Na célebre frase de Hamlet, “ser ou não ser? Eis a questão", da clássica peça A tragédia de Hamlet, Príncipe da Dinamarca, de William Shakespeare, o grande dramaturgo, poeta e ator inglês expressa metaforicamente a dúvida hamleteana entre a honra da morte heroica pela lança enfurecida na luta ou a covardia da aceitação passiva dos infortúnios da injustiça, que representa a desonra, que é outro tipo de morte, pois em vida.
A metáfora shakespeareana, criada no início do período de transição europeia do feudalismo para o capitalismo na virada do século 16 para o 17, é perfeitamente adaptável à situação deste início de século quando se esgota a relação social capitalista por seus próprios fundamentos exigindo de nós o enfrentamento de tal situação.
É evidente que enfrentamos situações sociais negativas históricas que se agravam e outras que vêm surgindo, convergindo para um quadro de insustentabilidade e de barbárie.
Desemprego estrutural é o sintoma mais elucidativo da debacle capitalista, que se nutre do trabalho abstrato produtor de valor pelos trabalhadores para existir, e que persiste e se acentua diante da irreversibilidade da era da terceira revolução industrial da microeletrônica, causadora da obsolescência, em maior parte, do dito cujo.
A era da cibernética e seus amplos e variados campos de atuação, que vão desde a comunicação instantânea via satélite, passando pela computação que tudo calcula e virtualiza em tempo real, até a robotização que substitui o homem na produção de mercadorias, decretou o que Marx previu nos “Grundrisse”: a implosão dessa forma de relação social.
O sujeito revolucionário deixaria de ser o proletariado, por simples obsolescência de sua existência majoritária e poder de pressão, para dar lugar a um impasse interno, endógeno ao próprio capitalismo, cujo sujeito revolucionário é a própria natureza da relação social diante do processo da dialética do movimento social.
Isto é Marx dizendo que não era marxista tradicional, do movimento operário, de modo autocrítico, como de fato afirmou ao compreender a possibilidade de desvirtuamento empírico - por má compreensão ou comodidade antirrevolucionária - de sua doutrina, o que efetivamente terminou por acontecer quando se endeusou o trabalho e o trabalhador, quando é necessário superar esas duas categorias capitalistas, e não conservá-las.
Aos dissabores da crise econômica ora em curso e do incremento das guerras, repetindo-se o que ocorreu na sequência da segunda revolução industrial fordista com as duas grandes guerras mundiais - de 1914 a 1918 e 1939 a 1945 - agora com potencial de destruição mundial da vida pela hecatombe nuclear, vem também o aquecimento global como decorrência da massiva emissão de gás carbônico na atmosfera, fato que antes não havia sido percebido por todos os protagonistas da cena capitalista.
Mesmo diante da emissão poluente e devastadora do gás carbônico na atmosfera, muitos países, inclusive o Brasil, continuam a descobrir petróleo e se jactar de suas riquezas advindas da produção e refino para comercialização, o que bem demonstra a insanidade ditatorial e suicida da lógica do capital sobre a sociedade e seus governantes.
Juntam-se ainda à crise do valor e ecológica as crises política, social, demográfica - com a migração populacional por pobreza crescente e fenômenos climáticos -, distúrbios psíquicos - aumentam os suicídios e dependências às drogas - e epistêmicos.
Mas, apesar das evidências, o drama hamletiano persiste.
A questão de fundo tem conteúdo epistemológico, relacionado ao desconhecimento sobre a natureza das relações sociais dominadas pelo espectro político vertical naturalizado como indispensável.
Há uma crença naturalizada de que somente se poder fazer alguma coisa com a interveniência do dinheiro, como se houvesse alguma molécula dele inserida nos objetos transformados em mercadorias. Esquece-se que o dinheiro não é nem matéria e nem músculos e cérebros, únicos pré-requisitos para a materialização de um objeto ou uma ação de serviço, mas é apenas uma relação social estabelecida pelos escravistas desde a Grécia antiga e que agora encontra o seu ocaso existencial.
O dinheiro, a abstração em si, como única mercadoria que não tem valor de uso, mas é capaz de comprar todas as outras, é o instrumento usado pela escravista e oportunista - apenas usa a necessidade de consumo de mercadorias para existir, sem intenção social virtuosa - sociedade do valor econômico como sua representação numérica virtual preponderante, quase único, para a obtenção daquilo de que necessitamos materialmente.
A definição ora firmada é bem mais elucidativa do que aquela dos compêndios de economia, que apenas superficialmente definem a sua função e administração, sem ir ao âmago de sua essência negativa inconfessada.
É por isso que comumente se confunde valor econômico, algo abstrato, intangível, fruto de uma convenção social escravista e destinada à mensuração do tempo-trabalho como seu critério de quantificação para as trocas de mercadorias - com valor de uso e de troca, a partir da mensuração do tempo-valor médio do trabalho - no mercado, com outros tipos de valores, reais, virtuosos e incomensuráveis, como a capacidade de satisfação de consumo de um objeto natural, o talento para determinadas atividades, ou ainda virtudes como generosidade, solidariedade, saber, beleza física, simpatia, saúde, etc., etc., etc.
Confunde-se o meio dinheiro, mera representação numérica do valor, como se fosse um fim em si, e o medo de perdê-lo como tal, fato que agora é impulsionado pela sua incapacidade de autorreprodução válida, advinda da produção de mercadorias, cria a paranoia da sua essencialidade.
Estabelece-se, então, a incerteza sobre o que se pode colocar em seu lugar, sem se saber que não há nada para se colocar no seu lugar, mas simplesmente superar a sua intervenção negativa e deletéria e se recriar a partilha, agora sob controle de quem a produz coletivamente pelos meios tecnológicos de produção e saberes eletrônicos tão desenvolvidos.
Algo assim como inverter o atual papel da cibernética, deixando de criar os atuais impasses de acesso de todos à produção social indebitamente apropriada pelo capital, para dar azo à satisfação plena de consumo social a partir de seus usos sem a intermediação deletéria do valor.
Com o desenvolvimento do saber tecnológico nos vários campos do conhecimento e, principalmente, com o advento da terceira revolução industrial cibernética, que provoca o desemprego estrutural e a dessubstancialização vertiginosa do valor, inviabiliza-se a vida sob o critério de sua forma de relação social.
Mas a cibernética, antes de ser um problema nas nossas vidas, pode, deve ser e é um presságio de novos e venturosos tempos impelindo-nos à consecução da necessária opção pelo implemento de medidas que eliminem aquilo que somente está permeando as nossas cabeças mal aculturadas numa forma de relação social que sempre foi ruim para a grande maioria das pessoas e que agora se inviabiliza de modo socialmente impositivo e destrutivo, apesar da direita querer a sua permanência e até a volta de pressupostos de incivilidade que se supunham já ultrapassados.
Está diante de nós a possibilidade mais auspiciosa da história da humanidade: livrarmo-nos das amarras do dinheiro e descortinarmos um mundo de possibilidades do fazer fora da famigerada viabilidade econômica, que hoje impossibilita muita coisa boa de ser feita, menos as máquinas de guerra que geram valor à economia capitalista via indústria bélica e se destinam à destruição da espécie humana e à manutenção manu militare da extração e venda de petróleo que emite gás carbônico aquecendo o planeta numa prova inconteste da ilogia suicida capitalista.
Sermos revolucionários e abrirmos a perspectiva da vida plena ou nos acovardarmos diante da morte inglória e real, eis a questão! (por Dalton Rosado)
Um comentário:
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