Justiça chilena impede um chileno de cumprir pena no Chile! |
É com desalento que acabo de receber a seguinte notícia: a 7ª Corte de Apelações de Santiago revogou a decisão do ministro Mario Carroza, que havia rebaixado a sentença de prisão perpétua de Mauricio Hernández Norambuena para duas penas de 15 anos, das quais uma parte seria dada como cumprida.
A medida, se mantida, possibilitaria a extradição de Norambuena para o Chile, pois o Brasil estipula como condição, nesses casos, que o condenado não vá cumprir, em seu país de origem, pena igual ou superior a 30 anos.
Ainda assim, ele permaneceria prisioneiro no Chile durante longo tempo. Está com 59 anos e só acabaria voltando às ruas como um inofensivo septuagenário. A diferença seria o cumprimento de sua pena em condições civilizadas, ao invés de submetido à tortura continuada na qual consiste o Regime Disciplinar Diferenciado.
Mas, um recurso rancoroso e vingativo da família do ex-senador Jaime Guzmán o manterá na Penitenciária Federal de Mossoró (RN), sendo destruído aos poucos.
Guzmán foi um dos criadores do CCC de lá |
No Chile, Norambuena foi condenado como autor intelectual do assassinato de Jaime Guzmán, ocorrido em abril de 1991. Quem era tal senador? Um direitista empedernido que, antes do golpe de Pinochet, havia sido o criador do grupo paramilitar Patria y Libertad, uma espécie de CCC de lá. Chegou a declarar: "Para derrotar o marxismo, fui capaz de aliar-me com o fascismo".
Depois do golpe, coerentemente foi o principal artífice de uma Constituição caracteristicamente fascista, a de 1980, que dava suporte legal à inexistência de partidos políticos, supressão da liberdade de imprensa e sistemática perseguição dos inimigos do regime, dentre outras abominações.
Guzmán era também o principal redator dos discursos do ditador Augusto Pinochet, responsável último por 3 mil assassinatos políticos e 37 mil casos de prisões arbitrárias e torturas.
Não possuo elementos para aquilatar se Norambuena foi mesmo o autor intelectual do atentado que vitimou Guzman. É comum as polícias saírem por tal tangente quando não possuem provas contra aqueles a quem querem encarcerar de qualquer maneira.
[Vale lembrar o caso de Cesare Battisti: acusavam-no na Itália de haver participado de duas ações nas quais houve mortes, aí seus defensores provaram que, tendo sido praticamente simultâneas, não haveria tempo hábil para ele se deslocar de uma cidade para a outra. Os acusadores simplesmente taparam o buraco com uma ligeira alteração da denúncia, imputando-lhe responsabilidade direta por uma das mortes e autoria intelectual da outra...]
Guzmán e Pinhochet: feitos um para o outro. |
E, claro, salta aos olhos o empenho legal que houve em evitar não a libertação de Norambuena (fora de questão), mas, tão somente, que ele cumprisse sua pena sem estar submetido a rigores extremos e passasse a receber o carinho de parentes, amigos e correligionários. A corte chilena assegurou que um chileno continuasse submetido aos excessos de uma prisão dantesca do Brasil. É, no mínimo, paradoxal.
Deixo claro que considero um grave equívoco a utilização dos meios extremos da guerra em tempos de paz. Talvez Guzman merecesse mesmo ser justiçado, desde que o atentado houvesse se constituído numa das páginas da resistência à tirania no Chile (trata-se de um direito milenar dos povos!); ou seja, desde que tivesse ocorrido durante a ditadura bestial de Pinochet. Mas, um ano e alguns dias após o carrasco andino ter sido apeado do poder, deixara de existir justificativa política para tal ação.
O problema é o mesmo com relação ao sequestro de Washington Olivetto: estando o Brasil e o Chile redemocratizados, tal etapa já havia sido superada. E mesmo nos anos de chumbo, nós, das guerrilhas daqui, considerávamos que vida só se troca por vida. Realizávamos sequestros para libertar companheiros que estavam sendo massacrados e provavelmente seriam assassinados nos porões da ditadura, mas não os admitíamos como forma de obter recursos financeiros.
Então, é de ordem humanitária meu empenho no sentido de que Norambuena cumpra uma pena de prisão, e não de aniquilação!
No mesmo sentido, aliás, esforcei-me muito para que a greve de fome dos quatro de Salvador, em 1986, tivesse desfecho humanitário, com o compromisso de as autoridades fazerem cessar as arbitrariedades que vinham sofrendo na prisão, embora eu considerasse uma enorme lambança eles haverem pretendido angariar recursos para a revolução assaltando um banco... um ano após terminada a ditadura!
Por último: Antonio Fernando Moreira, advogado do Norambuena no Brasil, vai pleitear que, estando agora afastada a hipótese de extradição, pelo menos seu regime prisional passe para o semi-aberto. Preso desde fevereiro de 2002, há muito ele faz jus a tal benefício. E já foi minada demais sua capacidade de resistência física e psicológica a isolamento tão extremado.
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