domingo, 18 de abril de 2021

ROBERTO CARLOS/80 ANOS: DA JOVEM GUARDA À VELHA GUARDA – 2

(continuação deste post)
A
proveito para incluir um comentário bem apropriado do prof. Edmilson Alves Maia Jr., da Universidade Estadual do Ceará, no Embornal, de Fortaleza, em 2013, sobre a maneira velada, própria da época da ditadura, como analisei a figura de Roberto Carlos, principalmente quando cantando mandava tudo para o inferno. Ele percebeu haver nas entrelinhas das críticas uma referência indireta ao regime ditatorial militar:
"Lendo o livro vejo muito além de uma crítica da canção, de Roberto Carlos e da Jovem GuardaTemos o debate de questões-chave daquele momento como rebelião, revolta, insatisfaçãoalienaçãovontade políticatransformaçãojuventude e ação política
Avalio que o livro debate, tendo como mote a canção, a ação política na sociedade em meio aos primeiros anos pós-golpe de 64 (em especial diz que foca na ação do jovem e sua rebelião romântica, mas dedica-se a muito mais que isso). 
Caracteriza e discute a situação da cena política em um momento de instabilidade, onde os muitos sujeitos tateavam formas de avaliar como agir politicamente e precisam fomentar um debate politizado".

* * * 

Um parêntese: trecho do livro A rebelião romântica da Jovem Guarda, página 53
:
.
 a reação dos adultos ao vá tudo pro inferno
Uma música em especial exerceu influência decisiva na aceitação do cantor Roberto Carlos pelos diversos grupos etários, tornando-o suficientemente conhecido e consolidando seu sucesso. Quero que vá tudo pro inferno chamou a atenção dos adultos para o cantor predileto de seus filhos, pelo fato de ter incorporado à sua letra uma imprecação, bastante usada, mas ainda recebida com certa reserva pelos mais velhos.

Passada, porém, a primeira impressão dos adultos, foram eles mesmos os principais divulgadores da composição que lhes possibilitava uma válvula de escape. O estribilho e que tudo o mais vá pro inferno deixou de ser apenas o encontro de uma boa rima para sintetizar o desinteresse da geração moça ante os padrões da sociedade constituída e o desencanto dos adultos diante de uma situação política que não evoluiu na medida de suas expectativas.

A composição, naturalmente, não foi intencional, contudo, incluiu uma frase que todos estavam pensando. A aceitação foi rápida porque todos reconheceram na letra da nova música um pouco de sua autoria, sentindo-se também coautores.

O mandar alguma coisa para o inferno já faz parte das expressões brasileiras usadas normalmente e expressa bem a atitude de quem, impossibilitado ou cansado de fazer alguma coisa, dela se desinteressa. Tem força de imprecação e sempre revela um descontentamento ou desânimo.
Para os jovens, a expressão representou o retorno a uma posição individualista, de simples defesa dos próprios interesses. Contraposta, portanto, à precedente atitude de preocupação coletiva da Bossa Nova, caracterizada por uma oposição construtiva. 

Vá tudo pro inferno sintetizou a posição do jovem que diante de problemas que lhe são apresentados, reage com um que me importa?, numa demonstração de uma precoce acomodação, de um desinteresse por tudo aquilo que ultrapasse seu desejo de ser aquecido no inverno, ou seja, de ter suas necessidades individuais satisfeitas.

Para alguns, os versos quero que você me aqueça neste inverno e que tudo o mais vá pro inferno revelam, também, uma irresponsabilidade ética diante do amor, considerado como uma simples aventura temporal e inconsequente. Nesta interpretação, a atitude imediata, é uma outra demonstração do revigoramento do individualismo entre a juventude iê-iê-iê

Entre os adultos, todavia, o motivo determinante da aceitação da música, está ligado à necessidade de desabafo e, de algum modo, a frustrações de ordem política. 

A classe média, principalmente, que desempenhou papel relevante no movimento contrário ao governo Goulart, não se considera satisfeita com a situação atual e não esconde suas decepções. Isto porque esperava, de imediato, uma atitude mais drástica do governo para com os corruptos e porque se vê atingida, em cheio pela política econômica, responsável pela redução do seu poder aquisitivo.

Assim, os adultos juntaram-se aos jovens no cântico –da melodia que lhes permitiu externar um pouco do seu sentimento. A questão da disponibilidade de liderança aqui também se aplica, pois os seguidores dos líderes esvaziados unem-se aos demais e também desejam que tudo o mais vá pro inferno, numa demonstração de desinteresse. (Martins,1966).

* * * 
Fechado o parêntese e fechando o post, eis mais alguns comentários do prof. Edmilson Alves Maia Júnior:
"Defino esse livro de 79 páginas como um panfleto político de sua época, cujos argumentos principais espalharam-se nos jornais, além de ter sido ele mesmo possivelmente bem consumido. Um panfleto que utilizou a repercussão da jovem guarda, de Roberto Carlos e da sua canção-bomba Quero que vá tudo pro inferno para participar ativamente de importantes debates da época. Para chamar a atenção para o vácuo do poder político, para se inserir na critica a ditadura de forma velada, para tentar polemizar sobre a situação do país. 
No panfleto, penso, nem importa tanto a música Quero que vá tudo pro inferno e sim utilizá-la como alvo para discutir topicamente a situação da juventude e mais que isso pensar em iniciar uma chamada à reorganização política da sociedade em pleno 1966. 
Os jovens sua rebelião romântica ligada à cultura de massa, estão supostamente no centro do debate, mas sempre a análise desliza para o mundo dos adultos". (por Rui Martins)

Nenhum comentário:

Related Posts with Thumbnails