente nada de errado com o relatório do Paulo Sérgio Pinheiro, justificando essas pressões ao invés de negá-las, eu o respeitaria mais.
Procedendo como procede, insulta a minha inteligência e insulta um cientista político digno e exemplar como o Paulo Sérgio Pinheiro.
Acima de quaisquer outras considerações, coloco-me sempre ao lado da verdade.
Celso, se você preza mesmo pela verdade, saiba que quem o Chávez xingou de 'excremento puro' foi Santiago Cantón.
Luis Henrique
Celso, tive acesso a vídeos de programas vezenuelanos e te digo que quem reclama(eu também) do tratamento preconceituoso da mídia em relação ao Lula ia ficar mais conformado.
Num deles apresentadores acusavam o Chávez de ter um caso amoroso com Fidel, o que justificaria sua aproximação com Cuba e por aí vai. Isso tude em rede nacional.
No Brasil, apesar de gente como o Jabor ter vontade de dizer isso, ainda não ousaram tanto.
O coração do capitalismo é a mídia corporativa. De lá são bombeadas todas as veias que dão vida a esse sistema monstruoso.
Wilson, falei de pressões, incontestáveis, e não de censura, que aparentemente não há.
Luís Henrique, releia o artigo: Chávez depreciou o relatório do Paulo Sérgio Pinheiro como um "lixo puro", elaborado por uma comissão que seria verdadeiramente uma "máfia".
Não fiz nenhuma referência a essa outra grosseria, pois não defendo quem não conheço.
Quanto ao Paulo Sérgio Pinheiro, a ele defendo até o fim. É um homem digno e sofreu uma acusação infame.
Lembrei-me do promotor dos julgamentos de Moscou, qualificando bolcheviques de uma vida inteira de "cães danados".
Continuando achando que Zapata não é preso politico...
Só um detalhe. O xingo contra Santiago Cantón não se justifica. É um dos funcionários da CIDH da OEA que mais interesse tem mostrado pela violação dos DH no Brasil, incluindo a prisão de Battisti. É claro que não é um ativista devotado como Paulo Sérgio, mas está longe de ser um "mafioso" como sugere Chávez. Essa política de confronto desnecessário é muito nociva. Já temos confrontos demais
Fraternalmente
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