Sou corinthiano e, numa fase em que meu time não conquistava título expressivo nenhum, fiquei detestando o futebol defensivista ao extremo que o técnico Milton Buzetto, um ex-zagueiro central medíocre, implantou no Juventus, um dos clubes pequenos de São Paulo. Nunca um apelido foi tão merecido como o que ele recebeu: rei da retranca.
Desde sua estréia na nova função em 1971 (vencendo exatamente o Corinthians por 1x0), Buzetto empilhou jogadores diante de sua meta, erguendo verdadeiras muralhas, que eram um teste para a paciência dos atletas e dos torcedores adversários.
Defender sempre foi mais fácil do que atacar, criar situações perigosas exige muito mais talento do que chutar a bola para o mato, que o jogo é de campeonato.
Buzzeto se beneficiava, ademais, das defesas miraculosas do goleiro, bolas na trave, erros de finalização do adversário ansioso, sorte e arbitragens condescendentes com o antijogo; assim, ia conquistando injustos 0x0 contra os grandes e, vez por outra, obtendo vitórias aberrantes graças a algum chuveirinho afortunado em jogada aérea, ou qualquer outra casualidade.
Buzetto treinaria depois (1978/79) o Goiás |
Não que os cabeças de bagre do futebol devam sempre servir de touros para a exibição artística dos craques toureiros. Mas, tem de haver um mínimo de intenção de fazer gols, não apenas o empenho no sentido de passar incólume por umas 30 finalizações do adversário, na esperança de achar um gol na única vez em que conseguir finalizar
E, para minha enorme decepção, tenho visto muitos seguidores de Milton Buzetto no Mundial de 2018, sentados nos banco dos pequenos para enfeiar as partidas.
Ou, talvez, discípulos do austríaco Karl Rappan, que era o treinador da seleção helvética na Copa de 1938 e criou o famoso ferrolho suíço, o primeiro a utilizar a figura do líbero, uma espécie de curinga que se deslocava de um lado para outro socorrendo os zagueiros em dificuldades. O catenaccio italiano, outra chatice intragável, seria, reconhecidamente, uma evolução do ferrolho suíço.
Alguns placares elásticos da atual Copa, como as goleadas aplicadas por Rússia, Bélgica e Inglaterra em tradicionais sacos de pancadas, camuflam o fato de que, em 30 jogos disputados até este domingo (24), nada menos que 10 terminaram em 1x0!
Rappan era o inimigo público nº 1 da beleza futebolística |
Na partida em que o Brasil amassou a Costa Rica (mas paupérrima em termos futebolísticos) durante o 2º tempo inteiro para só conseguir marcar nos acréscimos, cada vez que a câmara focalizava o técnico Óscar Ramírez, parecia-me estar vendo o Milton Buzetto da década de 1970.
Hoje ele está com 80 anos e deve cochilar à frente da TV ao ver seus herdeiros em atividade, tudo fazendo para manter a inatividade daqueles que antigamente eram chamados de garotos do placar (os encarregados de alterá-lo conforme os gols iam sendo marcados)...
A COPA DO MUNDO VIROU SINÔNIMO DE
MARCAÇÃO. A LIGA DOS CAMPEÕES, DE ESPETÁCULO
Uma interessante explicação da recaída retranqueira é dada por Paulo Vinícius Coelho, na edição dominical da Folha de S. Paulo. Eis os trechos principais:
"...O futebol virou basquete, pela compactação. Está prestes a virar handebol, um muro defensivo apenas. Na Liga dos Campeões também é assim, mas o bloqueio perde para a habilidade. O poder econômico faz diferença entre os clubes da elite mundial. Entre as seleções que não treinam todos os dias as estratégias ofensivas, tudo fica mais equilibrado.
"A Liga dos Campeões é uma espécie de NBA. Quem liga para os mundiais de basquete?" |
A Copa iguala também porque os 502 jogadores que jogam em campeonatos do exterior têm os
mesmos treinos, a mesma tática e a mesma técnica. Convivem com os melhores...
O espetáculo do Real Madrid supera as seleções espremidas pela tática. A Copa do Mundo virou sinônimo de marcação. A Liga dos Campeões, de espetáculo.
Se um dia a Copa morrer, só se verá futebol de alto nível na Inglaterra, na Alemanha e na Espanha. (...) A Liga dos Campeões já é uma espécie de NBA. Quem liga para os mundiais de basquete?
Isso não vai ser bom. O futebol foi o esporte que mais avançou fronteiras e, por isso, é o esporte mais amado do planeta.
As Copas agora são da tática. A Liga dos Campeões, dos craques; e estes chegam desgastados ao mês de junho para suas seleções...
Gol chorado no apagar das luzes: dois atacantes uruguaios lutavam contra sete defensores egípcios |
Com o Qatar em 2022 e os Estados Unidos ao México e ao Canadá em 2026, é provável que aumente para 48 o número de seleções e diminua a quantidade de países interessados em ver o que acontecerá no maior torneio da história".
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