O diretor de redação da Folha de S. Paulo, Otavio Frias Filho, deu a mão à palmatória, diante da rejeição unânime dos conceitos do seu jornal por parte dos melhores cidadãos: "O uso da expressão 'ditabranda' em editorial de 17 de fevereiro passado foi um erro. O termo tem uma conotação leviana que não se presta à gravidade do assunto. Todas as ditaduras são igualmente abomináveis".
Esta foi a autocrítica arrancada de um jornal arrogante, que dificilmente concede direito pleno de resposta e de apresentação do outro lado aos atingidos por sua desinformação premeditada ou involuntária. A maior mobilização da coletividade contra as falácias da mídia nos últimos anos não foi em vão. Estabeleceu um novo marco na luta da cidadania por seus direitos.
Depois de abrir mão do mais indefensável, Frias Filho ainda tentou, tergiversando, preservar o fulcro da tese do seu editorialista: "Do ponto de vista histórico, porém, é um fato que a ditadura militar brasileira, com toda a sua truculência, foi menos repressiva que as congêneres argentina, uruguaia e chilena - ou que a ditadura cubana, de esquerda".
O fato é que, sendo todas as ditaduras igualmente abomináveis, o empenho em estabelecer graduações na intensidade da repressão denuncia consciência culpada e o propósito de atenuar a truculência de uma delas. Para uma empresa cujo colaboracionismo com a ditadura militar é sobejamente conhecido, equivale a uma distorção da verdade histórica em causa própria.
Ditaduras não são mais ou menos repressivas. Para manter o poder que usurparam, recorrem à força bruta, tanta quanta necessária e, às vezes, além da necessária -- como foi o caso da nada branda ditadura brasileira ao dizimar os militantes da luta armada a partir de 1971, quando já estavam inapelavelmente derrotados.
Prisioneiros rendidos, torturados, executados e que não tiveram sequer sepultamento cristão, pois os restos mortais foram escondidos como as provas de crimes costumam ser. E alguém ousa, ainda hoje, colocar panos quentes sobre atos tão hediondos! Quem é o cínico, afinal?
Também não havia motivo nenhum para tocar neste assunto doloroso se o objetivo do editorial era apenas o de atacar e denegrir Hugo Chávez, minimizando a vitória que obteve em plebiscito. Foi uma forçação de barra por parte de quem está empenhado em mistificar e confundir as novas gerações.
A Folha e seus pistoleiros, digo articulistas, de aluguel omite tendenciosamente que a resistência aos golpes e ao terrorismo de estado foi bem maior na Argentina, Uruguai e Chile, países com mais tradição de lutas populares, daí a violência e os banhos de sangue a que os tiranos tiveram de recorrer para não serem derrubados.
Se no Brasil o poder foi usurpado facilmente pelos militares, ao contrário do Chile, em que tiveram até de bombardear o Palácio do Governo; se no Brasil o mesmo golpe resultou num totalitarismo contínuo de 21 anos sob o controle das Forças Armadas, ao contrário da Argentina, em que tiranos desalojaram tiranos para fincar nova tirania, ENTÃO UMA REPRESSÃO QUE TIROU A VIDA DE 400 A 500 RESISTENTES E TORTUROU DEZENAS DE MILHARES DE BRASILEIROS FOI, ISTO SIM, EXAGERADA!
A comparação correta seria com a ditadura de Getúlio Vargas, p. ex. Mas, os reacionários e as viúvas da ditadura não a fazem porque lhes seria amplamente desfavorável. Omitem que, pelos padrões brasileiros, foi o período mais escabroso em cinco séculos de História.
Finalmente, a desculpa esfarrapada de Frias Filho para o ataque aos professores Fábio Konder Comparato e Maria Vitória Benevides foi a seguinte:
"A nota publicada juntamente com as mensagens dos professores Comparato e Benevides na edição de 20 de fevereiro reagiu com rispidez a uma imprecação ríspida: que os responsáveis pelo editorial fossem forçados, 'de joelhos', a uma autocrítica em praça pública.
"Para se arvorar em tutores do comportamento democrático alheio, falta a esses democratas de fachada mostrar que repudiam, com o mesmo furor inquisitorial, os métodos das ditaduras de esquerda com as quais simpatizam."
Nada a acrescentar ao que eu afirmei logo no primeiro momento:
"Quanto a Comparato e Benevides, o que faltou (...) foi (...) base para a acusação contra eles assacada: nenhum brasileiro pode ser taxado de cínico e mentiroso por defender os direitos humanos em seu próprio país e não se manifestar a respeito do que acontece em outros países, a menos que participe ou tenha participado de entidades cuja missão seja exercer a vigilância em âmbito internacional.
"Então, ao misturar alhos com bugalhos, a Folha (...) cometeu os crimes de difamação e calúnia. É disto que teria de se retratar."
Não o fez nem o fará, a menos que sob vara dos tribunais.
Mas, a mobilização dos humilhados e ofendidos -- nós -- já a obrigou a entregar os anéis para tentar salvar os dedos.
Da próxima vez será pior -- garantimos.
O alerta está dado.
5 comentários:
Celso, eu ia comentar essas afirmações do Otávio Frias Filho em meu modestíssimo blog, mas o seu texto ficou tão bom que eu preferi reproduzí-lo na íntegra,, pois você disse tudo o que eu queria falar.
Fantástico esse texto!
Ah, eu fiquei surpreso quando li o seu livro quando descobri que você era o André Mauro que havia colaborado com a Rock Stars, a Roch Show. É que eu comprava as revistas e lia os seus textos e o que eu mais gostava neles era justamente o fato de que você de que você sempre conectava o mundo do rock com os grandes acontecimentos políticos e culturais do período.
Celso, porque você não 'ressuscita' o André Mauro e volta a colaborar com publicações da área musical? Tenho certeza de que isso seria muito apreciado por muitas pessoas.
Abraço
Não há o que comentar. Nesse parágrafo você diz tudo o que há para dizer:
"O fato é que, sendo todas as ditaduras igualmente abomináveis, o empenho em estabelecer graduações na intensidade da repressão denuncia consciência culpada e o propósito de atenuar a truculência de uma delas. Para uma empresa cujo colaboracionismo com a ditadura militar já é fato amplamente estabelecido, equivale a uma distorção da verdade histórica em causa própria."
Parabéns.
Serão todos os reacionários teimosos feito mulas? Seu 'ilustre' porta-voz, Otavinho, faz crer que sim.
Luis Henrique
Além de insistir em relativizar o arbítrio por meios outros que o recurso ao neologismo "ditabranda", Otavinho persiste na tentativa de cercear o debate, visando instituir a obrigatoriedade de se condenar regimes totalitários de esquerda a cada menção à ditadura brasileira. Além disso, segue ofendendo Benevides e Comparato, desta feita com um termo que se aplica à perfeição ao próprio dândi da Barão de Limeira: "democrata de fachada".
http://cinemaeoutrasartes.blogspot.com/
Marcos,
artigos ocasionais sobre rock ainda dá para eu fazer, principalmente na linha de efemérides.
P. ex., logo teremos os 40 anos do festival de Woodstock, tema do meu artigo para a MP3 World que deve estar chegando às bancas.
Mas, um trabalho sistemático como o daqueles tempos, não. Aquilo que fazia minha cabeça quase não existe mais. E ninguém gosta de um velho ranzinza repetindo a cada momento que a sua época era melhor...
Um forte abraço!
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