Assim, eu me reportava diretamente aos dois integrantes do Comando Nacional (o Jamil/Ladislau Dowbor e a Lia/Maria do Carmo Brito, esta de origem Colina) que faziam a ponte entre a cidade e o campo, onde o terceiro comandante nacional (o Cid/Carlos Lamarca) tratava de implantar a escola de treinamento guerrilheiro.
E mantinha-me em contato diário com os outros comandantes baseados no RJ, o Juvenal/Juarez Guimarães de Brito e o Roberto Gordo/José Ronaldo Tavares de Lira e Silva, responsáveis pelas nossas duas unidades de combate lá atuantes.
Já não era tratado como neófito inexperiente, mas aceito como igual pelos veteranos, naquela fase da luta em que sobreviver quase um ano aos perigos diários se tornara um marco inalcançável para muitos.
Como cantou Milton Nascimento, memória não morrerá! |
Ponderei que era arriscado exagerarmos, já que para a ditadura um embaixador dos EUA tinha peso muito maior do que um cônsul nipônico. Também não poderíamos trocá-lo apenas pelo Mário Japa, caso contrário cairia para o inimigo a ficha de que tinha nas mãos um quadro que valorizávamos muito.
Então, precisávamos botar outros companheiros na lista, mas não a ponto de os fardados ficarem em dúvida sobre o atendimento ou não da nossa exigência. Propus o número de cinco, cinco pedimos e cinco obtivemos.
Enviado o Japa para a Argélia, restava a dúvida sobre se ele teria dado alguma pista sobre a área ou os trabalhos nela poderiam prosseguir normalmente.
Albuquerque Lima (esq.) queria reproduzir no Brasil o nacionalismo do ditador peruano Juan Velasco Alvarado |
Enfim, no RJ eu estava atuando verdadeiramente como um quadro de Inteligência, ao contrário do que acontecera em SP, onde a minha contribuição era maior como integrante do Comando estadual do que na minha função específica.
Mais: desenvolveu-se uma grande afinidade entre o Juvenal e eu, pois ambos éramos egressos do movimento estudantil (ele fora professor e se tornou o comandante militar do Colina, com um notável talento para planejar ações astutas como a expropriação do cofre do Ademar).
Tínhamos formação humanista: acreditávamos na luta armada, mas travada com critério, sem bravatas nem desnecessário derramamento de sangue. Nossa visão da organização era bem profissional, ao estilo dos tupamaros uruguaios. E sabíamos que, se porventura vencêssemos (hipótese que sabíamos ser remota), deveríamos evitar a todo custo as armadilhas do autoritarismo que desfigurara outras revoluções.
Depondo na Auditoria da Marinha um dia após a Dilma |
Não se é verdadeiramente revolucionário sem esse desejo ardente de transformar a sociedade que nos leva a assumir os piores riscos que surjam pelo caminho. Mas, nem meus piores augúrios igualavam o pesadelo que veio a seguir.
Se valho alguma coisa, foi por não ter-me deixado quebrar pelas adversidades que despencaram sobre mim a partir daquela funesta quinta-feira, 16 de abril de 1970.
Antes, aconteceu o que se repetiria muitas vezes na minha militância: tive uma forte suspeita de que algo muito ruim estava a caminho, mas não consegui convencer quem poderia evitá-lo.
Foi num ponto meu com a Lia e o Jamil, na segunda ou terça-feira. Disseram que o Lamarca exigira a presença dos demais comandantes nacionais e dos comandantes de unidades de combate na área de treinamento guerrilheiro, pois temia que a Organização novamente não estivesse priorizando a tarefa principal (lançamento da coluna guerrilheira) como deveria.
Wellington Moreira Diniz em 2013, ao ser julgada sua anistia |
Eu o conhecia do congresso de outubro da VAR-Palmares e não acreditava que faltaria a dois compromissos com a Organização por motivo fútil. Pensei logo que ele deveria ter sido morto ou preso.
E me ocorreu que, se ele houvesse mesmo caído no sábado, seria uma temeridade os comandantes estarem reunidos no campo e não a postos para lidar com uma possível emergência. A VPR, por causa das quedas que se sucediam implacavelmente, resolvera adotar um modelo vertical, com cada unidade de combate, bem como a minha de Inteligência, conhecendo apenas seu comandante.
O contato entre elas era unicamente o contato entre os comandantes. Com estes ausentes, ficaria muito mais difícil cientificarmos uns aos outros e tomamos providências para evitar uma sucessão de quedas em cascata.
Insisti longamente com o Jamil e a Lia no sentido de que adiassem a reunião com o Lamarca, mas ambos não ousaram discrepar dele. Representavam dois terços do Comando Nacional, portanto poderiam fazê-lo, mas refugaram. Foi fatal.
O Wellington tinha mesmo sido preso no sábado e desde então sofria as piores torturas, mas aguentou bravamente até a quarta-feira, quando acabou abrindo o fotógrafo ao qual conduzira o Lamarca para tirar fotos após a sua operação plástica. O fotógrafo, por sua vez, entregou um médico que era nossa principal fonte de aliados e, ao mesmo tempo, a maior vulnerabilidade que tínhamos no RJ.
Comissão Nacional da Verdade falhou em entregar às famílias os restos mortais dos desaparecidos |
Ao ser conduzido para a sede do DOI-Codi, no quartel da Polícia do Exército na Tijuca, eu quase sufocava por causa do capuz que me colocaram e de me forçarem a cabeça para baixo a fim de não ser visto da rua ou dos carros que passavam ao lado.
Sabia que, mesmo se sobrevivesse, nunca mais seria o mesmo. E não tinha certeza de que valeria a pena sobreviver.
Se funcionasse a capsula de cianureto produzida por estudantes de química aliados da VPR, eu a teria usado, mas aqueles aprendizes de feiticeiro haviam falhado em algum detalhe, de forma que poucos dias antes o Juvenal me informara do fracasso colhido por quem a utilizara. Então, só restava preparar-me para o pior. (por Celso Lungaretti)
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7 comentários:
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estimativas dos próprios terroristas calculam em 370 o número de mortos e desaparecidos pela ditabranda em nosso país - isso em 20 anos..hoje seus protegidos mais fieis e aplicados (a dita criminalidade comum) mata isso ..por dia
Valmir, não só o número de militantes de esquerda executados pela ditadura militar é maior do que esse como os únicos terroristas naquele momento histórico eram os terroristas de Estado que matavam, torturavam, estupravam e davam sumiço em restos mortais.
A utilização propagandística da palavra "terrorista" para designar quem pegou em armas contra os usurpadores do poder não passou de um artifício espúrio dos serviços de Guerra Psicológica das Forças Armadas para tentar igualar as vítimas aos algozes.
Até então, era ponto pacífico que qualquer cidadão podia e deveria exercer o direito milenar de resistência à tirania. O resistente que tentava impulsionar uma luta popular para expulsar aqueles que haviam se apossado do poder mediante quartelada não tinha nem nunca teve nada a ver com terroristas.
Terroristas eram grupos ou indivíduos isolados que tentavam intimidar autoridades mediante atentados, para que elas não conseguissem governar. Ou seja, lançar guerrilha, arregimentar populares até formar um exército para expelir um ditador, como fizeram os cubanos, é um direito das gentes desde a Antiguidade.
Terroristas eram, por exemplo, os russos que tanto tentavam matar o czar e seus ministros, bem como, mais recentemente, os que deram inútil demonstração de força destruindo o WTC.
Ou seja: grupúsculos impotentes para conquistar o poder e que apenas queriam exibir o muque, como aqueles imbecis que assassinaram o arquiduque Ferdinando em 1914 e acabaram dando pretexto para uma guerra mundial.
TEM RAZAO..CORRIGINDO:Esta lista reúne os mortos e desaparecidos políticos no regime militar de 1964. Os assassinatos e desaparecimentos de opositores ao regime militar no Brasil foram investigados pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), por comissões estaduais da verdade, por entidades de direitos humanos e pelos próprios familiares das vítimas. Nessas diversas investigações, há discrepância nos números de mortos e desaparecidos computados. A CNV, em seu relatório final, reconheceu 434 mortes e desaparecimentos políticos entre 1946 e 1988, dos quais a maioria ocorreu no período do regime.[1][2]
Valmir, eu me referia a lacunas constatadas nessas listagens na década retrasada. Eu me lembro que apenas uma delas acrescentaria uns mil nomes à relação dos executados. Na época eu citei o fato num post mas, como não coloquei tal informação no título, seria difícil localizar o dito post agora, dentre os 4.660.097 colocados no ar até hoje.
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