sábado, 28 de julho de 2018

QUEM SE PROPÕE A GOVERNAR O ESTADO BURGUÊS EM BENEFÍCIO DO POVO, OU É INGÊNUO OU MAL INTENCIONADO...

dalton rosado
O PODER POLÍTICO SOB O CAPITAL
Nada é mais negativamente impositivo do que a lógica do capital sobre as ações do poder político de Estado, esse último seu servo obediente e fiel.   

Qualquer governante com sensibilidade social inabalável e conhecendo a dinâmica da mediação social sob a forma-valor (dinheiro e mercadorias) compreenderá que é impossível continuar o exercício do poder político sob o capital em substancial benefício social sem deixá-lo, e voltando-se contra ele próprio, e passando a combatê-lo. 

A outra opção, própria a quem antes combatia o capital e agora se aferra aos encantos do poder político capitalista privado ou estatal (sendo laçado pela gravata, como diria o Tom Zé) é negar todos os postulados pró-povo que antes defendera. 

Essa foi a conclusão a que cheguei quando exerci função pública estatal de comando e pude constatar a incoerência do exercício do poder político sob o capital por alguém com sensibilidade para o drama social vivido pelos trabalhadores assalariados de renda média e baixa (a grande maioria) e que seja conhecedor da crítica da economia política marxiana.

O barro que molda a gestão política de Estado numa sociedade mediada sob a forma-valor não dá liga com a razão emancipacionista. São matérias comportamentais incompatíveis, e a razão desta incompatibilidade reside no caráter fetichista da forma-mercadoria.

Ora, a forma-mercadoria tem uma dinâmica própria de reprodução do valor que é, antes de tudo, segregacionista e cumulativa, na medida em que o valor, para existir, necessita de retenção constante e crescente, sem a qual ele perece irremediavelmente. 
Esta é uma prova do caráter meramente abstrato da forma-valor, ademais insensível à questão social, da qual faz mero uso utilitário. O valor econômico é um fantasma que se torna real, inebria e mata.

O processo de acumulação constante do capital implica um fim autotélico interminável no qual, quanto mais se acumula, mais se necessita acumular, deixando para as calendas gregas a ideia de sua distribuição, ainda que uma determinada fatia do bolo beneficie quem o administra (capitalistas privados ou estatais) e alguns beneficiários indiretos (a chamada aristocracia operária, burocratas de alto escalão do poder do Estado e alguns profissionais de nível superior). 

Tal processo dura somente até o momento em que a concorrência mundial de mercado impõe a redução de custos de produção mediante a dispensa do trabalho abstrato produtor de valor pela via da tecnologia aplicada à produção, bem como promove a concentração de riqueza daí derivada, tornando-se cada vez mais elitista.  

Por sua vez o Estado, cujo acesso se dá pela via política, tem limitações econômico-administrativas cada vez mais acentuadas, decorrentes do alto custo da máquina institucional (salários, gastos militares e manutenção), além dos investimentos na conservação e criação de obras públicas de infraestrutura para o funcionamento da vida mercantil, pagamento dos juros da dívida pública e, atualmente, do complemento financeiro do déficit previdenciário.

Torna-se quase impossível o atendimento das demandas sociais, até porque, além dos custos da máquina estatal acima referidos, existem as amarras constitucionais que impossibilitam o exercício pleno de uma administração pública compatível com os interesses maiores da coletividade. 

O Estado burguês, qualquer que seja a inclinação ideológica do governante, termina sempre por se evidenciar no longo prazo como um algoz do povo, mesmo que a propaganda e as ações populistas mascarem a verdadeira essência do poder. 

Quem se propõe a governar o Estado burguês em benefício do povo, ou é ingênuo e acaba sendo por ele governado; ou está, desde o início, mal intencionado.

É evidente que, nos países de economia desenvolvida (e que assim o são na inversa e inevitável proporção do empobrecimento dos demais países), o Estado pode proporcionar um relativo bem-estar social, criando a falsa expectativa de que todos possam ter o mesmo destino. 

A busca de imitação do chamado 1º mundo pelos países pobres corresponde a uma ilusão derivada da incompreensão da dinâmica do capital, segundo a qual, a cada ilha de riqueza, corresponde sempre um mar de pobreza. 

Por sua vez, também a busca do chamado desenvolvimento econômico dos países periféricos ao capitalismo corresponde a uma busca impossível de se realizar; algo assim como se querer que um time de futebol de várzea consiga tornar-se campeão do Brasileirão. 
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CONSEQUÊNCIAS DO APEGO AO ESTADO BURGUÊS — O que está acontecendo na Nicarágua, sob a presidência continuada de Daniel Ortega (o antigo líder da revolução sandinista que derrubou o ditador Anastácio Somoza), é o mesmo que aconteceu a Dilma Rousseff e tantos outros governantes da América Latina que, eleitos com um discurso de redenção dos seculares sofrimentos do povo, passaram a oprimi-lo.

Todos os governantes que se apegam ao poder, ainda que bem intencionados, terminam sempre por se ajustarem aos ditames do limite da governabilidade capitalista, negando bandeiras anteriormente defendidas por força da lógica capitalista lhes é imposta; ou terminam por fazer uma vergonhosa e inaceitável concessão de favores ao capital como forma de manutenção do poder, além de firmarem alianças políticas que garantam a governabilidade. 

O poder corrompe e a perpetuidade no poder corrompe muito mais, diz a oposição, mas apenas quando fora do poder. 

A ebulição da insatisfação popular contra Daniel Ortega explodiu sob a forma de repúdio à reforma da previdência social, que mais não é do que a restrição à concessão de direitos adquiridos. Mas, este foi apenas um ponto dentro da insatisfação generalizada que eclodiu socialmente.

Diante disto, e do apego ao poder, reproduz-se na Nicarágua (e noutros países latinos cujos governos são tidos como de esquerda) a repressão popular sangrenta que apenas denuncia como é mesquinho e manipulador das mentes humanas o exercício do poder político estatal burguês. É sempre bom lembrar que estão presentes e em pleno funcionamento na Nicarágua todas as categorias fundantes do capitalismo).

A questão que se coloca não é o combate à forma de poder ou a qualidade do seu exercício, mas a negação do próprio poder. O exercício do poder pró-povo é algo assim tão irrealizável como se querer a justa distribuição do dinheiro. Aliás, uma coisa está indissoluvelmente ligada à outra.

Não se pode distribuir o dinheiro de forma justa exatamente porque ele somente existe a partir de sua acumulação injusta e permanente. A questão que se coloca não é tentar distribui-lo de forma justa, mas superá-lo; esta é a forma eficaz de combatê-lo.
Querer um Estado pró-povo é querer que o próprio direito sob o qual se assenta toda a estrutura jurídica que dá legalidade à exploração do capital seja abolido; é querer inverter a sua natureza, ou seja, é querer que o pé de caju dê manga.   

Ora, se almejamos uma nova estrutura de vida social, a primeira coisa que devemos fazer é abolir o próprio Estado. Resultará sempre inútil a tentativa de bom exercício, estando ele como está subjugado ao poder econômico (que é o responsável último por nossas agruras). 

O Estado moderno, a política e o poder econômico são tão indissociáveis quanto elementos químicos que somente juntos formam um terceiro elemento. A falta de um deles pressupõe as suas extinções mútuas. 

Agora, no Brasil, vamos assistir nos próximos meses ao mais enfadonho discurso televisivo da governabilidade pró-povo, que corresponde a um estelionato eleitoral – a propaganda gratuita dos partidos políticos e dos seus candidatos.

Tal propaganda oficial, pretensamente apartidária, institucional, que se pretende voz da sociedade civil e que chama para o exercício do voto, vai nos ensinar que devemos avaliar os candidatos para vermos aquele que tem propostas governamentais exequíveis e confiáveis, como se fosse possível, tanto para a direita como para a esquerda, pela via político-eleitoral, determinar a soberania comportamental de uma lógica econômica previamente definida e que agora vive os seus estertores. 

Aviso aos navegantes: o próximo governo, seja qual for o seu matiz ideológico, vai ter de resolver o problema de déficit da previdência social, que no ano passado totalizou R$ 268,8 bilhões (e está aumentando em 2018), além dos juros da dívida pública, e não se aceita que se jogue o direito às pensões previdenciárias para além da expectativa de vida saudável.

Este é um exemplo significativo do que será governar nesse momento de debacle do capital. 

Diante disso, pergunta-se: por que alguém que diz almejar uma sociedade saudável e livre das injustiças se disporia a governar o ingovernável, remediar o irremediável e sofrer para salvar o capitalismo na sua fase de derrocada irreversível? 

Tal empreitada somente se justifica para aqueles que querem o poder para se locupletarem, darem azo às suas vaidades, ou, ainda, para os paus mandados do capital. 

Francamente, como diz o Celso Lungaretti, "não me engana que eu não gosto". (por Dalton Rosado).
"A gravata já me laçou/ A gravata já me enforcou/ Amém!"      

6 comentários:

Henrique Nascimento disse...

Uma coisa é certa. O próximo governo vai ter que lidar com a previdência, principalmente a pública. A pressão do capital será muito grande. Tanto é que esse acordo do Alckmin com esse chamado centrão é justamente para isso.

O Lula tinha condições de ter feito uma reforma mais ousada, dado o apoio do congresso e a situação econômica favorável à época, mas a sua dependência com os sindicatos fez com que ele recuasse e fizesse uma reforma apenas tímida (imagino que não deva ser muito fácil satisfazer sindicato e empresarios). Dilma até tentou com o Levy, mas já era tarde e o PT também odiava o Levy. O Temer não conseguiu devido à sua baixa popularidade aliado ao caso JBS.

celsolungaretti disse...

O problema da Previdência Social é muito simples. Pelos critérios do capitalismo, a conta não fecha nem jamais fechará sem medidas desumanas.

Mas, se você deixar de lado essa contabilidade mesquinha e recolocar o ser humano como prioridade suprema, existe mais do que o suficiente para que os idosos vivam ao invés de vegetarem numa quase-miséria.

Só que, para tanto, se faz necessária... UMA REVOLUÇÃO!

E revolução virou palavrão para a esquerda domesticada que só quer gerir o Estado burguês como ele é, evitando ciosamente assustar a classe dominante.

Aí não tem jeito. Vai ficar até o fim dos tempos com sua retórica enganadora e o poder econômico acabará conseguindo impor uma reforma coerente com a racionália capitalista.

Henrique Nascimento disse...

Indentifico-me como também compartilho desses mesmo ideais até onde a minha influência alcança. Talvez não estejamos vivos para ver a revolução acontecer.

Não sei se a sua definição de revolução seja a mesma que a minha. A minha revolução está baseada na mudança do modo de pensar e, como consequência, do modo de viver do ser humano a partir de entendimento de que nós não podemos mais respaldar um sistema acachapante e corrupto. Acredito que tal mudança (revolução) não poderá ser promovida através da luta de classes, mas sim a partir do início do colapso do capitalismo que você e os artigos do Dalton direcionam para isso (oxalá ocorra!).

Além disso, a esquerda mundial está muito desacreditada, dado às más sucedidas investiduras outrora e recente de governos ditos de esquerda. Tal narrativa você bem coloca aqui no seu blogue através de seus artigos e de outros. Portanto, concordo com você, esperar que partidos considerados de esquerda promova mudanças substanciais nas relações sob a ótica capitalista por meio de eleições "democráticas" é esperar demais.

SF disse...

***
O governo não seria necessário se as pessoas soubessem governar a si mesmas.
Mas, basta andar pelas ruas, vendo os atos e omissões, que qualquer um se dá conta que o povo não sabe se governar, só obedece a lei se for vigiado e tende sempre ao crime a barbárie (principalmente em grupos).
Então, para que não falte o mínimo de civilidade e alguma segurança social, impõe-se o governo.
Ocorre que, a sociedade organizada produz muita riqueza, o que gera a cobiça da classe governante. Por isso, temos os descalabros. Já que, pessoas são pessoas, não importa a máscara ideológica que coloquem.
Dalton sabe o problema, conhece a solução, mas não sabe como viabilizá-la.E nem tem uma estratégia clara de como implementar a sua utopia, sem o risco de ela degenerar em uma coisa pior do que a que ele critica.
Vejo que ele é adepto da filosofia crítica, que torna tudo fluido e ambíguo.
Diversa da Ciência, o objetivo dessa filosofia é manter a eterna problematização.
Todavia, se usasse o método científico, estaria procurando solucionar o problema e não problematizá-lo indefinidamente.
A verdadeira pergunta é: como fazer as pessoas serem éticas?
Descubra como fazer isso e o governo terá cumprido sua missão.
E se extinguirá, naturalmente.

celsolungaretti disse...

RESPOSTA ENVIADA PELO DALTON POR E-MAIL:

Caro Henrique,

concordo com o Lungaretti, pois a questão que se coloca não é fazer uma boa reforma da previdência com esse ou aquele governo, posto que, no atual estágio do desemprego estrutural (e no Brasil temos 13,7 milhões de desempregados e outros tantos subempregados) não há como se fechar a conta do deficit previdenciário a não ser penalizando os futuros pensionistas e reduzindo direitos dos atuais.

A superação do capitalismo é a única saída possível para essa questão.

Um abraço, Dalton Rosado.

Henrique Nascimento disse...

SF, essa é minha grande dúvida que paira na minha cabeça desde que comecei a ler o blogue do Celso: como implementar uma mudança radical no modo de pensar e agir do ser humano. Através Se isto advir a partir do início do fim (ou superação) do capitalismo, então aguardemos. Por isso que questionei acima a definição de revolução.

Enquanto ainda o capital prevaleça, nós, que temos um mínimo sensibilidade e altruísmo, façamos a nossa parte.

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