sábado, 22 de setembro de 2018

AS URNAS DE NOSSA DESESPERANÇA – 8: OS AZARÕES DO PÁREO PRESIDENCIAL QUE CORREM PELO LADO ESQUERDO DA PISTA

(continuação deste post)
Boulos nada lucrou sendo papagaio de pirata do Lula
Os candidatos menos cotados
nas pesquisas eleitorais, analisados por blocos (2ª parte)
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Tratemos agora do segundo bloco de candidatos sem chances eleitorais reais, o da esquerda capitalista de estado, formado por Guilherme Boulos (Psol), Vera Lúcia (PSTU) e João Goulart Filho (PPL).

O pensamento socialista vive historicamente o drama shakespeariano do ser ou não ser: aceita viver sob um modo capitalista, mas pretendendo que seja anticapitalista. 

Excluindo-se o pensamento anarquista (aquele que mais se aproximou de uma visão emancipacionista fora do Estado, mas sem ter feito a crítica do valor), historicamente o pensamento socialista fez uma leitura equivocada de Karl Marx, que em grande parte se deve a:
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— uma certa dubiedade que se pode detectar nos escritos da juventude desse gênio da análise dos problemas sociais históricos no itinerário da humanidade, no que se refere aos seus ensinamentos sobre a luta política entre classes sociais que são concomitantemente antagônicas e complementares (capital e trabalho), criando algum hermafroditismo político nessa luta;
                                                                                                                                 
Vera Lúcia: transmite sinceridade, mas também ingenuidade
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— um certo comodismo político oportunista e fisiológico que o faz conviver com o mal institucional capitalista (o Estado) sob a desculpa de que é possível domá-lo e metamorfosear a sua própria natureza. 

Explico. Observe-se que mesmo Lênin, o grande politicista do marxismo tradicional, em toda a sua volumosa obra, jamais se deteve na análise do ponto mais importante da teoria marxiana que é a crítica do valor, na qual Marx faz o questionamento das categorias capitalistas e a necessidade de sua superação. 

Mao Tsé Tung seguiu os mesmos passos de Lênin e a China é hoje um país capitalista sob uma forma política fechada e ditatorial que já incomoda as matrizes do capital liberal (porque suas mercadorias são viabilizadas na concorrência de mercado internacional pela remuneração miserável aos trabalhadores chineses). Por mais paradoxal que pareça a China, corrói o capitalismo pela via capitalista.   

Boulos, Vera Lúcia e João Goulart Filho (e também, mas com menor convicção, Marina e Haddad) querem que o pé de manga dê laranja. Não compreendem, ou não querem compreender, que são as categorias capitalistas (valor, trabalho abstrato, dinheiro, mercadorias sensíveis e serviços, mercado, Estado, política e democracia-burguesa) aquilo que está na base do nosso infortúnio social, principalmente agora, no limite interno absoluto da expansão dessas mesmas categorias, as quais, juntas, significam a síntese de um modo de produção e de organização institucional denominado capitalismo. 
Goulart Filho: "nacionalismo trabalhista ultrapassado".
Assim, a partir de tal incompreensão ou oportunismo político, o pensamento socialista insiste em passar para o povo a retórica de que seja possível, a partir da convivência com as categorias capitalistas acima indicadas e de uma administração pública sob suas bases, mas com um referencial popular e compromissado com os anseios do povo, transformar o tridente do diabo em ferramenta para nos levar à terra prometida. 

A candidata Vera Lúcia, p. ex., transmite  autenticidade nas suas convicções pro-povo, mas deixa perceber que ignora o que está subjacente aos seus bem intencionados propósitos.

Afirma o programa do PSTU que é necessário uma rebelião. Mas o fato de ser candidata dentro das regras democrático-burguesas (e, evidentemente, acaso eleita, ter de jurar a Constituição e ter de se comportar dentro dos limites constitucionais e amarras econômicas e jurídico-institucionais), implica, necessariamente, a impossibilidade de rebelião.

O Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado já traz já no seu nome a exaltação do trabalhador, expressão primeira do trabalho abstrato, sem o qual não existiria capitalismo, e nem de longe fala em superar essa mesmo trabalho como fonte primária do valor, substância vital do capital. Como pode propor uma rebelião contra a essência da exploração sistêmica se dela faz parte?  

Quanto a Boulos, devemos dizer que a sua luta por moradia para quem não as têm, desde que desvinculada da submissão eleitoral sistêmica, e denunciando-a ao invés de dela participar, é imensamente mais útil do que a sua candidatura.

A militância em prol dos sem-teto, que o tornou admirado por boa parte dos segmentos deserdados da lógica capitalista, está em contradição direta com sua pretensão eleitoral, o que afetará, no médio prazo, a sua credibilidade junto a quantos tenham a lucidez de enxergar uma diferença substancial entre luta emancipacionista e luta eleitoral.   

Boulos corre o risco de seguir os passos de Fernando Haddad e Marina Silva, que há muito capitularam ao brilho falso da institucionalidade eleitoral burguesa e seus pressupostos de ingovernabilidade.

Finalmente, Goulart Filho é apenas uma pálida recordação do que foi um dia o trabalhismo getulista caudilhesco herdado por seu pai, o ex-presidente João Goulart, e por Leonel Brizola. Além de defender um nacionalismo trabalhista ultrapassado, não representa consistentemente aquilo que deseja reviver.
Por Dalton Rosado
Concluo esta série na esperança de que tenha contribuído para uma reflexão crítica sobre o processo eleitoral como canal de legitimação de um modelo político-econômico que precisa ser superado, sob pena de padecermos cada vez mais sob as agruras de seu próprio anacronismo. 

Não vote, e, se não puder, vote nulo! 

2 comentários:

Vandeco disse...


Tendo votado no Lula no primeiro mandato, mesmo sabendo de antemão que de esquerda ele nunca teria sido e nunca seria da esquerda que eu idealizava , no meu conceito,sei que, enquanto o Lula com seu egocentrismo e projeto de DEUS estiver em pauta, sendo o dono do PT e sol de todos, nenhum outro político irá progredir na dita esquerda brasileira. Portanto, em resumo, já desisti desta "esquerda" brasileira há muito tempo. Graças a DEUS!

SF disse...

***
Tenho admiração pelas pessoas dedicadas ao estudo e respeito àquelas que, com generosidade e destemor, compartilham seu conhecimento e opinião.
A homenagem que presto a tais indivíduos é lê-los.
É bem possível que o prazer de quem escreve seja ser lido e, atualmente, graças a facilidade das comunicações, receber o feedback dos leitores. Uma forma de escrever/ler mais democrática.

Assim acreditando, e reconhecendo que posso estar errado, apresento algumas observações e dúvidas a respeito dos textos de Dalton que tratam dos candidatos, suas propostas e estratégias.

Observei que a linha de pensamento explícita e subjacente a todos os texto é desestimular a prática do voto.
Que há crítica cerrada à democracia, enfatizando suas fragilidades, ao passo que não apresenta seus pontos fortes.
Que a anomalia lógica do sistema capitalista é apresentada como fatalista )implicando em sua derrocada inexorável) e nunca é cogitada a possibilidade de evolução em consequência delas, sendo os avanços propostos descartados como "conciliação de classes", fetiche da mercadoria e forma valor.
Que apresenta o ser humano como um escravo dessa lógica, governado por ela e sem possibilidade de a ela escapar.

Pareceu-me que, subjacente a à argumentação, está a ideia de que só pode existir a ruptura violenta e caótica com o sistema: a rebelião, numa postura mais tosca, ou a revolução numa mais sofisticada. Sendo que, o autor aparentemente desconsidera os aspectos práticos e as consequências deletérias de tal conduta, não só no que diz respeito à desigualdade flagrante de forças e tecnologias entre conflitantes, mas também o fracasso das revoluções, ditas socialistas ou comunistas, ao administrar a violência interna, a qual, se foi mola propulsora da vitória inicial, transformou-se em veneno destruidor de todos os ideais que as motivaram.

As dúvidas.

Se o sistema democrático, as eleições e o voto representativo são tão inúteis, então, entendo que você está querendo dizer que o "bom" é um "soviet" de burocratas decidindo a vida de todos sem ter que prestar contas a sociedade a qual diz governar?

Você acredita que tendo-se um direito, onde antes não havia nenhum, devemos renúnciar a esse direito porque há falhas no processo?

Quando que ser Inocente e Útil é algum defeito moral?

Qual a diferença entre um bisturi na mão de um louco ou de um médico?

Concluindo.

Não pense que deixei de atender ao apelo de encontrar formas alternativas à lógica capitalista. Tenho feito meu esforço e encontrado algumas formas de viver que, se não eliminam, atenuam bastante seus efeitos deletérios.

Há momentos em que vale o "em terra de sapos, de cócoras com eles", mas, na maior parte do tempo, pode-se viver de maneira bondosa, cultivando o belo e procurando ser justo.

Claro que não se espera que todos plantem flores e alimentos, deixem de comer cadáveres, vivam com pouco, coloquem o ego na gaveta, não sejam inimigos de quem quer que seja, não sirvam de platéia, estudem, saibam que "onde há muita gente o serviço é ruim e o refrigerante é quente", se mantenham sóbrios e possam contar nos dedos de uma mão as vezes que se irritaram no mês.

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