sexta-feira, 30 de julho de 2021

MAIS UM PATRIMÔNIO CULTURAL ARDE EM CHAMAS: BRASIL, O PAÍS DA FALSA MEMÓRIA

Na noite desta quinta (29/07), outro patrimônio cultural do Brasil pegou fogo: a Cinemateca Nacional, localizada em São Paulo. 

Trata-se do terceiro incêndio de grandes proporções no Brasil nos últimos três anos. Antes arderam em chamas o Museu de História Natural da UFMG, em 2020; e, no maior de todos desses sinistros, o Museu Nacional do Rio de Janeiro, em 2018.

Fato é que o patrimônio cultural e artístico do país está jogado às traças há décadas. Museus estão em situação precária, com sistemas elétricos detonados, paredes em ruínas, falta de profissionais e, não raro, simplesmente fechados de forma indefinida. 

Cinemateca Nacional abriga a memória do cinema e da televisão brasileiros. É o correspondente à Biblioteca Nacional no universo cinematográfico. 

Museu Nacional pegando fogo: metáfora da nossa decadência

Em qualquer nação onde a cultura é valorizada –não importando se rica ou pobre, porque mesmo nações pobres mostram mais zelo para com seu patrimônio, seria tratada como uma joia inexpugnável. 

Não no Brasil. Aqui, o local de guarda do rico acervo visual brasileiro estava abandonado desde 2019. 

Alvo da fúria obscurantista de Bolsonaro, foi primeiramente entregue aos milicos, que trataram logo de podar filmes subversivos e impor um catálogo recheado de patriotadas. Depois de um tempo, até eles se cansaram e o local foi entregue em definitivo à administração das baratas. 

Sem administrador humano, o governo federal foi alertado pelo Ministério Público Federal da necessidade de reformar o espaço. Bolsonaro e sua gangue deram de ombros. Não aceitaram nem mesmo ajuda do governo estadual de São Paulo ou o apoio de especialistas que iriam formar uma força tarefa pró-bonum para restaurar filmes em avançado estado de decomposição. 

Na mentalidade bolsonarista, é melhor perder o patrimônio do que dar palanque a Dória e aos comunistas universitários. 

O resultado de toda esta negligência foi o que vimos na noite de quinta.  E é mais escandaloso este fato, pois acontece menos de uma semana após um incêndio junto à estátua do bandeirante Borba Gato, localizada apenas sete quilômetros de distância da Cinemateca.

O fogo de Borba Gato é o símbolo
das tentativas de resistência popular

Este último recebeu atenção tão grande do poder público a ponto de o líder do protesto, Galo, ter sido preso, assim como sua esposa –que nem na manifestação se encontrava– de modo preventivo, uma iniciativa inédito a sem base legal.

A estátua incendiada representa um personagem das chamadas bandeiras, um sujeito que é parte do imaginário folclórico fabricado pelas elites de São Paulo. 

Trata-se do chamado mito de origem, algo muito comum entre comunidades para justificar o poder do presente a partir de um suposto passado de glórias. 

No caso, as glórias eram matar e escravizar índios, traficar metais preciosos e servir à coroa portuguesa no intento de burlar o tratado de Tordesilhas. 

À semelhança dos desbravadores do western estadunidense, os bandeirantes são vendidos como conquistadores do sertão, civilizadores de índios e da natureza. 

Colocados em perspectiva, a estátua e a Cinemateca, Borba Gato é um mito, uma falsificação da história, criado apenas para consumo cultural de uma elite que repete nos dias de hoje a destruição ambiental e a exploração do povo oprimido. 

Já a cinemateca é o espaço de cultivo de uma memória verdadeira, cravada de contradições, onde o real é inscrito em celulose e prata. 

Deste modo, é de se pensar que a burguesia brasileira queira a manutenção da memória mitológica e não da memória concreta. Que prefira o falso ao verdadeiro. Talvez seja o espelho de sua própria essência, de um país tão arruinado por seu projeto de capitalismo periférico, primário-exportador, a ponto de ela não ter interesse em ver o resultado de suas ações, preferindo sonhar com ridículos personagens matadores de índios e desbravadores do sertão. 

Pensando bem, Borba Gato é o melhor símbolo de uma burguesia saqueadora do meio ambiente e do seu povo., muito melhor que os espelhos da realidade empilhados na Cinemateca. 

(por David Emanuel Coelho)

Um comentário:

Fausto Neves disse...

Davi!

Jair já figura como genocida, embora um jornalista tenha escrito que se trata de um 'homicida culposo'
Também temos um presidente (e governo) ecocida e incendiário

O que nos falta?

Este ano, em Janeiro, fez dez anos a tragédia de Sete cidades da região serrana do Rio de Janeiro atingidas pelas chuvas, que deixaram 1000 mortos.

Em 2008 houve o maior desastre natural de Santa Catarina
https://istoe.com.br/931_CHUVA+LAMA+E+DOR/

Considerando o verão do hemisfério norte, podemos esperar uma situação calamitosa
aqui. E no ano de eleições!

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