quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

NÃO AGUENTO MAIS

Uma velha máxima do jornalismo diz que notícia não é quando um cachorro morde um homem, mas se um homem morder o cachorro.

Foi o que aconteceu num hospital público de Ivinhema, no Mato Grosso do Sul.

Nunca ouvi falar nesse município. Abrigará o Rancho Fundo, bem pra lá do fim do mundo?

O certo é que uma mulher de 32 anos estava para dar à luz, os pré-natais não indicavam problemas e ela entrou saudável na sala cirúrgica.

O médico que fizera todo o acompanhamento prévio já havia aplicado o medicamento para induzir contrações e dilatação, pois o parto seria normal.

Chegou o plantonista e reivindicou a primazia. Disse que cabia a ele conduzir os procedimentos.

O outro médico não se conformou e os dois saíram na porrada, chegando a rolar no chão.

A parturiente ficou histérica, além de exposta, nua, aos olhares da turma do deixa disso.

Depois do bafafá, um terceiro médico fez cesárea, mas o bebê nasceu morto.

Médicos existem para salvar nenês, mas causaram a morte deste. O homem mordeu o cachorro.

Correndo o risco de ser tido pelos leitores como um velho saudosista, vou confessar que sonho com um mundo bem diferente, solidário e justo, mas não deixo de sentir uma ponta de nostalgia dos meus tempos de criança, quando os médicos eram fiéis ao juramento de Hipócrates.

Quando os professores sentiam-se responsáveis não só pela instrução de seus alunos, mas por prepará-los para serem bons cidadãos.

Quando os juízes não se deixavam subornar pelos poderosos e eram respeitados pela comunidade.

Quando o vendeiro era amigo da clientela e não a induzia a más compras.

Quando os farmacêuticos indicavam o remédio correto para quem não podia pagar ou não tinha tempo para ir ao médico.

Quando os policiais eram bem educados e cumpriam civilizadamente a lei...

Aí veio o capitalismo pleno e a afabilidade foi detonada pela ganância, os brasileiros cordiais substituídos pelos brasileiros canibais.

Não aguento mais percorrer lojas enormes sem nenhum vendedor para assessorar a compra, tendo de caçar funcionário que dê informações (e quase sempre ele chama outro, que nada sabe também, aí se descobre que o item em questão não está mesmo nas prateleiras, mas pode ser que exista no depósito, etc., de forma que a compra leva uma eternidade porque os estabelecimentos hoje operam com um terço do pessoal que seria necessário para atender dignamente os clientes...).

Não aguento mais ver policiais militares revistando jovens malvestidos aos berros e pescoções, apenas por suspeitarem deles. Fico me lembrando da distinta e respeitável Guarda Civil dos anos 50, que tratava a todos como cidadãos e não como inimigos. Aí militarizaram o policiamento urbano e a truculência virou norma.

Não aguento mais percorrer os bairros pobres e constatar que, na principal cidade brasileira, continuam existindo córregos a céu aberto que passam no meio da rua, onde as crianças caem para ser contaminadas pelo esgoto; onde os coitadezas vão acrescentando um novo andar a seus casebres cada vez que a família aumenta, até que aquela construção irregular e insensata desaba como pedras de dominó.

Não aguento mais ver os veículos de comunicação, com os repulsivos BBB's, emburrecendo suas vítimas a um ponto que nem mesmo Sérgio Porto acreditaria ser possível, quando apelidou a TV de "máquina de fazer doido".

Não aguento mais viver no inferno pamonha do capitalismo agonizante, que esgotou o que tinha de positivo para oferecer e agora sobrevive parasitariamente, destruindo tudo que há de saudável, nobre e belo na existência humana.

5 comentários:

Miriam disse...

Só que a gente aguenta, sim. Por causa da tal responsabilidade, seja com o mundo, seja com nós mesmos. Além do mais, mesmo em outras épocas nem tudo eram flores, e, se temos impressão de que tudo piora, não deixa de ser apenas impressão. Eu acredito, porque não posso prescindir de esperança, na evolução da humanidade. Por isso é que venho ler o seu blog.

SARGENTO LAGO disse...

Embora considere você um jornalista brilhante, acho que vou parar de comentar no seu blog, senão podem acabar me confundindo com os militares da época da repressão, sem entenderem que exerço minha liberdade de expressar opinião e que tenho a intenção de repercutir o seu texto.

Vou externar publicamente o que já te disse. Te considero uma pessoa admirável, mas quando tem uma oportunidade (quase sempre arruma uma) de incluir a polícia no seu texto, o faz para criticá-la.

Pare com isso Celso, você é muito competente para repetir as atitudes dos medianos.

Quando tiver um motivo real, critique sim, não se cale, mas não o faça apenas em cima de sentimentos revanchistas.

A avaliação que você faz da Guarda Civil dos anos 50 deve ser feita também da sociedade daquela época. Tínhamos, por exemplo, notícias de torcedores que iam aos estádios de futebol para brigarem até que alguém morresse?

O policial revista pessoas. Se bem ou mal vestidas, não é dele a competência para mudar isso. Agora, pescoções e berros, pode até ser que a necessidade exija (cada caso é um caso), mas não é o padrão da polícia que trabalhei.

Todos são tratados como cidadãos - isso independe de nossa característica militar - e os nossos inimigos são os mesmos da sociedade, os criminosos.

Quando falamos da polícia, Lungaretti, não falamos apenas de uma instituição. Aliás, ela pouco sofre com esses ataques, mas de homens e mulheres que estão lá ganhando com dificuldade, porém com honradez, o sustento das suas famílias.

Criticá-los a exaustão - sem apresentar uma solução eficaz que possa mudar o sistema - é apenas contribuir para o seu desestímulo e ainda fortalecer a má vontade do governo em relação a melhores condições de trabalho a eles (com a anuência da sociedade que não fará pressão).

Não tenho a intenção e nem condições de ser o seu crítico, mas não posso me calar.

Os esforços tem sido grandes no sentido de melhorar a polícia, contudo, para manter a ordem não depende só dela.

Caso queira, me prontifico a levá-lo para conhecer a nossa polícia e saber como são formados os novos policiais, quais os ensinamentos que recebem e a filosofia da instituição. Tenho certeza de que a sua crítica vai ser menos abrangente.

Grande abraço.

celsolungaretti disse...

Lago,

seus comentários, desde que incondicionais, serão sempre bem-vindos.

No entanto, convém termos claro que estamos mantendo relações cordiais como dois indivíduos, e não como representantes respectivos da esquerda e da Rota. A distância entre esses dois universos é maior do que a existente entre nós.

Também estranhei que, sendo artista, você não tenha percebido como trabalho meus textos.

Nunca tenho um plano de voo definido quando começo a escrever. Um assunto me atrai e eu o vou aprofundando. Cada parágrafo puxa outro.

Então, sinceramente, nem de longe era minha intenção abordar o assunto Guarda Civil x PM. Foi algo que me ocorreu, talvez, por ter presenciado alguns episódios chocantes, que me revoltaram.

Gosto muito de caminhar pela cidade e não me restrinjo aos bairros elegantes. Então, umas três ou quatro vezes vi PM's revistando e exigindo documentos de office-boys e motoboys, de forma arrogante e atrabiliária.

Chutando seus pés para que abrissem mais as pernas, com as mãos na parede. Fazendo pouco caso de suas respostas. Dando-lhes empurrões. Ameaçando-os de levá-los presos. Enfim, intimidando-os e humilhando-os de forma inadmissível.

Não tenho motivos para duvidar de sua palavra, quando você diz que não são essas as orientações que eles recebem. Mas, infelizmente, é assim que (alguns? muitos?) agem quando tomam suas próprias decisões.

Então, como conheci a antiga Guarda Civil, a comparação se produziu quase automaticamente.

Aliás, tem tudo a ver. Foi por imposição do regime militar que a Guarda Civil e a Força Pública se fundiram na PM, em abril de 1970, no auge do terrorismo de estado.

Na prática, tratou-se de uma absorção da Guarda Civil pela Força Pública, militarizando-se todo o policiamento das cidades.

Muitos especialistas no assunto (não necessariamente de esquerda) lamentaram a medida, prevendo que a violência policial aumentaria. Dito e feito.

Na minha humilde opinião, o "status quo ante" era bem melhor: uma polícia mais discreta e sutil para efetuar o policiamento preventivo e outra militarizada, para trocar tiros com bandidos.

Colocadas ambas na mesma corporação, fica mais difícil para os civis separarem a tropa de choque do policiamento escolar. Qualquer evento traumático acaba impregnando a imagem de ambos.

Nos anos 50/60, a Guarda Civil era estimada pelo cidadão comum e a Força Pública, temida.

Não tenho dúvidas de que cumpriam melhor suas respectivas missões assim.

Abs.

Haroldo M. Cunha disse...

Celso, nem tanto ao céu, nem ao inferno. Vocês dois têm motivos para escreverem o que escreveram (e você, de sobra!). Sou amigo de vários policiais militares aqui na minha cidade (RJ) e o que presenciam na TV acontece sim, mas o sargento Lago também tem seus representantes qui no Rio. Dentre esses meus amigos pm's, alguns possuem curso universitário (Direito, Matemática, Educação Física e até Psicologo) feitos com muito custo, pois o sargento sabe como é difícil para um soldado conseguir fazer uma universidade. Além das difuldades naturais com seus horários, ainda têm que 'lutar' contra alguns oficiais linha dura que não admitem homens com dicernimento no andar de baixo. Sargento, entendo o Celso, ela fala com um pouco de saudades, nada contra a corporação, mas uma coisa é certo: polícia é polícia, militar é militar e eles têm que voltar a serem o que eram.

Anônimo disse...

Caro Celso, ser PM não é fácil, imagine trabalha em um batalhão em que anualmente morrem assasinatos 5 ou 10 colegas, essa é a realidade aqui no Rio.

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