domingo, 13 de fevereiro de 2011

ANOS DE CHUMBO: JOAQUIM CERVEIRA, EXECUTADO PELA OPERAÇÃO CONDOR

“Às 18 horas do dia 5 de dezembro de 1973, meu pai Joaquim Pires Cerveira (...) se dirigiu a um encontro com seu companheiro de Organização (...) João Batista de Rita Pereda.

“Atropelado e seqüestrado com Pereda no centro de Buenos Aires pela Operação Condor, foram entregues à ditadura brasileira.

“Foi assassinado em 13 de janeiro de 1974 no DOI-Codi da Barão de Mesquita (RJ), tornando-se um desaparecido político.

“Dali para frente, a vida se resumiu na busca da verdade e dos seus restos mortais.”

O depoimento é de Neusah Cerveira, jornalista, economista, geógrafa e historiadora.

Segundo ela, o delegado Sérgio Paranhos Fleury, do Deops/SP, comandou pessoalmente o seqüestro, com a colaboração de agentes da Polícia Federal e do Exército argentinos.

Enviado a São Paulo, Cerveira ficou à disposição do DOI-Codi, então chefiado por Carlos Alberto Brilhante Ustra.

E foi Ustra em pessoa que o entregou ao DOI-Codi/RJ, onde chegou numa ambulância, às 23h do dia 12. Durante a madrugada executaram-no; depois, deram sumiço nos seus restos mortais.

Conheci Cerveira em maio/1970, no DOI-Codi/RJ. Quarentão, bondoso, esforçava-se por elevar o moral dos colegas de cela, cantando músicas de sua autoria.

Uma delas ficou para sempre na minha lembrança. Começava assim: “É bonito o anoitecer na praia,/ é bonito o anoitecer no mar./ Eu fui no mar, à tardinha,/ levar meu presente pra nossa rainha./ Ê, ê, é a rainha do mar,/ ah, ah, nossa mãe Iemanjá”.

Por razões de segurança, não conversávamos sobre nossas respectivas militâncias. Soube depois que ele havia feito carreira militar, chegando a major; era gaúcho e vinha das hostes brizolistas.

Mal os golpistas de 1964 usurparam o poder, transferiram-no à reserva: ele foi um dos punidos pelo Ato Institucional nº 1.

Preso em outubro/1965, acabou sendo inocentado da acusação de subversão em maio/1967.

Nova detenção em 1970, quando fomos colegas de infortúnio. Sua esposa e filho também sofreram torturas.

Minhas recordações, evidentemente, são nebulosas, tanto tempo depois. Mas, ficou-me a imagem de um homem de tipo caseiro, cuja aparência prosaica e inofensiva contrastava com a dos ex-militares da minha própria organização, a VPR; estes tinham ar decidido e pareciam sempre prontos para a ação.

Minha avaliação, face ao que fiquei sabendo depois, não estava longe da realidade. Cerveira, bom pai de família, poderia perfeitamente ter levado uma existência tranqüila. Era a noção do dever, a fidelidade à causa revolucionária, que o forçava a enfrentar perigos e viver fugido.

Um dos 40 presos libertados quando do seqüestro do embaixador alemão, viajou em junho/1970 para a Argélia.

No Chile, participou em 1972 do julgamento de uma dirigente da VPR, acusada de pusilaminidade diante da repressão. Convenceu os demais julgadores de que, mesmo sendo ela culpada, revolucionários não deveriam matar revolucionários. Salvou-lhe a vida.

Sem a mínima ambição pessoal, com enorme idealismo e força moral, Cerveira foi um daqueles quadros que fizeram muita falta na redemocratização do País.







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