josias de souza
DESEMBARQUE DO CAPITAL QUEBROU UM PÉ DO GOLPE
O manifesto pró-democracia coordenado pela Fiesp, com a adesão de outras 106 organizações, soou tardiamente indispensável.
É tardio porque, a essa altura, a Presidência de Bolsonaro já expôs o Brasil ao mundo como uma subdemocracia em apuros.
É imprescindível porque, a despeito de ter chegado a apenas 58 dias da eleição presidencial, o anúncio de jornal que formalizou o desembarque do capital quebrou um pé do golpe que frequenta os delírios do capitão.
O outro pé, representado pelas minhas minhas Forças Armadas, continua enfiado na jaca. Entretanto, com uma taxa de rejeição rodando nas pesquisas acima dos 50% e sem a muleta do baronato, o Apocalipse de Bolsonaro vai ganhando uma aparência de confusão mequetrefe de um presidente destrambelhado.
Josué Gomes da Silva, o presidente da Fiesp, disse quase tudo ao declarar que "não existe liberalismo sem democracia e Estado de Direito". Faltou esclarecer que a entidade presidida pelo doutor e outras guildas subscritoras do manifesto temporão passaram os últimos três anos e oito meses tropeçando no óbvio distraídas. Confraternizaram com o descalabro sem admitir que o óbvio é o óbvio.
Pena! O gordo não viveu para ver o regime da democradura histriônica vir abaixo... |
Em todo o ciclo da conturbada redemocratização brasileira, nenhuma obviedade revelou-se tão gritante quanto a incompatibilidade de Bolsonaro com os valores democráticos e os princípios do Estado de Direito. No ano passado, o sem-indústria Paulo Skaff, então presidente da Fiesp, transformou em vexame um hipotético manifesto em defesa da democracia.
A reação puxada agora pelo sucessor de Skaf, o industrial Josué Gomes, não livra a Fiesp e suas congêneres da pecha de apêndices do Poder. Mas injeta alguma lógica no histórico de subserviência e oportunismo do empresariado brasileiro.
O establishment chuta Bolsonaro porque passou a enxergar nele um cachorro semimorto, cujo rosnado atrapalha os negócios. O Planalto pode esperar tudo das avenidas Paulista e Faria Lima, exceto que rasguem dinheiro.
Afora o aval de outros segmentos do capital –das casas bancárias ao agronegócio– o documento da Fiesp, intitulado Em defesa da democracia e da Justiça, foi envernizado com a adesão de entidades que representam outros elos da corrente social –do trabalho à academia. Junta-se a outro manifesto pró-democracia, subscrito por mais de 750 mil pessoas.
Os dois documentos serão lidos na próxima 5ª feira, 11, na Faculdade de Direito da USP.
Bolsonaro menosprezou a encrenca: "O pessoal que assina esse manifesto é cara de pau, sem caráter". Tramou discursar na Fiesp no mesmo dia. Mas as raposas do centrão com assento no comitê da reeleição farejaram o cheiro de queimado.
"Desordem pode ser um convite às instituições para tornar realidade os temores de Bolsonaro de passar uma temporada na cadeia" |
Agora, só falta o mais difícil: convencer Bolsonaro a empinar a bandeira da paz.
É como se o capitão fosse intimado pela conjuntura a informar, antes da arruaça que programou para o feriado de 7 de setembro, se deseja mesmo ser visto como candidato à reeleição ou como unha encravada nos pés de barro da democracia brasileira. O histórico de Bolsonaro revoga o otimismo.
Compra um terreno na Lua quem imaginar que Bolsonaro fará concessões ao bom senso e à pacificação. Mas a reação tardia expressada nos manifestos permite aos céticos enxergar uma luz onde só havia pus.
No limite, a perspectiva de desordem pode ser um convite às instituições para tornar realidade os temores de Bolsonaro de passar uma temporada na cadeia. (por Josias de Souza)
6 comentários:
'Entre-mentes':
https://elpais.com/opinion/2022-08-03/escenarios-de-brasil-catastrofe-golpe-o-dificultad-extrema.html#?rel=mas
https://elpais.com/internacional/2022-08-06/los-evangelicos-exhiben-su-musculo-en-el-congreso-de-brasil.html
https://apnews-com.translate.goog/article/russia-ukraine-putin-nato-covid-health-26413a1a01fe052eea2c3b6f15ecdf02?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=es&_x_tr_hl=es
https://www-economist-com.translate.goog/graphic-detail/2022/08/04/by-how-much-will-the-war-in-ukraine-reduce-global-growth?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=es&_x_tr_hl=es
+Esta!!
https://apnews-com.translate.goog/article/forests-brazil-deforestation-climate-and-environment-9f08175047a98bf4a5d1cf6b4514de57?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=es&_x_tr_hl=es
Onde havia pus agora se enxerga luz!
Meu conterrâneo Augusto fazendo discípulos até na prosa.
***
Falando nele, não sei porque, lembrei do soneto
O morcego*
Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.
"Vou mandar levantar outra parede..."
— Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!
Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh'alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!
***
Ah!Um urubu pousou na nossa sorte!
Oh Banânia!
Oh! Diatomáceas da lagoa pútrida da política bananeira!
"Vou mandar levantar (em vão) outra parede"!
***
* Augusto dos Anjos, Eu e Outras Poesias.
*
Não conhecia esse poeta, mas me fez lembrar um que eu cheguei a curtir lá pelos 8 ou 9 anos, Olavo Bilac.
Dei uma olhada em biografias e constatei que ambos foram contemporâneos e parnasianos.
Achava interessante aquela em que ele se descrevia no leito da amante: sempre que ela lhe pedia para ir embora, ele arrumava uma desculpa para continuar mais umas horas no bem bom.
É que até sabia algo de como seriam as relações sexuais, mas nunca tinha ouvido falar que o casal ficasse curtindo tanto tempo na cama.
A enorme "O caçador de esmeraldas" também chamou minha atenção. Jamais havia lido poesia tão quilométrica. Mais tarde soube como eram realmente os bandeirantes (assassinos e escravizadores de índigenas), então passei a detestar essa apologia de um indivíduo tão repulsivo.
E, esteticamente, com o tempo fui preferindo cada vez mais as poesias essencializadas do que as palavrosas. Tanto em verso quanto em prosa, prefiro a concisão.
Augusto é nosso vate.
Não era parnasiano, estava mais para "Profundissimamente hipocondríáco"!
Todo paraibano sabe ao menos um verso de Augusto.
'O Morcego' é de +-1912, Há, ainda, 'O Corvo' do E. A. Poe publicado na American Review, 29/1/1845.
Não perder o foco:...
https://apnews-com.translate.goog/article/jair-bolsonaro-science-caribbean-forests-brazil-580acb5091b553a5a0b5b7028c818b7a?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt
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