Todos presos: Jafar Panahi... |
Fazer cinema no Irã não é fácil: não se trata de uma nação laica, mas sim de um país teocrático islamita. Isto significa que tanto as atrizes principais quanto as figurantes devem usar um lenço que cubra toda a cabeça até o pescoço, o hijab.
As roupas devem ser largas e longas, ir até os pés e as mãos, mas se pode andar de sandálias sem unhas pintadas (turista com unhas das mãos pintadas também tem de ficar sempre com as mãos nos bolsos nos lugares públicos). Nos filmes com cenas de homem e mulher não pode haver proximidade e nem contato físico entre eles.
No Brasil, país ainda laico, felizmente não é assim, porém, diante do crescimento dos evangélicos e do desejo que ele tem de agradá-los, bem que o presidente Jair Bolsonaro gostaria de exigir, entre outras coisas, o padrão em vestir das assembleias de Deus e pentecostais, nas quais as igrejas mais exigentes proíbem às mulheres cortar o cabelo e usar calças como os homens, devendo também vestir roupas largas e saias bem compridas.
O pastor Silas Malafaia, uma espécie de mentor dos evangélicos, tem regras bem fixadas para o traje feminino (não sei se já foi contatado por alguma marca de confecção de roupas gospel para mulheres cristãs), mas fica claro não haver, para ele e essas igrejas, a tão falada igualdade entre homens e mulheres. Isso não é bíblico, no entender dele:
...Mostafa Al-Ahmad e... |
"As mulheres cristãs devem se vestir com decência, sobriedade, com trajes decentes e honrados, evitando modismos indecentes que as desqualificam como servas de Deus. Devem evitar a falta de compostura e a sensualidade".
Em síntese, o corpo da mulher já é pecado, nada de roupas mostrando as curvas e os volumes dos seios, das nádegas, das coxas, nem das barrigas das pernas. Tudo isso é pecado e pode dar más ideias, desviando os homens do bom caminho.
Embora o Brasil não tenha virado ainda uma república teocrática como o Irã, Bolsonaro bem que gostaria de ter apressado essa transformação, pelo menos na Agência Nacional do Cinema, por julgar que falta decoro nos filmes brasileiros.
Assim, na sua obsessão de tudo desmontar e destruir, mirou na Ancine. Primeiro, tirando sua independência, deslocando-a do Ministério da Cultura para a Casa Civil e reduzindo de nove para três os representantes não governamentais da cultura, do cinema e das empresas privadas ligadas à sétima arte.
E a seguir (foi escândalo na época), criando um filtro nos projetos de produções brasileiras: nada de filmes de ativismo, de política ou de gênero, citando que com ele não haveria mais filmes como Bruna Surfistinha, porém fitas destinadas ao bem da família:
"Se não puder ter filtro, extinguimos a Ancine. Não pode é dinheiro público sendo usado para filme pornográfico".
É isto: Bolsonaro queria impor a censura na seleção dos projetos de filmes, abrindo a pior crise no cinema brasileiro. Só agora em junho a Ancine publicou edital para a apresentação de projetos de produções cinematográficas.
É o caso de se perguntar: com filtro ou sem filtro? (por Rui Martins, diretamente da Suíça)
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