sexta-feira, 1 de novembro de 2013

"TERÁ QUEM ANDAR COMIGO SUA VEZ E SUA HORA"

A hora e vez de Augusto Matraga (1965), que vocês podem ver completo na janelinha abaixo, é outro de nossos grandes  nordesterns  (*) dos anos 60, ao lado dos glauberianos Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) e O dragão da maldade contra o santo guerreiro (1969).

Representou o Brasil no Festival de Cannes de 1966 e poderia ter vencido, já que era incomensuravelmente superior aos banais Um homem e uma mulher (d. Claude Lelouch, 1966) e Confusões à italiana (d. Petro Germi, 1966), agraciados com a Palma de Ouro.

Mas, não foi o único injustiçado. O incrível exército Brancaleone (d. Mario Monicelli, 1966) e Gaviões e passarinhos (d. Pier Paolo Pasolini, 1966) também concorriam...

A mesma sina tivera Deus e o diabo dois anos antes; como o juri pôde ser tão obtuso a ponto de preferir Os guarda-chuvas do amor (d. Jacques Demy, 1964)?!

Pelo  jeitão  e pela proximidade (pouco mais de um ano os separa), Matraga é geralmente comparado a Deus e o Diabo, mas as pretensões do Glauber eram bem maiores: ele criou um enredo que lhe permitisse transmitir seus conceitos acerca do subdesenvolvimento, da miséria nordestina, do latifúndio, do catolicismo, de Canudos, do cangaço, das vias para a libertação do povo, etc.

Roberto Santos, menos ambicioso, empenhou-se em contar bem uma boa história de João Guimarães Rosa, sobre um  poderoso que perde tudo, é dado como morto e se reconstrói trocando a antiga arrogância pela humildade e religiosidade. Trabalha para o casal de camponeses idosos que o socorreu, fazendo de ambos suas figuras paternas.

Mas, depois de certo tempo, a inquietação retorna e ele resolve sair em busca do seu destino, às cegas, deixando que o jumento o conduza ("'Tou aqui quase contente/ mas agora vou-me embora", comenta um dos temas  da belíssima trilha musical).

Acaba topando com um motivo para empunhar de novo as armas, a serviço do que lhe parece ser uma boa causa. Sua opção, contudo, é depreciada na canção que encerra o filme ("Se alguém tem de morrer/ que seja pra melhorar/ Tanta vida pra viver/ Tanta vida a se acabar/ Com tanto pra se fazer/ Com tanto pra se salvar/ Você que não me entendeu/ Não perde por esperar"), dando um nó na cabeça de muitos espectadores.

Além da direção correta de Roberto Santos e das magníficas atuações de Leonardo Villar e Jofre Soares, destaque para as composições inspiradíssimas de Geraldo Vandré. Três delas foram lançadas em compacto e mais tarde incluídas em LP: "Cantiga brava", "Modinha" e "Réquiem para Matraga".

Um detalhe que a grande maioria desconhece: na primeira, Vandré utilizou como ponto de partida uma quadra que já constava do conto de Guimarães Rosa ("O terreiro lá de casa/ Não se varre com vassoura/ Varre com ponta de sabre/ e bala de metralhadora"). E deixou de aproveitar outros quatro versos: "A roupa lá de casa/ Não se lava com sabão/ Lava com ponta de sabre/ E bala de canhão".

Por último: embora bem menos badalado do que outros filmes derivados de Guimarães Rosa, o único que ombreia com Matraga em termos de excelência cinematográfica é o raríssimo Sagarana, o duelo (1974).

O roteiro, também do diretor Paulo Thiago, é simplesmente primoroso. Utiliza um conto curtinho como fio condutor e agrega personagens e situações de outras histórias, com tamanha felicidade que o espectador jamais suporia tratar-se de uma colcha de retalhos. Quem encontrar por aí, deve alugar correndo! E quem tem TV a cabo, acompanhar a programação do canal Brasil, pois há sempre uma chance de voltar a ser exibido.  



* Estou ciente, claro, de que a história de Matraga transcorre no sertão mineiro e não 
na caatinga nordestina. Mas, as características das sociedades neles retratadas 
abordagem dada pelos diretores (inclusive com um duelo como grande 
final), justificam a inclusão do filme de Roberto Santos neste filão. 

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