terça-feira, 22 de novembro de 2022

MUNDIAIS DA FIFA/5 VEZES BRASIL: COPO MEIO CHEIO E MEIO VAZIO

Parreira o teve de engolir. Bem feito!

Após três conquistas que nos encheram de orgulho, veio o tetra cauteloso do técnico Carlos Alberto Parreira, que nos deixou a lembrança de um Romário decisivo e de uma única atuação memorável da seleção, na quarta-de-final contra a Holanda. Um copo meio cheio e meio vazio.

Que diferença entre as duas finais contra a Itália! Se nosso quarto gol em 1970 foi apropriadamente comparado a um orgasmo, a conquista da Copa sem vitória em 1994, após sonolentos 120 minutos de 0x0 e as emoções baratas da loteria dos pênaltis, esteve mais para um coitus interruptus

Para piorar, tivemos de aguentar o desabafo raivoso do capitão Dunga, como se nosso escrete houvesse ganhado por 5x2, 3x1 ou 4x1, como fazia quando ainda éramos os melhores do planeta bola...

O Brasil chegou à Copa de 1994, nos EUA, com a responsabilidade de reconquistar a hegemonia do futebol mundial, depois de cinco decepções consecutivas.

Primeiro foi a desagradável surpresa de ver a Seleção totalmente superada pelo carrossel holandês em 1974, na Alemanha. Mereceu perder a semifinal para o timaço de Cruyff e Neeskens, por 2x0.

Consolamo-nos com a avaliação de que havia sido a Copa da entressafra. Uma geração de craques chegara ao fim (Pelé, Gerson, Carlos Alberto, Tostão, Clodoaldo), Jairzinho deixara de ser um furacão e Rivellino não conseguiu resolver tudo sozinho.

Foram os defensores que carregaram o Brasil, aos trancos e barrancos, até o 4º lugar, aceitando só quatro gols. Pena que os atacantes fizeram míseros seis, metade dos quais contra o patético Zaire.

Em 1978, na Argentina, Rivellino estava maduro demais e Zico ainda verde. Mas, depois de empates decepcionantes contra a Suécia e a Espanha, a Seleção do técnico Cláudio Coutinho melhorou. Esteve próxima de derrotar os anfitriões (0x0), além de obter quatro vitórias.

Só não foi à final porque o Peru entregou o jogo para a Argentina, deixando-se golear por 6x0 para que ela alcançasse o saldo de gols necessário.

Por haver terminado a campanha invicto, derrotado apenas nos bastidores mafiosos do futebol, o Brasil autoproclamou-se campeão moral.
A DERROTA MAIS SOFRIDA, EM 1982
A histórica capa do JT do dia seguinte
E seria derrotado novamente em 1982, não por armações extracampo, mas pela fatalidade que se abateu sobre a melhor seleção do Mundial da Espanha. Como a Hungria em 1954 e a Holanda de 1974, o Brasil maravilhou o mundo mas foi sobrepujado por um adversário calculista em dia de sorte.


Com Falcão, Zico e Sócrates compondo um meio-de-campo notável, o Brasil não se abalou com um frangaço de Valdir Peres, vencendo a URSS de virada por 2x1; goleou como quis a Nova Zelândia (4x0) e a Escócia (4x1); e impôs categóricos 3x1 à Argentina de Maradona, a outra favorita ao título.

Três falhas da defesa puseram tudo a perder contra a Itália, apesar dos golaços de Sócrates e Falcão.

Os torcedores brasileiros, que desde 1970 não ficavam tão empolgados com a Seleção, respaldaram a renovação, na Copa seguinte, da aposta do técnico Telê Santana no futebol-arte – caso raro após uma campanha malsucedida em termos práticos.

A volta ao México em 1986 não foi, entretanto, auspiciosa. Sócrates e Falcão já tinham passado do auge, Zico andou contundido. Mesmo assim, acumulamos quatro vitórias até a eliminação noutra partida sumamente infeliz, contra o esquadrão francês de Platini.

Com 1x1 no placar, Zico desperdiçou uma penalidade máxima e a partida foi para a prorrogação, equilibrada até o fim. Na decisão por pênaltis (3x4), brilhou a estrela de Bats, que fez defesa elástica no chute de Sócrates e teve a sorte que faltou ao nosso goleiro: uma cobrança brasileira bateu na trave e saiu, uma francesa bateu na trave, nas costas de Carlos e entrou.

Tão decepcionados ficaram os brasileiros com essa derrota do futebol-arte que nem se deram conta de que o talento acabara saindo vencedor do duelo contra as rígidas esquematizações táticas: a Argentina foi campeã, com Maradona fulgurante como nunca.

Assim, no Mundial da Itália, em 1990, foi numa rígida esquematização 5-3-2 que o técnico Sebastião Lazaroni apostou, para vê-la ruir como castelo de areia num solitário lampejo do já decadente Maradona..
NOVE ATRÁS E DOIS NA FRENTE 
O Brasil cumpriu a meta, mas ficou devendo futebol
E
m 1994, o técnico Carlos Alberto Parreira avaliou que o fundamental era interromper a série de fracassos, mesmo que sacrificando a beleza e a ousadia novamente reivindicadas pelos brasileiros – comparando as estilísticas exibições da Era Telê com a perda total na chamada Era Dunga em 1990 (feia retranca, futebol burocrático e desclassificação precoce), os torcedores haviam voltado a preferir a primeira opção.

Parreira ficou no meio termo. Descartou esquemas pretensiosos que engessavam o time, como os de Cláudio Coutinho e Lazaroni; e temeu expor a Seleção em demasia, como Telê Santana fizera em 1982.

Optou por um futebol pragmático e cauteloso, com defesa sólida e ataque que aproveitasse bem as poucas chances criadas.

Nos seus planos não cabia Romário, o maior atacante brasileiro então em atividade (no Barcelona), mas tido como independente em demasia. Na verdade, Romário tinha consciência de que podia fazer mais pelo time do que qualquer técnico e, pouco dado à diplomacia, trombeteava tal convicção.

Ao final de uma péssima campanha na eliminatória, entretanto, o Brasil não poderia perder do Uruguai no Maracanã, caso contrário se repetiria a tragédia de 1950. Parreira tremeu. E, a contragosto, atendeu ao clamor unânime dos torcedores brasileiros pelo craque Romário.

Aconteceu o previsível: o baixinho exorcizou os fantasmas com dois belos gols e garantiu seu lugar na Copa, contra a vontade de técnico e cartolas.
A dupla funcionou, principalmente nos contra-ataques

Sobre ele e Bebeto recaía a responsabilidade de fazerem os gols, como únicos atacantes avançados. Para servi-los, Mazinho e Zinho, o que não era grande coisa. Tecnicamente superior, Raí estava em má fase: começou como titular e acabou na reserva.

Romário abriu caminho para a vitória contra a Rússia, sofrendo, depois, o pênalti que culminou no gol de Raí. 2x0.

Repetiu a dose contra a empolgada mas ingênua seleção de Camarões. Márcio Santos e Bebeto fecharam o placar: 3x0.

E, assinalando o gol de empate, evitou pelo menos uma derrota diante da Suécia: 1x1.

Também foi dele o tento que mandou os suecos para casa, na semifinal. 1x0. Se em 1958 os fizemos de saco de pancadas, em 1994 tivemos de suar sangue para derrotá-los pelo placar mínimo.

Bebeto, por sua vez, despachou os anfitriões, nas oitavas-de-final. A vitória sofrida (outro 1x0!) contra os incipientes estadunidenses dá bem uma ideia de como o futebol brasileiro minguava sob Parreira.

A partida inesquecível da nossa Seleção em 1994 foi a pedreira contra os holandeses, nas quartas-de-final. O Brasil começou melhor o 2º tempo e, em ótima jornada, Romário e Bebeto marcaram. Com 2x0, parecia tudo decidido.
Gols e melhores momentos da campanha brasileira
De repente, a sólida defesa brasileira desmanchou no ar, tomando gol até em escanteio alçado para a pequena área.

Jogo empatado e se aproximando da prorrogação, quem salvou a pátria foi o lateral Branco, cavando uma falta na intermediária e a cobrando com um petardo indefensável. 3x2.

Quanto à final contra a Itália – 120 minutos de quase nada –, foi o que se poderia esperar de duas seleções com medo de atacar.

Aliás, a escalação do Brasil já diz tudo: Taffarel; Branco, Aldair, Márcio Santos e Jorginho; Dunga, Mauro Silva, Zinho e Mazinho; Romário e Bebeto.

Deu no que deu, Romário e Bebeto brigando sempre com uns 4 ou 5 italianos, enquanto quem deveria ajudá-los estava pregado lá atrás...
Única partida em que o Brasil foi mesmo Brasil: contra a Holanda
Já na prorrogação, com a Itália caindo de cansaço, Parreira ousou colocar um terceiro atacante, Viola, deixando o Brasil bem mais perto do gol; e os brasileiros, com a nítida sensação de que uma vitória de verdade teria sido possível.

E nos pênalti deu Brasil, porque a Itália abusou do direito de errar, desperdiçando três deles. Até o craque do time, Baggio, isolou o seu...

Pelo Brasil marcaram Romário, Branco e Dunga. Márcio Santos desperdiçou e nossa quinta cobrança foi desnecessária. 0x0 no jogo, 0x0 na prorrogação e 3x2 nos pênaltis.

Os deuses do futebol nos pregaram uma peça, devolvendo pela metade o título que tomaram em 1982: veio a taça, mas não o orgulho de tê-la conquistado com o brilhantismo a que nos havíamos acostumado. 

O fundo do poço, contudo, ainda estava distante. Só chegaríamos a ele 20 anos depois, quando a blitzkrieg alemã nos reduziu a picadinho em pleno Mineirão. (por Celso Lungaretti)
Se algum masoquista quiser ver a partida inteira, ei-la aqui

Um comentário:

SF disse...

Ah! As sutilezas da fortuna... Brasil zilzilzil!

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