O filme para ver no blogue deste domingo é A batalha de Argel (1966), um clássico indiscutível do cinema político, que o diretor italiano Gillo Pontecorvo realizou na melhor fase de sua carreira, três anos antes do igualmente superlativo Queimada (vide aqui).
Rememora o movimento guerrilheiro que, embora sufocado a ferro e fogo pelos franceses (correram mundo as denúncias das brutais torturas ministradas pelos paraquedistas), acabou sendo o ponto de partida da independência argelina.
Para variar um pouco a apresentação que faço dos filmes aqui disponibilizados, reproduzirei o que sobre ele escreveram dois ilustres companheiros.
O Mário Magalhães, biógrafo do Marighella, aprofundou o aspecto da guerrilha urbana:
"Tanto os repressores franceses, tropa de choque dos colonizadores, quanto os argelinos militantes da luta armada, combatentes anticolonialismo, influenciaram brasileiros, sobretudo na segunda metade dos anos 1960 e na primeira dos 1970.
Os guerrilheiros de lá, pró-independência, foram uma das inspirações dos guerrilheiros daqui. E os torturadores daqui, herdeiros do know-how dos castigos da escravidão, aprenderam as lições dos de lá, embora no final da história, em 1962, que o filme não alcança, o triunfo no Norte da África tenha sido dos argelinos, e não dos franceses.
A título de curiosidade, eis uma das muitas menções ao filme na biografia Marighella:
'Os militares assistiam em sessões privadas nos quartéis a um filme de 1966 que a censura retirara dos cinemas, carimbando-o como subversivo. A batalha de Argel inspirava a luta armada, mas ensinava a sufocá-la — a obra se passa em 1957, a cinco anos da independência da Argélia.
Um coronel francês compara os insurgentes às tênias, que se reproduzem pela cabeça: precisam cortar a organização revolucionária por cima. É o que fazem matando o guerrilheiro Ali La Pointe, líder da Frente de Libertação Nacional, cujo paradeiro descobriram torturando um companheiro seu.
No Brasil, a lição argelina equivalia a abater Marighella. É o que a turma do Dops começaria a fazer na alameda Campinas'"
E o responsável pelo melhor blogue de cinema de Portugal, Francisco Rocha, dissecou os aspectos artísticos:
"Um filme comissionado pelo governo argelino, que mostra a revolução argelina dos dois lados. A Legião Francesa tinha deixado o Vietnã derrotada, e tinha algo a provar. Os argelinos procuram a independência, e dá-se o choque. Os franceses usam a tortura, e os argelinos respondem com o uso de bombas tradicionais. O filme traz um olhar desagradável sobre a guerra, e todos nela envolvidos.
Marco de Gillo Pontecorvo sobre o anticolonialismo, é provavelmente o mais famoso filme sem verdadeiros imitadores (Z e outros thrillers políticos são bem diferentes), em grande parte porque os países coloniais costumavam ser os países financiadores desses filmes. Aqui os financiadores eram o país que lutava pela independência, o que traz um ponto de vista totalmente diferente para o cinema político.
Os argelinos são mesmo o centro das atenções do filme, mas mesmo isto não é o que nos faz simpatizar com eles. Pontecorvo faz-nos entender a podridão da guerra, que nenhum dos lados é inocente, pois os argelinos fazem explodir bombas em cafés que matam civis e os franceses, com a sua tecnologia massiva, também matam civis.
Antes das grandes revoluções serem televisionadas, o cinema político permitia que as grandes populações contemplassem a uma certa distância as maquinações e as consequências das agitações violentas. Em A Batalha de Argel, os avanços técnicos permitiram à narrativa fundir-se com a estética documental e formular um novo tipo de realismo.
Pontecorvo mergulha nesta estética, no que pode ser o maior filme sobre a insurreição, perfilando a luta da Argélia pela independência em tal detalhe e agitação que muitas cenas parecem tiradas diretamente de um telejornal da atualidade.
Pontecorvo desliga-se dos aspectos mais emocionais e adota a tática da câmara no ombro, não apenas para estabelecer o efeito documentário, mas também para fazer sobressair o impacto de cada tiroteio ou explosão como uma experiência profundamente pessoal.
Ação e reação são inevitáveis, assim como a banda sonora memorável de Ennio Morricone, utilizando o mesmo tema para cada um dos lados, é perturbadora. Três nomeações ao Oscar e três prêmios no festival de Veneza, incluindo o Leão de Ouro".
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