sábado, 15 de agosto de 2009

QUANDO AINDA ÉRAMOS JORNALISTAS (E NÃO COZINHEIROS...)

Lá por 1998 ainda existia a profissão de jornalista e eu cheguei a lecioná-la durante algumas semanas na Universidade de Pouso Alegre (MG). Fiz mais o papel de tapa-buraco, pois a turma enxotara o professor anterior.

Mesmo assim, curti muito a experiência. Findo meu expediente de sexta-feira numa grande agência de comunicação empresarial, ia diretamente pra rodoviária. A viagem levava algumas horas, tempo suficiente para esquematizar, por alto, as aulas que daria. Gostava mesmo é de improvisar.

Passava a noite num hotelzinho mineiro e o sábado inteiro dando uma visão de como era a prática do jornalismo nos grandes centros, para aquela moçada que só conhecia a teoria pernóstica dos livros e a prática incipiente dos veículos locais.

Foi por essa época que resolvi anotar alguns causos interessantes. De imediato, serviram como orientação para alguns aprendizes. E acabaram não tendo utilização posterior.

Selecionei algumas que, talvez, vocês achem interessantes.

LIÇÃO CHULA - O Paulo Francis lembrava sempre um episódio do seu início de carreira, quando, jovem crítico de teatro, queria chamar a atenção escrevendo de forma pedante e empolada. Entregou um texto a um velho editor que, encontrando a expressão “via de regra”, pegou um lápis vermelho e escreveu com caracteres garrafais: “VIA DE REGRA É A BUCETA” (regras era um eufemismo para menstruação). Segundo o Francis, foi uma das únicas lições aproveitáveis de jornalismo que recebeu na vida. A objetividade, clareza, concisão e simplicidade são essenciais para um jornalista.

DELEGADO EXIBIDO - Certa vez, como repórter de Geral do Estadão, fui cobrir um acidente na Radial Leste. Um ônibus partiu com a porta aberta e uns seis passageiros pendurados, levou uma fechada de um caminhão e, para desviar-se, teve de passar muito próximo de um poste. Resultado: morreram pingentes.

Cheguei na delegacia e o delegado estava vivendo seu momento de glória, cercado de repórteres de jornal e rádio. “Esse homem é um assassino contumaz!”, esbravejava. “Matou outra pessoa no ano passado!”

O motorista, cabisbaixo, não se defendia. Tive pena dele e raiva do delegado. Então, fui perguntar ao coitado como tinha acabado aquele caso antigo. Não sabia, mas disse o local da ocorrência. A delegacia respectiva era próxima, então fui dar uma xeretada.

Informaram que o inquérito já tinha seguido para a Justiça. Passei lá também e descobri que o promotor, não vendo motivos para incriminar ninguém, determinara o arquivamento.

Então, pelo menos na minha matéria, ao invés do motorista aparecer como “assassino contumaz”, o delegado é que foi retratado como arrogante, desinformado e arbitrário pois aquilo que o promotor desconsiderou não pode ser considerado antecedente negativo nem usado contra o cidadão.

É claro que eu perdi muito mais tempo do que os coleguinhas apressados que preferiram limitar-se à versão oficial. Mas, o que estava em jogo era a reputação de um homem diante de sua comunidade: o pobre do motorista iria ser apontado pelos vizinhos como um matador do volante.

Por piores que sejam nossas condições de trabalho e por maior que seja o número de matérias feitas num dia, não podemos ser levianos. Pessoas podem até suicidar-se por causa da repercussão de uma matéria.

AFOBADO COME CRU - Coberturas instantâneas de TV às vezes são terríveis armadilhas para redatores que fazem seu texto em cima do que vêem na telinha.

Um caso clássico aconteceu com um meu ex-colega de ECA. Como editor de Internacional da Folha de S. Paulo, ele cobria numa noite de domingo a guerra do Golfo. E caiu na tentação de basear-se no noticiário desencontrado da CNN, que transmitia ininterruptamente... boatos e deduções dos repórteres, pois não há como ter noção de uma batalha aérea travada no deserto olhando para o céu a partir das cidades.

Assim, uma conclusão precipitada deles foi a de que Israel estaria retaliando e entrando na guerra. E o coitado do meu ex-colega acreditou. Sem basear-se em agências internacionais ou despachos de correspondentes da Folha, mancheteou “Israel reage contra Saddam”.

No 2º clichê já haviam percebido o erro e a manchete foi mudada, de forma que a barriga só entrou na edição destinada ao Interior e às bancas da capital que ficavam abertas de madrugada. Mas foi o bastante para ele perder o emprego, duas ou três semanas depois (deram um tempo para não passar recibo).

VEXAMES DOS GRANDES - Outro caso clássico de precipitação (desta vez sem TV). O Estado de S. Paulo descobriu que um projétil estilhaçou a janela de um ministério e foi alojar-se na parede. Noticiou o atentado contra o ministro.

Descobriu-se depois que uma máquina de jardinagem expeliu uma porca que, caprichosamente, saiu voando na direção da janela. Mas, o vetusto jornalão enrolou e manteve a hipótese de atentado, não querendo dar o braço a torcer. A Veja tirou um sarro do Estadão, produzindo um texto hilário sobre “a porca assassina”.

O troco veio logo em seguida: o Estadão deu grande destaque ao fato de que a Veja tinha caído na tradicional armadilha dos profissionais de agências noticiosas internacionais: no dia dos tolos internacional (a data não é a mesma do nosso 1º de abril), mandam uma notícia falsa para as redações. Sempre algum pato acaba entrando.

E não é que o editor de ciências da Veja acreditou que realmente se tinha chegado a uma composição genética do boi que fizesse a carne já vir com gosto de tomate, para preparação de hambúrguer! A chacota do Estadão teve como título “Boimate”.

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