quinta-feira, 26 de agosto de 2021

"MEU REINO NÃO É DESTE MUNDO", DISSE O CRISTO. "ESTAMOS À BEIRA DE UMA GUERRA CIVIL", DIZ O PASTOR/AGITADOR EVANGÉLICO

Pastor ou agitador? Sutil como um rinoceronte, o
que Cláudio Duarte faz é pregar uma guerra civil
  
rui martins
REFLEXÕES SOBRE O 7 DE SETEMBRO
Em novembro de 2011, nossa brilhante colega Eliane Brum comentava na revista Época (vide aqui) como ia ficando difícil ser ateu ou ateia no Brasil, com o rápido crescimento das seitas evangélicas e o surgimento da intolerância. 

Tal intolerância estava provocando uma fase de mudança no próprio comportamento do ser brasileiro, transformações profundas no cotidiano de nossa sociedade. .

Quase uma década se passou, essas mudanças e transformações se acentuaram e foram o suficiente para contribuir para o surgimento de algo mais forte: o discurso do ódio.

Talvez alguns de meus leitores mais assíduos possam considerar exagerada minha frequência no tratamento desse fenômeno religioso, agora também político, mas já exigindo um sério estudo sociológico. 

Há, porém, uma razão importante: a mutação das denominações evangélicas tradicionais (vindas do protestantismo originado na Reforma Protestante de Lutero e de Calvino) nos atuais movimentos e seitas populistas que vicejam no Brasil e noutros países latino-americanos, bem como na África, deturpou suas origens.

Uma rápida visão da Reforma, meio milênio atrás, mostra ter sido uma reação contra a mercantilização da fé por meio da venda das indulgências, contra o controle e monopólio da fé exercidos pela Igreja e em favor da liberdade da livre interpretação da Bíblia, provocando as traduções do latim e o surgimento da imprensa para imprimi-la. O passo a seguir seria o humanismo. 
A Igreja Universal não conseguiu dar uma explicação plausível sobre o
que pretendeu ao formar este exército de autoproclamados gladiadores
O fundamentalismo ou conservadorismo das seitas evangélicas, a ênfase dada à contribuição do dízimo, mais a crença numa ligação direta da fé com o sucesso econômico (na dita teologia da prosperidade), deformaram os princípios criadores da Reforma, adaptando-os ao capitalismo estadunidense.

Enquanto Tetzel, o arrecadador de dinheiro dos fiéis, prometia o perdão dos pecados com a compra das indulgências, provocando a revolta de Lutero, os pastores evangélicos, criadores de mil e uma seitas que competem na busca de mais crentes, prometem o céu e a vida eterna aos seus crédulos seguidores.

Tudo poderia ser uma questão de opção religiosa, e cada cidadão tem direito a optar por uma crença ou nenhuma, não fosse a atual realidade brasileira. Realidade na qual os evangélicos, no seu todo, se converteram num importante grupo de pressão política extremamente reacionário, com o objetivo de eleger o presidente e de constituir bancadas parlamentares destinadas a impedir a aprovação de projetos ou reformas contrários aos dogmas por eles defendidos.
Marco da intolerância: bispo da Universal chuta imagem
da padroeira do Brasil no feriado a ela dedicado em 1995

Até aí nada há de ilegal: faz parte do próprio conceito de democracia o direito à representatividade, no Executivo, no Legislativo e no Judiciário, de todos os grupos componentes da população. Na época das eleições, esses grupos procuram eleger seus representantes e, se forem majoritários, poderão efetuar e efetivar as reformas que julguem necessárias. 

Mas, é também próprio da democracia haver, findas as eleições, uma diversidade e uma pluralidade suficientes para se evitar a dominância de um grupo político, econômico ou religioso sobre toda a população.

Entretanto, essa representatividade de todos e de cada grupo no governo, pode ser quebrada no caso de instaurar-se uma ditadura, logo depois de se provocar um golpe.

Ora, as recentes e constantes ameaças golpistas proferidas pelo presidente Bolsonaro contam principalmente com o apoio de atividades e setores econômicos do país como o agronegócio, pecuaristas, plantadores e garimpeiros para citar só alguns. 

Todos estão conclamando seus membros, participantes e o povo em geral para as manifestações do dia 7 de setembro, ao que parece não só em São Paulo e Brasília, mas no país inteiro.

Nas redes sociais, as ameaças incluem greves, bloqueios de estradas e dos transportes, paralisações de diversas atividades por diversos dias. Em síntese, o objetivo é criar o caos, que só será evitado se os objetivos visados, e isso inclui as sedes do Congresso e do STF, forem protegidos por forças policiais ou militares. As notícias parecem desencontradas no que se refere à fidelidade das polícias militares.
"Apesar do programa eleitoral de Bolsonaro e destes seus anos de governo não poderem
ser chamados de cristãos, os pastores evangélicos continuam fiéis ao mito"
Ficou faltando citar os evangélicos. Embora o Brasil seja um país laico, no qual as religiões devem se manter distantes da política, os líderes evangélicos não se escondem e conclamam nas redes sociais os seus fiéis a participarem das
manifestações pacíficas de São Paulo e Brasília.

Muitos pastores utilizam o púlpito de suas igrejas para pedirem aos fiéis que participem das manifestações do 7 de setembro. Entre eles, o pastor itinerante Cláudio Duarte, da Igreja Evangélica Projeto Recomeçar, em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, que, num vídeo circulando pela Internet, coloca praticamente como uma questão de honra para seus fiéis a participação nas manifestações do dia 7, contra o STF, pela liberdade e em protesto também contra a prisão de Roberto Jefferson.

Pior que isso: diz a seus fiéis que estamos à beira de uma guerra civil. Ora, o alerta deveria ser outro: a maioria dos pastores evangélicos é bolsonarista e, apesar do programa eleitoral de Bolsonaro e destes seus anos de governo não poderem ser chamados de cristãos, continuam fiéis ao mito. Para eles, o Brasil está em risco de virar uma Venezuela ou Argentina.

Da mesma maneira, muitas igrejas evangélicas, em retribuição por terem diversos pastores evangélicos no governo, tornaram-se defensoras do governo Bolsonaro, participando direta ou indiretamente da campanha contra o STF, sem condenar o discurso golpista do presidente. 

Sabendo-se que as igrejas reúnem seus fiéis todos os domingos e quartas-feiras, pode-se avaliar o alcance de sua influência junto aos seus membros seguidores. Fora as pregações nas redes sociais.

Os comentários de nossa brilhante colega Eliane Brum, agora relidos e ainda atuais, estão na mesma direção de um meu projetado artigo: escrever sobre a recolonização do Brasil pelos evangélicos. (por Rui Martins)

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