segunda-feira, 11 de julho de 2016

A TRAGÉDIA DA SAÚDE SOB O CAPITALISMO

“Eu, solenemente, juro consagrar minha vida ao
serviço da humanidade.” 
(juramento de Hipócrates, o pai da medicina, conforme a
versão atualizada de 1948)
Como sabemos, os serviços e tratamentos de saúde são mercadorias-serviços ou mercadorias-objetos compradas diretamente pelos indivíduos sociais ou pelo Estado. 

É que todas as ações ou objetos de consumo na saúde (como, de resto, em todas as áreas) são mercadorias, demandando, portanto, valor; e como valores, têm, obviamente, de remunerar diretamente os trabalhadores da medicina (médico, enfermeiros e demais profissionais da área), além da parte do leão: o custoso mundo empresarial médico (hospitalização, remédios, profissionais internos, materiais, etc.). 

O tratamento da saúde é uma mercadoria cara para os padrões capitalistas de mercado. Assim, a remuneração da saúde pública feita pelo Estado é demasiado onerosa para a economia pública, voltada para fins prioritários sistêmicos que não são a saúde. 

O gasto com saúde pública pelo Estado se constitui apenas numa das grandes justificativas para a cobrança dos impostos, circunstância que mascara o verdadeiro objetivo da garfada, que é a manutenção da superestrutura do poder institucional do Estado (poderes executivo, legislativo e judiciário, forças militares, infraestrutura da vida mercantil estradas, energia, abastecimento d’água, etc., financiamento estatal, etc.), de modo a que se efetive o seu fim precípuo, qual seja a regulamentação, administração coercitiva e indução da relação social mercantil segregacionista e subtrativa na sua essência, aquilo que o sustenta. A saúde jamais será uma prioridade estatal na vida social mercantil.  

Assim, a maior parte dos indivíduos sociais, os pobres dos países ricos e notadamente os pobres dos países pobres, periféricos do capitalismo (cerca de 80% da população mundial), por não ter recursos pessoais para a compra dos serviços médicos e por não ter assistência médica estatal, fica privada de tratamentos médicos eficazes. 

A depressão mundial capitalista em curso acarreta uma carência cada vez mais acentuada dos tratamentos de saúde e cuidados preventivos. O fantasma da morte ronda as populações pauperizadas, com a volta de doenças que pareciam ter sido extirpadas graças aos avanços da ciência médica (tuberculose, hanseníase, malária, etc.). 

A mercadoria-serviço saúde, por sua relação direta com a defesa da vida, e graças aos seus altos custos de execução, configura-se como uma dos maiores tragédias do mundo capitalista ora em fase de processo de autofalência, sem que disso se apercebam os indivíduos sociais, atribuindo tal situação apenas à má administração pública e à corrupção (que existem e agravam o problema). 

CONSEQUÊNCIAS E MOTIVOS DE OS 
SERVIÇOS MÉDICOS SEREM TÃO CAROS
.
Os tratamentos de saúde envolvem profissionais altamente qualificados, equipamentos tecnológicos de última geração, remédios patenteados e materiais cirúrgicos (alguns muito caros). 

Nas sociedades mercantis, o trabalho abstrato, produtor de valor, é, a um só tempo, concreto (consubstanciando-se no valor de uso) e abstrato (valor de troca); ademais, subdivide-se em simples e qualificado, sendo este último, por sua vez, subdividido em ofícios de maior ou menor grau de qualificação. 

A remuneração dos trabalhos abstratos qualificados é maior que a dos simples pelo fato de que os primeiros requerem um tempo de custos em valor para essa qualificação, e também por sua escassez. 

Destarte, os profissionais da medicina (principalmente os médicos), têm remuneração diferenciada e a maior do que aquelas relativas aos trabalhos simples num mesmo contexto (como, p. ex. o pessoal da limpeza de um hospital). É que, no mundo da forma-valor, o dimensionamento de tudo se dá por unidades de valor (o quantitativo em dinheiro); assim, também a saúde, enquanto mercadoria, segue o mesmíssimo padrão. 

A consequência disso é que, por sua qualificação escassa (lei de oferta e procura de mercado), altos custos de formação e necessárias exigências de chancela para o seu exercício, os serviços médicos (com gradações diferenciadas para médicos, enfermeiros, maqueiros, etc.), têm um valor mais elevado que os serviços menos qualificados, obedecendo à lógica capitalista de privilegiar as atividades que requeiram um maior custo de produção e lucro. A mercadoria-saúde é, portanto, cara, e somente acessível a quem pode pagar para tê-la. 

O Estado, por sua vez, apesar de constitucionalmente responsável pelo atendimento médico às populações empobrecidas, não pode e não quer desviar recursos das suas funções estratégicas primordiais a que acima nos referimos, de forma a poder prover tais serviços na sua exigência necessária. Mantém, então, um simulacro de atendimento, que resulta em mortes, invalidezes e sofrimentos desnecessários. 
AS DISTORÇÕES DECORRENTES 
DA MERCANTILIZAÇÃO DA SAÚDE 

Sob o capitalismo todas as atividades se resumem a um objeto teleológico determinado: ganhar dinheiro. Tal objetivo se materializa no ato de produzir e vender serviços e mercadorias. Assim, o serviço médico, antes de ser um ato de preservação da vida, é uma mercadoria que tem como finalidade primeira a geração de lucros e receitas profissionais obedecendo aos rígidos critérios de mercado que estabelecem uma relação de custo-benefício, os quais interferem decisivamente neste exercício profissional. 

Tudo no universo mercantil tem de passar pelo buraco estreito da viabilidade econômica (Robert Kurz). Assim, se a saúde não tem condições de dar lucro, ou seja, de se manter dentro dos padrões imanentes à lógica capitalista, que morram os pacientes nas macas dos corredores dos hospitais, como se observa em todos os estados brasileiros, repetindo o deplorável quadro existente mundo afora (que é mais cruel em regiões da África, da Ásia e da América Central). 

Os profissionais da saúde não são os responsáveis por esse quadro, mas estão presos a tal lógica perversa e, por vezes, defendem corporativamente seus interesses. O capitalismo cria distorções tais na área da saúde que muitas vezes se transformam em terror, pois o tratamento da vida é (ou deveria ser) atividade incompatível com a lógica do lucro mercantil.

Numa sociedade não mediada pelo valor (dinheiro e mercadorias), a saúde poderia ser diferente? Sim, pois nela as prioridades não seriam determinadas pela necessidade de geração de lucros, mas pelo interesse social de satisfação das necessidades humanas. É a isto que chamamos de consciência social.  

Assim, o que definirá o esforço e o grau de importância para a existência de uma atividade social como a proteção à saúde, com a necessária construção de hospitais equipados com instrumentos médicos e remédios à mão, bem como a existência de profissionais de saúde preparados e disponíveis ao atendimento social, é a própria sociedade, mediante sua ação consciente e coletiva de construção de tais condições; é simplesmente impossível construção disso tudo por mecanismos de mensuração mercadológica, cuja lógica interna de reprodução se torna cada vez mais inviável.

Aos que não acreditam nesta possibilidade pedimos que reflitam sobre o fato de que, como dizia Marx, em nenhum produto ou serviço, anatomicamente dissecado, existe um grama sequer de dinheiro. O valor apenas se imiscui nas atividades humanas predatoriamente, utilizando as finalidades de consumo para viabilizar o seu desiderato destrutivo. (por Dalton Rosado)

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