A CRUELDADE POTENCIALIZADA
Em de determinadas circunstâncias sociais o ser humano expõe os seus mais recônditos instintos animalescos primitivos e cruéis.
Assim, quando o modelo de relação social no qual uma sociedade se assenta entra em processo de saturação, há uma tendência perigosamente indutora para as práticas das mais abjetas crueldades de uns contra os outros.
Maiores exemplos históricos disto são, sem dúvida, as duas guerras mundiais nas quais morreram assassinadas ou em consequência direta dos conflitos cerca de 60 a 70 milhões de seres humanos.
Em 1914, p. ex., logo no início da 1ª Guerra Mundial, milhões de armênios foram violentamente e covardemente trucidados por tropas militares turcas para as quais o ato de matar pessoas indefesas servia para provar, aos poderosos blocos militares de países nela envolvidos, sua fidelidade virtuosa a propósitos político-estratégicos-belicistas.
A essa tragédia inicial seguiram-se outras, com mais agressividade ainda, ao longo daqueles tempos trágicos. Durante 31 anos de guerras e tensões econômicas (1914 a 1945), o mundo conheceu, estarrecido, o ápice da crueldade praticada por seres humanos ditos civilizados.
A essa tragédia inicial seguiram-se outras, com mais agressividade ainda, ao longo daqueles tempos trágicos. Durante 31 anos de guerras e tensões econômicas (1914 a 1945), o mundo conheceu, estarrecido, o ápice da crueldade praticada por seres humanos ditos civilizados.
Sabemos que a base dos conflitos havidos nestes pouco mais de 100 anos são os mesmos que agora induzem muitos às mesmas práticas, e outros à aceitação passiva de inversão dos melhores valores morais e humanistas.
Vivemos uma era de saturação de um modelo de relação social, o que nos induz a tal salve-se-quem-puder que a irracionalidade que nos conduz aos impasses ora vivenciados com frequência cada vez maior; e a passividade diante desses comportamentos serve como estímulo às práticas abomináveis nas quais incorre uma profusão de indivíduos obtusos e arrogantes, em nome do restabelecimento de uma ordem jurídico-político-social que sempre foi segregacionista, mas antes era dolorosamente suportada.
Agora, contudo, em razão de sua obsolescência histórica, tal ordem não pode retroceder. E, face à derrocada da democracia burguesa e seus cânones econômico-jurídico-sociais, ao invés de avançarmos na superação dos problemas, surgem perorações absolutistas como as do vereador Carlos Bolsonaro, o zero maior à esquerda.
Agora, contudo, em razão de sua obsolescência histórica, tal ordem não pode retroceder. E, face à derrocada da democracia burguesa e seus cânones econômico-jurídico-sociais, ao invés de avançarmos na superação dos problemas, surgem perorações absolutistas como as do vereador Carlos Bolsonaro, o zero maior à esquerda.
Com ele o absurdo se materializa como possível, de vez que considera como necessidade de correção de rumos a negação implícita de qualquer proposição horizontalizada de organização social e de novos conceitos de produção social. Propõe, implicitamente, o retrocesso ao absolutismo feudal do século 18.
Mas, restrinjamo-nos às evidências.
Mas, restrinjamo-nos às evidências.
A violência urbana brasileira é um triste exemplo da potencialidade da crueldade humana numa terra de contrastes sociais tão intensos. O que se dizer de uma sociedade que tem registro de 60 mil assassinatos num único ano? E isto neste país outrora tão louvado, exatamente, por seu povo cordial e hospitaleiro?
Em média, são 167 pessoas assassinadas por dia, estatística assombrosa à qual o Estado responde com um número desmesurado de policiais, cadeias e infraestrutura estatal prisional e judiciária (magistrados caros em todas as instância jurisdicionais, promotores de justiça, defensores públicos, escrivães, etc.), com custos sociais e humanos insuportáveis.
Tais gastos se chocam com a depauperação das finanças públicas, cada vez mais combalidas. Mas, ao invés de se atacar as causas da criminalidade, tenta-se combater os seus efeitos, numa guerra urbana na qual policiais e criminosos (oriundos de uma mesma classe social) duelam de forma fratricida e morrem de modo trágico.
Diante de tal quadro o que se propõe? Que se apertem os cintos e se conservem as velhas práticas de produção social e de relações jurídico-político- sociais que nos conduziram a tal inferno, em detrimento da possibilidade de forrarmos a barriga de todos com a abundância de recursos que poderíamos estar produzindo, e com organização social horizontalizada.
São questões de base ora travadas pelos impasses de um modo de produção mercantil que se tornou anacrônico, aliado a um modelo político carcomido pelos mais vícios e aberrações.
São questões de base ora travadas pelos impasses de um modo de produção mercantil que se tornou anacrônico, aliado a um modelo político carcomido pelos mais vícios e aberrações.
Como se tem medo do futuro que representa o rompimento com essa obsolescência, tenta-se, pelas mãos dos privilegiados e conservando-se a inconsciência social dominante sobre as causas dos nossos infortúnios, o restabelecimento do status quo anterior, agora acrescido de um potencial de crueldade preocupante.
As práticas e valores políticos da ultradireita (que nega sistematicamente os ganhos civilizatórios havidos nos últimos 75 anos como reação aos horrores vivenciados pela humanidade durante as duas guerras mundiais) começam a ser perigosamente reentronizados.
Outro fenômeno preocupante e a amnésia social, que vai ao ponto de muitos desejarem a volta dos militares ao poder!
Outro fenômeno preocupante e a amnésia social, que vai ao ponto de muitos desejarem a volta dos militares ao poder!
E somos obrigados a presenciar a pregação ostensiva da desumanidade, desenvolvida sem pejo por políticos ignaros, apegados a proposições fundamentalistas, que desejam a volta de cânones absolutistas como alternativa ao que hoje se evidencia como um verdadeiro imperativo: o de todos encararmos urgentemente a necessidade das transformações conceituais consentâneas com um modo de relação social que se aproprie, em benefício coletivo, dos ganhos do saber e da civilidade.
O que nos faz, ao invés de andamos para a frente, aceitarmos um recuo no qual não são as circunstâncias que devem ser modificadas para o atendimento precário das nossas necessidades, mas são as necessidades que se devem adequar à imutabilidade das circunstâncias?!
Este é, p. ex., o raciocínio embutido no ajuste fiscal: diante da redução das receitas previdenciárias oriundas de uma economia em depressão, ao invés de se recorrer socialmente a um novo modo de produção e relações jurídico-sociais que possam atender às carências dos consumos sociais, aceita-se, passivamente, a redução de direitos das pensões como algo racional e legítimo. Quanto muito, os mais constrangidos e igualmente equivocados afirmam que tal procedimento é um mal necessário.
O mesmo se aplica aos cortes de verbas em educação, inviabilizando pesquisas nas mais variadas áreas do conhecimento científico.
Os governos, todos (os de direita e os de esquerda), não conseguem raciocinar senão dentro da caixa que os comprime, ao mesmo tempo em que os beneficia com os podres poderes que os sustentam.
Trata-se do retrocesso cultural provocado pela debacle econômico-social no qual pontua a intolerância, o cinismo, a negação dos direitos humanos (vide a escalada desembestada da misantropia, misoginia, homofobia, xenofobia, racismo, etc.), e a aceitação da pobreza como algo melhor do que a iminente miséria.
É necessário:
— rebelarmo-nos contra a passividade da aceitação do ruim como forma de se evitar o péssimo;
— rebelarmo-nos contra a passividade da aceitação do ruim como forma de se evitar o péssimo;
— desejarmos o cimo luminoso de uma era de prosperidade e liberdade, pois ela é possível;
— termos cuidado com a potencialidade da crueldade dos seres humanos, sem perder a crença na preponderância de sua benevolência.
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Melhor que só fitarmos o chão, por medo de tropeços e quedas, é olharmos para frente e para cima, descortinando o horizonte e o universo. (por Dalton Rosado)
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