dalton rosado
LULA E A GOVERNABILIDADE
Marilena Chauí |
Mal foi eleito, Lula já se depara com tal contradição.
O seu discurso emocionado de defesa dos menos favorecidos dentro de uma economia em depressão estremeceu o mercado e a lógica de obediência às regras capitalistas, que não admitem almoço grátis, como disse Milton Friedman, o mentor do liberalismo clássico mais recente.
O Lula está mais para o keynesianismo, doutrina que defende a intervenção do Estado como forma de equilíbrio social (quer lhe quer dar uma impossível feição humanista, invertendo a sua natureza opressora ontológica).
Tanto o liberalismo clássico como o keynesianismo bebem na mesma fonte: o capitalismo. Daí estarem fadados ao fracasso.
Para o capitalismo liberal, a manutenção das contas públicas estatais dentro do orçamento (receitas iguais às despesas), regra somente imposta para valer aos países pobres como o Brasil, é condição sagrada.
Na ótica do capital, priorizar as demandas sociais mais urgentes (dentre as quais está a fome que assola o Brasil, segundo país maior produtor mundial de alimentos vegetais e animais) significa estourar o teto de gastos e fragilizar a sua cidadela reguladora: o Estado.
Entre a fome do povo e a manutenção das finanças públicas em ordem o capital diz: vale a segunda hipótese.
E justifica: se o governante estourar as contas públicas vai haver endividamento (com juros caros para os países fora do baile do salão nobre do capital) e emissão de moeda sem lastro causadora da inflação, o que acarretará confisco de salários e pobreza.
Este é o grande dilema sob o capitalismo (cuja lógica é a de uma acumulação incessante da riqueza abstrata, subtraída de quem a produziu coletivamente): a manutenção da saúde do Estado, ente opressor e detentor das rédeas que encabrestam a relação social sob sua égide, que não pode fugir de sua essência ontológica.
Lula e todos os sociais-democratas que querem humanizar o capitalismo, esbarram na contradição entre a intenção e a essência de uma lógica perversa; o capital não pode ser bonzinho!
O arco de alianças eleitorais que se formou em apoio à candidatura Lula para o combate ao arbítrio fascista e militarista ensaiado e fracassado por Boçalnaro, o ignaro, foi muito útil para ganhar a eleição, mas não o é para governar.
Os economistas burgueses (que sempre sustentam que o capitalismo pode dar certo, mesmo que tal não ocorra simultaneamente na maioria dos lugares) somente raciocinam dentro da lógica matemática e socialmente insensível do capitalismo.
Assim, entendem que a não obediência às regras do capital piora a vida social, porque não sabem raciocinar fora da caixa. Aceitam o ruim por medo do péssimo que está à espreita caso não se sigam as regras do capital. Um pensamento restritivo e lógico, mas apenas dentro das balizas previamente traçadas pelo capital.
Ou seja, os economistas burgueses agem como se fossem impedidos por viseiras de enxergar alternativas de vida social fora da produção de valor econômico e sua mediação social. Eles não entendem que o capitalismo mundial privilegia os países do G7 em detrimento do G186, o restante de países mundo afora.
A dívida pública brasileira, em torno de 76,2% do PIB, tem valor nominal de R$ 5,73 trilhões, e é insignificante se considerarmos a dívida dos Estados Unidos, país detentor do maior PIB mundial. Os Estados Unidos devem 124,9% do PIB, o que equivale a R$ 159 trilhões. A nossa dívida é de cerca de 3,6% da dívida dos Estados Unidos.
Para o Brasil, contudo, o pagamento dos juros da sua dívida equivaleu a R$ 618 bilhões, cerca de 10,7% ao ano, em 2021, ou 7,2% do PIB. E, caso deixemos de pagar juros atrativos aos investidores (que não confiam na nossa economia), ficaremos impossibilitados de rolar a nossa dívida.
Isto corresponderia a dar um calote que colocaria em colapso na nossa economia globalizada. (por Dalton Rosado – continua neste post)
2 comentários:
Muito interessante foi ver hoje no berço do capitalismo mundial, Nova York, a nossa sólida democracia sendo saudada por ilustres representantes do judiciário e por uma turma que representa o que há de mais podre do capitalismo tupininquim. Todos particionados pelo Dória e tendo o Temer como o "opening speaker".
Enquanto a extrema direita estava lá contestando, a nossa esquerda domesticada aplaudia de pé. É rir pra não chorar...
Enquanto a turba ultradireitista estiver ameaçando conduzir-nos à entropia, a contradição principal será civilização x barbárie. Não tem jeito.
A esquerda institucional fracassou e foi incapaz de prevalecer sobre esses primatas. Teve de buscar ajuda à direita, cada vez mais à direita. Ficou mesmo de um lado o mundo civilizado, do outro a ultradireita.
Então, essa esquerda pusilânime está recebendo a ajuda que implorou: Joe Biden foi um dos principais responsáveis pela última tentativa dos bolsonaristas ter flopado, ao correr a reconhecer a vitória do Lula.
Lembra a luta contra a ditadura militar. A maior parte da esquerda fugiu do pau e ficou observando à distância sermos massacrados nos Anos Médici.
Depois, quando constatou que, apesar de ter-se omitido, não seria poupada da repressão, foi suplicar ajuda aos juristas e sacerdotes. D. Paulo Evaristo Arns e o grupo Tortura Nunca Mais salvaram muitos companheiros que teriam morrido se a coisa dependesse apenas dessa esquerda que não lutou.
Enfim, por uns tempos o gado desembestado não não terá força para muita coisa. Temos de aproveitar a trégua para reconstruir a esquerda, com novas ideias e, principalmente, COMBATIVIDADE.
Ou a esquerda é anticapitalista, ou nada é. E se for, lembrando Vandré, tem de sê-lo também nas ruas, campos e construções, não só nas escolas.
Enquanto não se reciclar e readquirir suas garras, tem mais é de apelar para essas alianças com o diabo para evitar o caos, o totalitarismo e a regressão à Idade Média.
A pior de todas as possibilidades históricas é retrocedermos um ou dois milênio na escada da civilização, como aconteceu quando do fim do Império Romano.
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