quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Ó PÁTRIA DESALMADA, IDIOTIZADA, SALVE, SALVE! (...NO MAIS, SALVE-SE QUEM PUDER!)

dalton rosado
O QUE É MESMO O BRASIL?
Se é verdade que vivemos em meio a uma depressão econômica internacional e num dos mais graves momentos da nossa História recente do ponto de vista da sua gestão esquizofrênica (cuja imagem corresponde a de uma viagem num carro sem manutenção, dirigido por uma motorista sem habilitação e numa estrada esburacada), devemos considerar a nossa importância estratégica nessa conjuntura mundial.

Nossa importância estratégica deriva do fato de que somos um país-continente com imensas potencialidades materiais, expressas sob várias formas, como:
— maior manancial hídrico e maior floresta tropical,  em termos mundiais; 
— solo fértil em grande parte de sua extensão territorial; 
— riquezas minerais abundantes (muitas ainda desconhecidas); 
— população de mais de 200 milhões de habitantes; e
— riqueza cultural mundialmente reconhecida (na música, nos esportes, na literatura, etc.), apesar do nível de analfabetismo ultrajante.

Definitivamente, não somos uma republiqueta das bananas, como dizem os depreciadores embora estejamos vivendo tempos estranhos, nos quais não temos o direito de afirmar sem provas que o assassinato de uma vereadora, ativista da crítica da dissociação de gênero, haja sido favorecido pelo clã do presidente da República (afinal, podemos conjeturar que quem gostaria que a ditadura militar tivesse assassinado 30 mil dissidentes, não veria com maus olhos o assassinato de um dos membros destacados dessa dissidência).  

Esse introito serve para avisar aos energúmenos que o golpe de estado ditatorial por eles pretendido não é coisa simples de se concretizar, pois corresponderia a uma turbulência cujos resultados catastróficos seriam ainda mais cruéis do que a nossa triste realidade.  

Temos a faculdade da autossuficiência material, o que nos capacitaria à auto-sustentação para o caso de um colapso da economia mundial

Então, diante das incertezas do futuro, devemos considerar as perspectivas emancipatórias da sociedade e não o retrocesso para tentativas totalitárias de sustentação pela força das armas daquilo que é verdadeiramente insustentável.

Se é verdade que as instituições da democracia burguesa demonstram a sua incapacidade de estabilização social em face da depressão econômica que a sustenta, isto não deve significar que posturas ditatoriais, muitas delas adotadas em nome da sustentação da própria democracia burguesa, devam ser a solução dos problemas sociais que a cada dia se avolumam.

Então, faz-se necessário que:
— nos debrucemos sobre as causas primárias da crise do capital, ao invés de focarmos na questão gerencial da sociedade regida sob a forma-valor em fase de seu limite interno existencial;
— exijamos dos órgãos de comunicação de massa (agora açulados pelo uso manipulado da internet), do segmento político e das academias (que deveriam ser os locais das discussões estratégicas) a análise profunda das razões de base dos nossos infortúnios.

Aliás, quanto às academias, devemos dizer que, ao invés de as públicas viverem de pires nas mãos pelas verbas do Estado falido que as sustenta, e de as privadas travarem uma briga de foice no escuro pelas mensalidades dos potenciais clientes (transformando a educação num grande negócio), deveria, isto sim, ser desenvolvida uma discussão igualmente profunda sobre o papel da educação emancipatória da sociedade.

Ou isso seria querer demais?  Sim, é óbvio que, dentro das atuais estruturas, não se pode esperar que os dirigentes das academias empresariais discutam a superação do próprio empresariado do qual são partes indissociáveis. Contudo, o seu corpo discente pode e deve fazê-lo.  

É utópico esperar do segmento político (aí incluídos os partidos de direita e de esquerda) que ele discuta a sua própria superação, pois tal universo depende dos impostos cobrados (mercadoria dinheiro) para a sua existência. Mas eleitores (inclusive negando o voto) podem e devem fazê-lo.

Aliás, é necessário que se entenda a indignação de muitos diante das verbas partidárias bilionárias que financiam o processo eleitoral, as quais são pagas pelo contribuinte exaurido (leia-se o povo). É esse mesmo povo espoliado quem sustenta o processo eleitoral que o oprime em nome de uma pretensa livre escolha, na verdade dominada pelo poder econômico e pelo coronelismo interiorano que a viciam inexoravelmente. 

O exemplo da briga pelo dinheiro dentro do partido de aluguel que elegeu o presidente, o PSL (Partido do Laranjal), é repulsivamente emblemático. 

Faz sentido pretendermos que as empresas de comunicação, que vivem das verbas publicitárias e merchandising comercial, renunciem à lógica que as sustenta e discutam verdadeiramente as causas de debacle capitalista na sua essência mais recôndita? 

É sensato esperarmos que a população culturalmente educada para positivar as categorias capitalistas (nas escolas se aprende que o trabalho dignifica o homem, como se a necessária e ontológica interação metabólica do ser humano com a natureza na busca do seu sustento fosse o mesmo que a categoria trabalho, célula primária da formação do valor e do capital) venha a compreender que se faz necessária a própria superação dessas mesmas categorias? 

É difícil, admito. Mas, é este o objetivo para o qual temos de direcionar nossos esforços de conscientização do homem comum: abrir-lhe os olhos para o que deixa de ver devido à manipulação incessante da indústria cultural.  

Para o trabalhador (hoje em grande parte desempregado ou temeroso de ser incluído nas listas de dispensa, o que lhe impossibilita qualquer barganha na venda da única mercadoria que possui, a força de trabalho) o horizonte que o sistema lhe oferece é a quimera da retomada do impossível desenvolvimento econômico sustentável, que lhe permitiria continuar a ser explorado pelo trabalho pretensamente salvador. 

Até os sindicatos estão presos nessa armadilha de ferro que os obriga a preferirem o menos ruim (a permanência no emprego com salários reduzidos) do que a superação e emancipação do próprio trabalho. 

É justamente pela falta de perspectivas dentro da (des)ordem estabelecida que devemos nos insurgir contra ela, apresentando alternativas emancipatórias e suasórias do ponto de vista social e humano.  

Não. O antônimo da cada vez mais insatisfatória democracia burguesa não é a ditadura burguesa das armas e de seus conceitos anti-civilizatórios nefastos, pois ambas são formas políticas de uma mesma substância: o capital.

O antônimo disso tudo é uma organização social horizontalizada e construída a partir de um modo de produção voltado para a satisfação das necessidades de consumo, e de forma sustentável e planejada. (por Dalton Rosado)

Um comentário:

Anônimo disse...

Dalton,

Excelente texto. O primeiro parágrafo é um primor e os demais também.
Detenho-me a ler o que você escreve para compreender a alternativa que propõe e respeito sua verve porque também esmiúça as dificuldades, mostrando, em particular, o engajamento das instituições, que deveriam refletir e implementar as mudanças necessárias, com o modelo econômico finado.
Delas, entendo que não se pode esperar nada, iguais a cracas afundarão com o seu titanic de injustiça, como é de Lei ocorrer.

De fato, não somos uma republica de bananas, o Brasil, que fique claro, mas Brasília e suas sucursais o são. Com seus micos (digo mitos) e toda entourage simiesca. Bananenses natos de Banania, a terra onde corre maldade, feiura e injustiça em rios caudalosos.

Ocorre que, soluções da economia solidária já estão a acontecer. Pessoas e instituições estão movendo esforços para concretizar um mundo solidário.

As próprias plataformas de compartilhamento de serviços são o germe da futura possibilidade de ocupação e aproveitamento de trabalho de todos.

O conhecimento está cada vez mais disponibilizado nas redes sociais e há muitos sites já fornecendo ensinamentos gratuitamente (ou em troca de likes e monetização) - destaco o Manual do Mundo.
Há tantos.

Pessoas estão vivendo vidas alternativas. Como o Virando o Mundo que dias atrás falou de uma nova bateria de lítio que estão testando na Kombi Home deles. Um tutorial e tanto, com os perrengues inclusos.

Hoje em dia, se os caras não correrem e continuarem formando jovens para ficar desempregados, as uniesquinas vão todas falir.

Só o fato de cortarem o subsídio que o PT dava para elas, já é um ponto a favor, mas precisamos mesmo é de ensino gratuito e universal.
Isso também chegará.

Em meio aos destroços de um modelo de sociedade falido, nasce o novo ainda incipiente (mas nem tanto) sistema de compartilhamento de ocupações e conhecimentos.

Parodiando meu filósofo preferido Epíteto "ao final desse processo ficará tudo bem em uma nova sociedade boa, bela e justa, mas não é garantido".

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