terça-feira, 26 de setembro de 2023

"O 3º MUNDO VAI EXPLODIR! QUEM 'TIVER DE SAPATO NUM SOBRA!" (O FILME-MANIFESTO DO CINEMA MARGINAL FAZ 55 ANOS)

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ouve uma vez um movimento cinematográfico brasileiro que ofereceu  alternativa ousada e extremamente provocativa ao marasmo do chamado cinemão, com suas cópias imperfeitas da estética manipulada e manipuladora das grandes produções dos EUA e Europa.

Foi o explosivo cinema marginal, cujo filme-manifesto, O bandido da luz vermelha, completa 55 anos neste final de 2023. Trata-se de um clássico da contracultura, que até hoje impressiona não só pelo vigor, como também, inclusive, por sua aposta na degradação da vida brasileira sob o capitalismo agônico. O que naquele tempo parecia pesadelo de uma imaginação distópica hoje se corporifica na cracolândia e na barbárie boçal do bolsonarismo, entre outros horrores.

Dirigido pelo estreante Rogério Sganzerla,  então com 22 anos, 
O bandido da luz vermelha foi um cult instantâneo, surpreendendo as sensibilidades colonizadas com uma proposta que era principalmente paulista, pobre em recursos mas rica em criatividade. 

E, acima de tudo, transgressora da linguagem cinematográfica tradicional, pois mais chegada ao universo dos cabarés e dos tipos decadentes da zona do meretrício do centro velho de São Paulo (enquanto o cinema novo, predominantemente carioca, tinha como referências principais os trabalhadores e favelados). 

O rigor histórico nos manda considerar Ozualdo Candeias como o verdadeiro pai do cinema marginal, com seu belíssimo A margem, de 1967. 

Este, contudo, sendo tão pessoal e diferente de tudo que se fazia no Brasil, acabou não tendo seguidores, enquanto o bandido de Sganzerla inspirou Júlio Bressane, Carlos Reichenbach, Andrea Tonacci, Neville D'Almeida, Emílio Fontana e muitos outros.

Quanto ao filme em si, foi uma genial transposição de um dos principais clássicos da 
nouvelle vague francesa, 
O demônio das onze horas (d. Jean-Luc Godard, 1965) para o ambiente esculhambado da boca-do-lixo, com narração brega ao estilo dos programas policiais radiofônicos (Gil Gomes & cia.) e participação de artistas marcantes da era do rádio, como o humorista Pagano Sobrinho e o cantor Roberto Luna. 

Paulo Villaça consegue sustentar bem seu personagem, o qual, claro, tinha bem mais a ver com o Ferdinand Griffon (Jean-Paul Belmondo) do filme francês do que com o João Acácio Pereira da Rocha, o bandido da luz vermelha brasileiro (tal apelido, vale lembrar, foi inspirado no red light bandit dos EUA, Caryl Chessman).

E a frase mais marcante, repetida ad nauseam fora das salas de exibição, era "o 3º mundo vai explodir, quem 'tiver de sapato num sobra". (por Celso Lungaretti)
O filme que impactou fortemente toda uma geração...
...e a boa análise de Max Valarezo no canal EntrePlanos do Youtube.

4 comentários:

Anônimo disse...

Boa noite Celso, tudo bem por aí?
Vendo uma entrevista recente com o "colírio",
a ainda estonteante Nicole Puzzi,
Ela fala sobre o filme "Os marginais".
Você recomenda?
Abraço do Hebert.

celsolungaretti disse...

Nossa, é uma obra menor do cinema marginal, um filme totalmente esquecido. Você pode ver no Youtube = https://youtu.be/itOsr6wewbQ?si=8lkAkhXq3V1vofYC

Quanto à Nicole, sua bunda ficou muito mais conhecida do que ela.

Numa fase de vacas magras, o Walter Hugo Khouri fez um filme com o Galante, um produtor da chamada boca-do-cinema paulista, centrada na rua do Triunfo.

Apesar da farta exibição de belas atrizes nuas, "O prisioneiro do sexo" não foi um filme de jogar fora, lembra até o clássico "Noite Vazia".

Mas, provavelmente por escolha do Galante, o pôster exibido nas portas de cinemas deve ter sido o mais explícito de toda aquela fase: https://pt.wikipedia.org/wiki/O_Prisioneiro_do_Sexo#/media/Ficheiro:Prisioneiro_Sexo_CN_0607.jpg

Como eu naquele tempo entrevistei o Khouri e cheguei até a fazer o texto de apresentação do filme seguinte dele3, "Convite ao prazer" (uma continuação de "O prisioneiro do sexo"), fiquei sabendo que o traseiro em questão era o da Nicole. Mas exte detalhe não foi revelado para o público em geral.

Graças a essa curta convivência com o Khouri, ele recomendou que algumas de suas atrizes me dessem entrevistas e me permitiu usar as fotos delas que ele tinha no seu acervo pessoal. Mas, se bem me lembro, só entrevistei a Sandra Brea e a Aldine Muller.

Além disto, para a revista Fiesta, fiz uma matéria contando como era a filmagem de sequências de sexo. Mas o Khouri escolheu o dia em que as participantes eram duas coadjuvantes. O que vi foi um trabalho exaustivo de umas 5 horas, em plena madrugada, que acabou rendendo apenas 1 minuto no filme.

Devo ter feito entrevistas com mais umas quatro ou cinco atrizes da época (1980 a 1984), mas não calhou de ser com a Nicole Puzzi, nem me lembro de ter cruzado e papeado com ela lá na rua do Triunfo.

Não era uma figurinha carimbada que estivesse toda hora por lá, fazendo-se visível para ser lembrada na escolha de coadjuvantes para os filmes. As que tinham menos classe, quando não estavam filmando, passavam praticamente o dia inteiro bebendo cerveja e papeando com o pessoal de cinema.

Anônimo disse...

Oi Celso, tudo bem?

Nicole (ainda belíssima aos 65 anos), trata-se de uma das paixonite de garoto, que ainda se mantém (Risos).
Os trabalhos do cineasta favorito Jean Garret são: "Possuídas pelo pecado", com Nicole; e "Amadas e violentadas", o primeiro filme de serial killer nacional que tive a oportunidade de ver, e rever.
Nossa!! Quantos relatos e aventuras, heim?!
Muito pra contar, regado a chope gelado, batata frita, grujão de peixe, linguiça acebolada.
Particularmente, um trecho chamativo do "Bandido da luz vermelha
é aquele em que João Acácio vai ao cinema, e diante da euforia da plateia durante o filme, indignado, Ele diz: "Nesse país, o cara tem que ser grosso, pra ser forte. Eu disse, naquele bangue-bangue italiano gringo. O cara era grosso pra burro, batia nas mulheres, cuspia, matava todo mundo, o publico invés de reagir, não, achava o máximo.
Ai então Eu vi, o negócio é ser grosso."
Ainda me lembro do tipo de cobertura da imprensa, que em 1998, que transformaram
João Acácio em herói, em celebridade. O mesmo chegou a distribuir autógrafos por aí.
Forte abraço, e obrigado pela riqueza de informações.

celsolungaretti disse...

Conheci o Jean Garret. Fazia um pornô soft de qualidade mediana, com direção de fotografia caprichadinha, e pessoalmente era um cara que se achava muito mas estava longe de ser tudo aquilo. Era do patamar intermediário do cinema paulista, nem tão ruim quanto o Tony Vieira, bem tão hábil quanto o Walter Hugo Khouri.

Se vc não viu "O demônio das onze horas", ignora muitas partes em que "O bandido da luz vermelha" se revela uma versão boca-do-lixo do filme do Godard. Inclusive a morte do personagem principal.

No filme francês, o Ferdinand amarra umas enormes bananas de dinamite em volta da cabeça para se matar, liga o pavio, mas se arrepende e, como a dinamite o impede de ver, fica tateando para encontrar o pavio, mas não o acha e vai pelos ares.

O Sganzerla faz algo parecido com aquele monte de fios elétricos. Mas, se o Godard fez uma espécie de humor negro (quando o Ferdinand procura em vão o pavio para apagá-lo, pergunta a si próprio "Será que sou mesmo um tolo?", porque a namorada, que ele acabara de matar, o chamava sempre de "Pierrot, le fou"); o filme brasileiro foi mais para o humor de chanchada, com o policial que o perseguia pisando num fio e morrendo também.

Para dar a seu personagem um final parecido com o do personagem do Godard, o Sganzerla não hesitou em matar o bandido, embora o João Acácio estivesse vivo... e cumprindo longa pena de prisão.

Quanto às atrizes, os filmes geralmente as valorizavam demais. Em carne e osso costumavam ser vulgares, não tinham o encanto das telas. A Aldine Muller até que era simpática e charmosa, mas nem de longe um mulherão. Estava mais para uma agradável moça comum.

Outra que entrevistei e tinha até esquecido foi a Helena Ramos. Cheguei esperando encontrar a mulher sensual dos filmes e quem me atendeu foi uma baixinha. Desconfiei que fosse ela mesma e não cometi nenhuma gafe. Mas me deu a impressão de ter 1m55, no máximo 1m60. Nos filmes parecia ter no mínimo 1m70. E o físico real dela, para sua verdadeira altura, não a deixava gostosa como aparentava na tela.

Fez me lembrar um faroeste muito cultuado pelos fãs do cinema estadunidense, "Os brutos também amam". O mocinho, Alan Ladd, era tampinha e, para que isto não desse na vista, escolheram baixinhos para o restante do elenco.

Aliás, altura não quer dizer muita coisa. O Audie Murphy também era baixinho, não impressionava como mocinho, mas, de todos aqueles canastrões dos bangue-bangues de Hollywood, era o que tinha um passado mais corajoso: havia sido herói de guerra.

Uma outra curiosidade: por foto que achei no Google, percebi que a Xuxa tinha distribuído folhetos, na porta do cine Marabá, do filme que ela fez com o Khouri, "Amor, estranho amor". Eu cheguei a passar na porta quando as meninas estavam fazendo essa distribuição, necessariamente devo tê-la visto e não dado importância, porque ainda estava longe da fama.

E fiquei sabendo que quando a peça "Hair" foi encenada em Sâo Paulo, naquela apoteose no final do primeiro ato em que todo o elenco se despia cantando "Hare Krishna", uma das atrizes seria a Elba Ramalho, ainda desconhecida. Puxei pela memória, mas não consegui lembrar dela.

E a Tiazinha foi colega de classe de uma ex-esposa minha na faculdade. Chegamos a ser apresentados. Também nada tinha de especial. No entanto, a primeira capa dela na Playboy foi uma das maiores tiragens da revista em todos os tempos.

As mulheres de papel e mulheres das telas parecem muito melhores quando inatingíveis do que quando estão à nossa frente.

Um abração, Hebert!

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