A revista britânica The Economist não é nenhum oráculo, tanto que só disse bobagens sobre o Caso Cesare Battisti. Mas, às vezes, acerta.
Para nossa vergonha, foi da Economist a matéria mais contundente na grande imprensa sobre a volta de José Sarney à presidência do Senado, qualificada de "uma vitória para o semifeudalismo", "um regresso a uma era de políticas semifeudais que ainda prevalecem em alguns cantos do Brasil e puxam o resto dele para trás".
E é mesmo de chorar que, "com o apoio tácito de Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente de centro-esquerda do país, ele (...) [tenha sido] escolhido (...) para presidir o Senado".
No fundo, não passa de um coronelão que usa a lábia, versão light do coronelão truculento que foi ACM.
Começou na UDN, partido direitista que passava o tempo todo conspirando contra a democracia, em nome da moralização dos costumes políticos (o mote do combate à corrupção vem de longe e sempre levou água para o moinho dos autoritários). Sarney cumpriu dois mandatos de deputado federal pelo Maranhão, entre 1958 e 1965.
Surpreendentemente, não aderiu de imediato à grande obra da UDN, o golpe de 1964. Mas, em 1965, incorporou-se à Arena, agremiação à qual os usurpadores do poder atribuiram o papel de situação-de-faz-de-conta, já que o poder verdadeiro estava nos quartéis.
Cabia ao MDB (depois PMDB) figurar como oposição-de-faz-de-conta, mas em vários momentos este partido tentou ser oposição de verdade. A Arena, pelo contrário, defenderia até ato institucional decretando que o mundo era quadrado, se os milicos ordenassem.
Foi governador do Maranhão entre 1966 e 1971 e cumpriu dois mandatos como senador, de 1971 e 1985, sempre como lambe-botas dos militares.
Era nome destacado do situacionismo quando a ditadura começou a fazer água. Evidentemente, colocou-se contra a aprovação da emenda das diretas-já em 1984, mas deu um jeito de encaixar-se na Nova República, desertando no momento certo do PDS (sucessor da Arena).
Apesar das afinidades óbvias com o grupo que formou o PFL, foi mais astuto: abrigou-se no PMDB e conseguiu ser até vice da chapa de Tancredo Neves na eleição indireta para a Presidência da República.
Com a morte de Tancredo, acabou sendo o primeiro presidente do Brasil redemocratizado, embora simbolizasse, acima de tudo, a rendição dos civis aos ultimatos militares.
Com uma política econômica desastrosa (incluindo congelamento oficial de preços e moratória) causou uma hiperinflação que andou beirando 90% ao mês, atrasou a informatização do País e não deu a mínima para os assuntos de Estado que estavam sendo definidos pela Constituinte, preocupado apenas em preservar a duração do seu mandato (que se tentava encurtar).
Seu governo foi catastrófico a ponto de abrir as portas para a eleição daquele que conseguiu fazer o eleitorado crer que seria seu antípoda: Fernando Collor.
Sarney saiu tão chamuscado da Presidência da República que, para eleger-se novamente senador, teve de trocar o domicílio eleitoral pelo do Amapá, numa manobra cuja legalidade foi discutida, não havendo dúvidas, entretanto, sobre sua amoralidade.
Com tal currículo, ele nem passaria perto do velho PT, pois o escorraçariam a pontapés. O atual, entretanto, lhe deu sinal verde para reassumir a presidência do Senado.
Ah, ia esquecendo: a obra literária do Sarney é daquelas que faziam o Paulo Francis chorar as árvores sacrificadas para se imprimir porcarias.
2 comentários:
Celso, perfeito.
Não, minto, não posso dizer isso. Seria achincalhar de vez o brio do povo brasileiro.
Perfeito teu comentário.
Uma vez, ao chegar de uma viagem mais longa ao exterior, soube que sua filha tinha tido um enrosco por causa de uns cinco milhões que encontraram, não sei a história direito, e perdeu a chance de disputar uma eleição para presidenta...
Não me choquei. Nada mais me choca no Brasil.
Dinheiro na cueca? Nesse país a vergonha anda de braço dado com a literatura ...
Não me admira que os jornalistas hoje em dia tenham tão baixa qualificação. (Ouvi dizer isso dos que se formam ... não é uma experiência pessoal. Ao contrário, tirando dois que pessoalmente conheço, os demais são, para mim, excelentes profissionais.)
Prova essa é o que acabei de ler e comento.
Afinal, Lungaretti, os dinossauros ainda fazem barulho, como diz o título da matéria de The Economist.
E analfabeto político tem no Maranhão e no Amapá.
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