sexta-feira, 15 de abril de 2022

A NOSSA PAIXÃO NESTA 6ª FEIRA – MILTON

E
m nome de um deus supostamente branco e colonizador, que nações cristãs têm adorado como se fosse o Deus e pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, milhões de negros vêm sendo submetidos, durante séculos, à escravidão, ao desespero e à morte. No Brasil, na América, na África mãe, no Mundo.

Deportados, como peças, da ancestral Aruanda, encheram de mãodeobra barata os canaviais e as minas e encheram as senzalas de indivíduos desaculturados, clandestinos, inviáveis. 

[Enchem ainda de sub-gente –para os brancos senhores e as brancas madames e a lei dos brancos– as cozinhas, os cais, os bordéis, as favelas, as baixadas, os xadrezes.]

Mas um dia, uma noite, surgiram os quilombos e, entre todos eles, o Sinaí negro de Palmares; e nasceu, de Palmares, o Moisés negro, Zumbi. E a liberdade impossível e a identidade proibida floresceram, em nome do Deus de todos os nomes, que fez toda carne, a preta e a branca, vermelhas no sangue.

Vindos do fundo da terra, da carne do açoite, do exilio da vida, os negros resolveram forçar os novos albores e reconquistar Palmares e voltar a Aruanda.

E estão aí, de pé, quebrando muitos grilhões em casa, na rua, no trabalho, na igreja, fulgurantemente negros ao sol da luta e da esperança.
Para escândalo de muitos fariseus e para alivio de muitos arrependidos, a
Missa dos Quilombos confessa, diante de Deus e da História, esta máxima culpa cristã.

Na música do negro mineiro Milton e de seus cantores e tocadores, oferece ao único Senhor o trabalho, as lutas, o martírio do povo negro de todos os tempos e de todos os lugares.

E garante ao povo negro a paz conquistada da libertação. Pelos rios de sangue negro, derramado no mundo. Pelo sangue do homem sem figura humana, sacrificado pelos poderes do Império e do templo, mas ressuscitado da ignomínia e da morte pelo espírito de Deus, seu pai.

Pedro Tierra e eu já emprestamos nossa palavra, iradamente fraterna, à causa dos povos indígenas, com a Missa da Terra sem males, emprestamos agora a mesma palavra à causa do povo negro, com esta Missa dos Quilombos.

Está na hora de cantar o Quilombo que vem vindo: está na hora de celebrar a missa dos quilombos, em rebelde esperança, com
todos os negros da Africa, os afros da América, os negros do mundo, na aliança com todos os pobres da Terra. 
(D. Pedro Casaldáliga que, com Pedro Tierra, criou os versos, musicados por Milton Nascimento, da Missa dos Quilombos, celebrada pela primeira vez em novembro de 1981, para um público de 8 mil pessoas, em Recife)

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