joão pereira coutinho
A DIREITA REACIONÁRIA
É AMEAÇA MAIS SÉRIA À RELIGIÃO DO QUE UM PROGRAMA DE HUMOR
É AMEAÇA MAIS SÉRIA À RELIGIÃO DO QUE UM PROGRAMA DE HUMOR
Arrastado pela polêmica, dediquei 50 minutos do meu tempo ao especial de Natal do Porta dos Fundos. Tempo perdido, com pena minha: já vi melhor por aquelas bandas.
O filme pareceu-me essencialmente preguiçoso: fracas piadas e uma evidente vontade de chocar a plateia mais ortodoxa.
Falo da plateia cristã porque o heroísmo do grupo tem limites: quando Jesus, no seu transe espiritual, encontra as diferentes divindades (Buda, Shiva, etc.), Alá prima pela ausência.
Entendo esse momento de meta-humor, do gênero eu-sei-que-você-sabe-que-eu-sei que brincar com o Islã é o desafio supremo, porém letal. Mas me pareceu —como dizer?— uma saída literalmente pela porta dos fundos.
Acontece que os méritos artísticos empalidecem com as reações furiosas e criminosas de que o grupo foi alvo.
Acontece que os méritos artísticos empalidecem com as reações furiosas e criminosas de que o grupo foi alvo.
Espero que a justiça seja implacável com os autores do ataque à sede do programa. Não apenas porque eles representam uma ameaça à liberdade de expressão, que nenhum Estado de Direito pode tolerar; mas também porque representam uma moda crescente (e crescentemente repulsiva) de gente de direita que usa e abusa da religião cristã nas suas guerrilhas políticas.
O Guardian dedicou um editorial ao assunto que eu subscrevo sem esforço: o que parece definir a direita reacionária que floresce nos quatro cantos do globo é a manipulação da religião para cumprir programas iliberais.
O premiê da Hungria é talvez o caso mais gritante: a sua democracia iliberal, de que ele tanto se orgulha, representaria uma liberdade cristã (ainda nas palavras de Viktor Orbán). Como se a mensagem central e universal do cristianismo fosse um grito de guerra pela exclusão dos mais pobres e deserdados deste mundo.
O mesmo acontece com Matteo Salvini, na Itália, para quem o cristianismo é uma bandeira nacionalista e identitária na luta contra o invasor muçulmano.
O mesmo acontece com Matteo Salvini, na Itália, para quem o cristianismo é uma bandeira nacionalista e identitária na luta contra o invasor muçulmano.
Que o Vaticano tenha condenado as prepotências do sr. Salvini, eis um pormenor que não arrefeceu a sua retórica.
Disse e repito: o programa da direita reacionária é uma ameaça à direita democrática, pluralista e liberal.
Mas é também uma ameaça à religião cristã —um roubo e uma degradação dos seus valores e princípios— bastante mais séria do que um programa de humor.
A primeira tentação da política, desde tempos imemoriais, foi sempre a de tentar reverter o mandamento bíblico de dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus —para transformar César em Deus.
É uma história que nunca teve final feliz. Para nenhuma das partes. (por João Pereira Coutinho, cientista político, cronista e escritor português)
2 comentários:
Boa noite Celso. Não entendi muito bem o sentido do texto. Minha opinião é que porta dos fundos é o pior tipo de humor que existe. Mas eles tem o direito de fazer , basta quem não quiser simplesmente ignore. Não assistir é a melhor censura.Diversas pessoas estão desafiando Porchat e seu porta dos fundos a uma idéia interessante :façam um filme de Maomé Gay. Ninguém vai cala-lo, não é esse a frase lacradora? Vou esperar sentado, pois de pé vou cansar.Abraço
Orth,
eu não gosto desse calculismo todo na arte. Quem faz algo para, intencionalmente, provocar reações de fanáticos obtusos é mais um estrategista de marketing do que um artista.
Um risco de buscar-se o chamado "sucesso de escândalo" é o de que as reações desses fanáticos obtusos podem atingir inocentes (atentados contra cinemas, teatros e auditórios, p. ex.).
Outro é o de fornecer pretexto para a introdução de censura às artes.
Suponho que foi por isso que o cronista português afirmou que o Porta dos Fundos não teve medo de mostrar um Jesus gay, mas fugiu da raia quanto às figuras de culto do Islã.
Abs. e bom fds!
Celso
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