terça-feira, 8 de outubro de 2019

POR UM NOVO CONTRATO SOCIAL – 1

"A ordem social é um direito sagrado, sob o qual se fundam
todos os outros. Entretanto, esse direito não deriva de
modo algum da natureza; funda-se, portanto, em
convenções. Temos de saber quais são essas
convenções" (Jean-Jacques Rousseau) 
Quando um modo de ser social encontra o seu limite de saturação, estabelece-se um confronto entre a obsolescência do que está posto, mas resiste em mudar; e o novo que as mutações sociais estão a exigir. 

Tal confronto costuma provocar cisões e turbulências sociais que são maturadas pelo tempo, não sem antes deixar graves sequelas seja sob a forma de genocídios ou incompreensões que invariavelmente resultam em práticas de injustiças abomináveis sob o pálio da lei instituída ou a partir de suas interpretações arbitrárias.

Estamos num desses períodos de ruptura entre o velho (representado pelo capitalismo, que vive as contradições da produção de mercadorias que prescinde em maior parte do trabalho abstrato produtor de valor, essência da formação e acumulação do capital) e o novo (representado pela necessidade de relações sociais baseadas em critérios de produção e distribuição voltadas para a satisfação das necessidades sociais e não para a realização do lucro segregacionista).   

Quando o feudalismo monárquico absolutista já não suportava a pressão do mercantilismo sobre as relações de produção pré-capitalistas, impôs-se o estabelecimento de um contrato social coadunado com o poder abstrato e impessoal do capital em formação.

Nasceu, então, a doutrina iluminista republicana, que, até a sua consolidação democrático-burguesa, sofreu marchas e contramarchas, características desse fenômeno traumático que é a transição de um modelo para outro.
Os membros do terceiro Estado juram permanecer em assembleia até a aprovação de uma constituição
Da Revolução Francesa em maio/1789) e a queda da Bastilha dois meses depois (marcos da revolução republicana) até a Comuna de Paris em 1871 (sufocada pela força da nova ordem mercantilista do capital em ascensão que se consolidava), houve:
— retrocessos absolutistas sob Napoleão Bonaparte;
 a volta da monarquia (desta vez constitucional) sob Luís XVIII, entre 1814 e 1824;
 a sucessão por Carlos X (1824 a 1830), e depois por Luís Filipe I (1830 a 1848); e
 a eleição de Napoleão Bonaparte II, sobrinho do primeiro, que governou de 1848 a 1870.

Quando se lê Jean-Jacques Rousseau e seu pequeno livro Do contrato social (de 1762, escrito, portanto, 27 anos antes da Revolução Francesa), pode-se facilmente inferir a importância que a sociedade civil passava a ter a partir das novas relações de produção mercantis e de comércio, em relação ao absolutismo monárquico-eclesiástico centralizador e castrador da vida civil.

A exemplo do contrato social então firmado, quando  os ideais republicanos (que, para a época, correspondiam verdadeiramente a um novo clarão de luz, daí o termo iluminismo) apontavam uma alternativa ao declinante escravismo feudal direto (na Europa vigia a servidão da aristocracia agrária numa população majoritariamente rural), um novo contrato social se faz necessário hoje em dia, quando a escravização indireta do trabalho abstrato se tornou obsoleta. 
A tomada da Bastilha, na visão do pintor Jean-Pierre Louis Houël

Tal contrato não emergirá sob as condicionantes das barricadas francesas de 1848, ou das guerras mundiais de 1914/1918 e 1939/1945, mas sob os augúrios sinistros do terrível poder destrutivo nuclear. 

Agora é a mesma sociedade civil (ainda inconsciente do que quer e de como quer) que está a clamar por um diferente contrato social, capaz de satisfazer as suas necessidades de consumo, e a instituição de uma ordem jurídica verdadeiramente civilizatória, que ajude a reverter a escalada do desemprego estrutural e dos retrocessos civilizatórios próprios às contramarchas da roda da História em períodos de saturação de um modelo cuja forma já não se coaduna com o conteúdo.

Acresce-se ao sentimento inconsciente da sociedade civil por mudanças substanciais a questão do aquecimento global, que por não ser seletivo, está incomodando os países mais desenvolvidos tecnologicamente, e que com isso obtêm maior nível de produtividade de mercadorias (e de emissão de gases poluentes), ganhando a inglória guerra concorrencial de mercado. 

São os países grandes produtores de mercadorias justamente aqueles que mais poluem a atmosfera, mas a irracionalidade da exploração das riquezas naturais por eles praticada os afeta sem seletividade, provocando uma discussão sobre todo esse sistema de produção não-sustentável e predatório (a falta de respostas à altura das ameaças ecológicas que não cessam de crescer faz lembrar a tibieza das nações poderosas da Europa face à escalada armamentista alemã na década de 1930, que só poderia conduzir, e acabou mesmo conduzindo, a  um conflito ainda mais devastador do que a já terrível 1ª Guerra Mundial). 

Não é por menos que os bispos da Igreja Católica estão reunidos na sede do Vaticano neste exato momento, no Sínodo pela Amazônia, perplexos com o que está a acontecer com o seu rebanho nas regiões empobrecidas pela segregação e faina predatória do capitalismo. (por Dalton Rosado) 
(continua neste post)

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