(continuação deste post)
O melhor exemplo disso está em Detroit, berço da indústria automobilística estadunidense, que reduziu substancialmente o número de unidades fabris, transferindo-os para os países mundo afora, onde as empresas produzem e vendem os seus carros, justamente porque nesses países o valor dos salários é capaz de fazer face aos custos de produção de veículos e torná-los competitivos na concorrência global.
Mas a indústria estadunidense e mesmo o comércio local não conseguem concorrer com os valores (e preços) das mercadorias produzidas nos países cujos valores do trabalho abstrato são substancialmente inferiores àqueles praticados internamente nos Estados Unidos.
Além do fator salários baixos, os países exportadores, como a China, praticam políticas fiscais e cambiais que tornam ainda mais competitivos os seus produtos, sem respeitarem quaisquer direitos de patentes.
O consumo humano, por mais que seja estimulado com oferta de quinquilharias pelo capitalismo, tem um limite. Ninguém consegue comer o triplo de sua capacidade de absorção de alimento; ninguém calça quatro sapatos ao mesmo tempo; ou mora simultaneamente em mais de uma casa.
"Pode ver meu futuro?" "Posso, mas não sei ler chinês" |
Assim, à medida que os países produtores de mercadorias pela via do pagamento de trabalho abstrato miserável para a maioria dos trabalhadores, ofertam os seus produtos e inundam o mercado dos países compradores, como os EUA, chega-se impasses irresolúveis sob a lógica capitalista:
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— a exportação de mão única faz com que os países exportadores acumulem saldo da balança comercial com moedas dos países importadores cuja credibilidade, em algum momento, será questionada;
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— a importação de mão única cria um déficit na balança comercial dos países importadores que, em algum momento, evidenciar-se-á como insuportável.
O governo dos Estados Unidos, cuja assessoria econômica dos organismos que promovem o controle monetário conhece cientificamente os mecanismos que regem essa matéria, sabe perfeitamente que as contradições inerentes ao funcionamento da lógica capitalista caminham para impasses inexoráveis.
Diante de tal constatação, os economistas dos países dominantes, por estarem presos a uma armadilha que o próprio capitalismo criou, partem para iniciativas que negam as suas tradições de livre mercado com medidas extremas, até porque a liberdade de todas as galinhas só é boa quando a raposa é nossa; quando aparecem outras raposas, o melhor a fazer é protegermos as nossas próprias galinhas.
Mas essa proteção, aqui denominada de taxação à importação, como tudo no capitalismo, tem efeito colateral, pois, afinal, os Estados Unidos dependem de suas relações industriais, negociais, creditícias, políticas, etc., e não podem se fechar substancialmente intramuros como fez a Rússia a partir 1917 e a China a partir de 1949.
As transformações russas e chinesas dos períodos do chamado socialismo real se deram apenas no campo político, de vez que mantiveram intactas as categorias capitalistas (daí o capitalismo de Estado); e somente puderam sobrevier no período inicial graças às seculares pobrezas impostas pelos atrasados e autoritários regimes monárquicos de antes e aos imensos recursos dos seus vastos territórios. Passada essa fase, foram obrigadas a aderir ao regime concorrencial de mercado.
Já os EUA não podem isolar-se do mundo na atualidade, sob pena de terem drasticamente reduzidos os seus altos padrões de consumo. Por outro lado, não podem continuar gastando o que não têm pois, mais cedo ou mais tarde, a conta será apresentada. Este é o impasse da economia estadunidense.
Por outro lado, caso o crescimento do PIB chinês seja atingido pelo protecionismo comercial dos EUA, a sua imensa dívida privada (235% do PIB) colocará em xeque todo o sistema bancário mundial, do qual os Estados Unidos são partícipes de primeira monta.
Entendo que o mais grave movimento do capitalismo dos últimos anos é justamente o impasse criado pela restrição à globalização do mercado ensaiada pelos Estados Unidos sob a forma de protecionismo.
Trata-se da explicitação de um impasse resultante de uma contradição antes imperceptível, mas que agora aflora com toda a sua força destrutiva e autodestrutiva. Aguardemos os próximos capítulos. (por Dalton Rosado)
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