Richarlison é o cara, disse Galvão. Repetiu uma, duas vezes. O elogio do narrador veio firme no primeiro gol do camisa nove da seleção brasileira na estreia do grupo na Copa do Mundo, quinta (24), contra a Sérvia.
Mas quando Richarlison marcou, de voleio, o segundo, Galvão perdeu até a voz.
O Twitter também. Colegas de escola ressurgiram da casa do chapéu pra falar dele. Minha mãe ligou. Filha, conta pra sua avó que você foi até a casa da família dele.
Mas a reação mais bonita foi a da tia de Richarlison, Audiceia. É o nosso menino, do meio do mato, remelento, brilhando na seleção, gritou ela numa mensagem de voz. Essa pegou. Porque Richarlison –que em casa é Charlinho– é um menino muito bom.
Ter escarafunchado a vida dele me fez conhecer um cara especial, querido por todo mundo, amado pela tia, pelos primos, pelo pai, pela mãe, pelos vizinhos que não o veem há anos, pelos molequinhos que jogam bola no campinho de futebol da cidade e sequer o conhecem. Richarlison é unânime.
Ele aparece em Nova Venécia [cidade natal dE Richarlison no ES, com cerca de 50 mil habitantes, distante 80 km da capital Vitória] de vez em quando. Passa pela mesma rua em que morou quando criança e repete o gesto gentil que costumava fazer quando via alguma senhorinha abarrotada de sacolas de supermercado.
Richarlison com a família durante rápida passagem por Nova Venécia, 5 anos atrás |
Richarlison faz questão de reiterar que, pelo muito que já passou na vida, não pode fechar os olhos quando a coisa pega pra quem é pobre. E geralmente é pra quem é pobre que a coisa pega.
Ele já foi pobre. Quando morou com a tia Audiceia, numa casa em ruínas que alagava a cada chuva, dormia amontoado com os primos e tios num quarto e vendia picolé pra completar a renda.
Richarlison é politizado. Se manifestou sobre o apagão que afetou o Amapá, sobre as queimadas no Pantanal, protestou contra a morte de George Floyd; levanta tópicos sobre racismo e cuida de pessoas em situação de vulnerabilidade social.
Pede comida na mesa do povo e educação de verdade para as crianças que menos têm. Richarlison e suas ações beneficentes ganharam o prêmio Community Champion, da Associação de Jogadores Profissionais da Inglaterra.
É hora de o brasileiro respirar um pouco depois de tanta angústia: uma pandemia que levou mais de 600 mil pessoas, que enclausurou gente em casa e desestabilizou mais um monte, devastou até o ânimo pelo que viria depois. Ainda não era clima de Copa, até Richarlison arrebentar ontem e escancarar que o clima de Copa está dentro da gente.
Talvez o respiro possa ser no acolhimento de um ídolo que luta com o povo contra o que agride valores e vivências de quem é brasileiro.
Por que não adotar Richarlison como ídolo da redenção que o Brasil merece? Que, nacionalmente, Richarlison também vire Charlinho.
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(por Talyta Vespa, que é repórter de Esporte
no UOL, após ter passado pelo Portal R7
e pelo site da revista Veja)
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