Mas, o acompanhamento atento da política há quatro décadas e meia, além do exercício do jornalismo profissional durante 34 anos, aguçaram meu faro. Sei distinguir bem o aroma de perfume do fedor da carniça.
Então, desde o primeiro momento, senti que a razão estava do lado de D. Flavio Cappio, na polêmica da transposição das águas do rio São Francisco.
Talvez por conhecer muito bem os megaprojetos e os interesses neles embutidos: trabalhando na Imprensa do Palácio dos Bandeirantes, constatei que a política oficial é pior ainda do que supõe nossa vã filosofia.
Ademais, há valores sagrados para mim, como o de somar forças com todo idealista que faça greve de fome em nome de uma causa justa (ou do que lhe pareça ser uma).
É um instrumento de luta dos fracos contra os poderosos: não pode ser debilitado. Que se debilitem, antes, os governos! Fazem menos falta...
Os realistas políticos -- que estão mais para lacaios do Poder e suas boquinhas -- hoje mesmo andaram me acusando de estacionado nos valores do passado, um jurássico que até hoje não saiu da década de 1960.
Ora, se para me tornar moderninho precisarei abdicar da solidariedade revolucionária, que me desculpem, mas seguirei até o fim defendendo os Cappios e Battistis.
Cada um escolhe com quem se identifica. Eu escolhi personagens como esses, lá no início de minha jornada. E, ao contrário do Lula, não vejo motivos para mudar.
Mas, retomando o fio da meada, o que eu quero mesmo é recomendar o excepcional artigo de D. Tomás Balduíno, bispo emérito de Goiás e ex-presidente da Pastoral da Terra, Réquiem para a Transposição do São Francisco, publicado pela Folha de S. Paulo neste domingo.
Estou totalmente convencido da exatidão dos seus argumentos e prognósticos, inclusive o de que essa monumental pirâmide desabará, como tantas outras pirâmides do passado.
O texto inteiro está impecável, mas me agradaram, principalmente, estes trechos:
"Imagino que Lula (...) possa estar sonhando em se ligar pessoalmente com o nordestino rio São Francisco, símbolo da integração nacional, transformando o grande sertão da seca num abençoado oásis...Amém.
"Isso explica, quem sabe, sua apaixonada tenacidade em querer levar adiante essa obra apesar das inúmeras reações contrárias de parte do Judiciário, do Ministério Público, da mídia, dos cientistas, do episcopado católico, das organizações sociais, dos atingidos pelas obras: camponeses, quilombolas, grupos indígenas.
"A transposição pretende guindar continuamente, em um desnível de 300 metros, 2,1 bilhões de m3 da água mais cara do mundo para o Nordeste, que, por sua vez, já acumula 37 bilhões de m3 a custo zero. Se o problema da seca do Nordeste não se resolve com esses 37 bilhões de m3 armazenados, irá ser resolvido com 2,1 bilhões de m3 da transposição?
"...os 70 mil açudes do Nordeste construídos nesses cem anos demonstram que lá não falta água. O que falta é a distribuição dessa água. Basta implantar um vigoroso sistema de adutoras, como o proposto pela Agência Nacional de Águas, por meio do 'Atlas do Nordeste', que foi abafado pelo governo.
"Trata-se de levar água por meio de uma malha de tubos e adutoras a toda a população difusa do semiárido para o abastecimento humano, sem a transposição. Enquanto a transposição atenderia 12 milhões de pessoas em quatro Estados, segundo dados oficiais, o projeto alternativo atenderia 44 milhões em dez Estados. Custo: metade do preço da transposição.
"Enquanto, de um lado, ainda prevalece a indústria da seca (a transposição aí se inscreve), que rende uma fortuna para os políticos e empresários e mantém o povo na situação do flagelado retirante, (...) do outro lado está surgindo uma nova consciência nas comunidades populares carregada de esperança libertadora.
"Trata-se da convivência com o semiárido. (...) A questão não é 'acabar com a seca', mas de se adaptar ao ambiente de forma inteligente.
"Nessa linha, um pedreiro sergipano inventou a tecnologia revolucionária das chamadas cisternas familiares de captação da água de chuva para o consumo humano.
"Está chegando, pois, a transfiguração do povo e da terra construída de baixo para cima, no respeito e na convivência, libertando-se dos projetos faraônicos devastadores, impostos autoritariamente de cima para baixo.
"Esse humilde toque de sino, alegre e festivo, já se pode ouvir com nitidez, pois essa mudança, cheia de vida e esperança, é um fato no grande sertão nordestino."
3 comentários:
Qualquer zémané sabe que a seca é um fenômeno natural e não há como acabar com ela. Seria o mesmo que querer acabar com a chuva...Esse comentário do D.Balduíno, portanto, é totalmente ridículo.
Uma obra como a da transposição gera milhares de empregos por toda a economia nordestina, contribuindo para o seu crescimento. Sem falar de outras obras importantes em andamento na região, como as da Transnordestina, da refinaria Abreu e Lima, da duplicação e recuperação de rodovias, da Ferrovia Norte-Sul.
O Meio-Oeste dos EUA se tornou o grande celeiro agrícola do país e do mundo depois que o governo dos EUA, ainda no século XIX, construiu uma ferrovia ligando a região à Costa Leste, onde estava o grande mercado consumidor do país. E assim, o Meio-Oeste dos EUA se desenvolveu e enriqueceu também, integrando-se à economia norte-americana e mundial.
Aliás, não é à toa que o Nordeste é a região que mais cresce no país hoje, fato este que a Mídia e muitos blogueiros fazem questão de esconder e na cara-dura.
E D.Balduíno não percebeu, ainda, a dimensão simbólica de uma obra dessas. A disputa política se faz, em grande parte, no plano dos símbolos.
Se fossemos analisar, por exemplo, moral e racionalmente a construção de Brasília, simplesmente ela não seria construída.
Moralmente, a construção encheu os bolsos de muita gente (me apontem uma grande obra em que não tenha ocorrido isso, em qualquer país, em qualquer momento da História... esse pseudo-moralismo de cunho udenista me enoja!!) e racionalmente não há lógica alguma em se construir uma nova capital no 'meio do nada', que é o que foi feito.
Mas, Brasília se tornou o grande símbolo da 'Era JK'. Se não fosse por Brasília, JK teria caído na obscuridade histórica e política e ninguém se lembraria o quanto o país cresceu e se modernizou durante o seu mandato.
Se os Faraós não tivessem feito as Grandes Pirâmides ninguém se lembraria deles. Mas, com Pirâmides e tudo, o Egito foi uma das grandes potências mundiais durante quase 3 milênios...
Marcos D.,
quanta tristeza ao ler o seu comentário. Um rapaz de 43 anos, professor de história, ensino fundamental e médio... Postando:
"zé mané", "ridículo", etc.
Pior, sem constrangimento algum, defendendo o: ROUBA MAS FAZ.
Sem comentários.
Caro 'anônimo', no dia em que você deixar de ser um 'anônimo' e tiver coragem para se identificar você terá moral para falar alguma coisa de alguém. Até lá, fique quietinho no seu canto, ok?
E se você entendeu que eu defendi o 'rouba, mas faz!', então você precisa, urgentemente, fazer um curso de leitura e de interpretação de textos.
O que eu condenei foi a exploração demagógica, hipócrita e mentirosa em torno da questão da corrupção, que era uma estratégia muito usada pela Direita mais retrógrada e reacionária deste país, como fazia a velha UDN, e que, agora, está sendo usada pela Grande Mídia Golpista e direitista, pelo PSDB e pelo DEM para conseguir voltar ao poder.
Mas, como essas forças retrógradas já perceberam que essa exploração eleitoreira e demagógica não surtiu o efeito desejado, eles já pararam com essa campanha absolutamente patética.
E isso não surtiu o efeito político e eleitoral desejado (traduzindo: derrubar a popularidade de Lula e elevar a de Serra) porque somente ingênuos e desinformados acreditam que o PSDB, o PIG e o DEM estão, de fato, preocupados em combater a corrupção.
Foi por isso que usei a expressão 'pseudo-moralismo udenista' para me referir a isso.
Mas, parece que você nunca ouviu falar na UDN, então não posso fazer nada, a não ser sugerir que você vá estudar um pouco sobre a história do Brasil...
Boa sorte nos cursos...
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